24 janeiro, 2007

Perfume (Perfume)




O cinema, com toda a sua magia, só consegue atingir dois dos nossos sentidos. Como então filmar uma história que tem em sua base justamente um dos que a tela não consegue transmitir? Um conjunto de bom roteiro, boa diretor, boa produção e bons atores. Mas, como sempre, e fazendo uma analogia ao próprio filme, não é apenas misturando os ingredientes corretos que se obtém um bom resultado. Perfume é uma obra de sutileza pouco vista, especialmente nas produções atuais. Resultado dos bons itens essenciais dosados na forma correta.

A história do jovem Jean-Baptiste Grenouille, um rapaz na França do século XVI que nasceu com um dom incomum – uma sensibilidade olfativa que beira a perfeição. Sua obsessão pelos odores, pela busca de uma maneira de preservá-los e pela criação do perfume perfeito o levam a cometer uma série se assassinatos – todos de garotas jovens e bonitas. Todo o filme é recheado de belas “descrições”, que substituem o sentido que falta à película. Tudo que Grenouille – muito bem interpretado pelo desconhecido Ben Whishaw – consegue perceber com seu olfato é mostrado na tela, um reflexo honesto de toda a poesia que só ele consegue perceber.

O diretor Tom Tykwer é lembrado pelo moderno e cult Corra Lola Corra. Aqui ele mostra um estilo mais clássico de filmar, mas mantém as mesmas características essenciais que sua produção mais famosa apresentou. À frente de um bom time de atores, como os veteranos Alan Rickman e Dustin Hoffman, e as belas Karoline Herfurth e Rachel Hurd-Wood, Tykwer administra com muita sensibilidade a bela composição do filme, muito bem marcada pela narração do também veterano John Hurt.

O livro em que o filme baseou-se foi muito famoso nos anos 80. É possível que volte a sê-lo agora, como aconteceu com o Senhor dos Anéis. O filme não agradará a todos – é possível que nem mesmo passe pelo crivo popular, mais ávido por efeitos especiais grandiosos e muitos tiros e explosões do que por filmes com alguma poesia. Não se deixe enganar por quaisquer opiniões negativas que encontrar. Não é sempre que a sétima arte volta a merecer esse título.

23 janeiro, 2007

Déjà Vu (Deja Vu)




Mudar o passado é uma das grandes obsessões do cinema norte-americano. Dos filmes românticos aos cult, passando, claro, pelos de ação, é um tema bastante recorrente. Poucas vezes, no entanto, a viagem no tempo foi explicada com argumentos tão científicos como em Deja Vu. Dobras o espaço-tempo criadas por acidente durante uma experiência com aceleração de partículas, resultando em um “wormhole” - buraco de minhoca – parece conversa de ficção científica barata, mas, incrivelmente, é baseada em teorias reais e aceitas por grandes cabeças da física – incluindo Einstein. Bem, toda a parte “real” do filme acaba por aqui. O resto é a boa e velha diversão da mistura de ação e suspense.

À frente da produção está o diretor e produtor Tony Scott, responsável pelo hit dos anos 80 Top Gun, entre outras produções do gênero. Aqui, um agente federal junta-se a uma equipe de investigação especial, capaz de ver o passado – no caso, o que aconteceu 4 dias e 6 horas atrás. É um tempo curto e imutável, o que revela que o filme não quis levantar questões tecnológicas e preferiu ater-se ao que esse ingrediente poderia acrescentar à ação e ao suspense. Uma boa escolha.

O bom time de atores está à vontade, quase todos em papéis que já fizeram antes: Denzel Washington como o policial inteligente, Jim Caviezel como o pária inteligente, Val Kilmer como o coadjuvante. A novata Paula Patton mostra uma boa desenvoltura, especialmente nas cenas mais tensas com o tarimbado Washington. E o diretor trata de dosar muito bem tudo o que tem à mão – inclusive as novas técnicas de captação e edição – para criar um filme típico das férias.

Claro, todo filme que envolve viagens no tempo terá, em algum momento, um ponto que não encontra explicação, algo que não encaixa, mesmo sob o manto da teoria científica aceita. Mas esse é um detalhe que não deve estragar a sua diversão. Apenas não busque nada na película que não sejam duas horas de distração inocente.

17 janeiro, 2007

Diamante de Sangue (Blood Diamond)




Chocar é uma excelente maneira de impressionar. E poucas coisas são mais chocantes que a realidade apresentada sem meandros, sem disfarces. Diamante de Sangue trata de uma realidade difícil, e a mostra em todas as suas cores. Um país em guerra, em que o governo corrupto não tem mais forças, e a solução se apresenta ainda pior, uma milícia revolucionária com objetivos “libertadores” pouco claros. E muito, muito dinheiro disponível na forma de pedras preciosas contrabandeadas.

O diretor Edward Zwick gosta de guerras. Seus filmes mais famosos acontecem durante ou depois de uma delas. Mas nunca antes ele a apresentou com tanta acidez, nem aproveitou tanto o cenário. O filme é feio, como o é a guerra. Mas é muito bem fotografado e dirigido. Zwick foge de alguns maneirismos comuns a cenas de batalha e rende-se a outros, mas o saldo é muito positivo.

Como também nas atuações. O trio principal – Leonardo DiCaprio, Djimon Hounsou e Jennifer Connelly – está ótimo, e o mesmo pode se dizer do elenco de apoio. A história é levemente forçada quanto aos vários perigos que são desviados na busca do tal diamante rosa, mas o contexto é excelente. Em alguns momentos não sabemos se torcemos para que o Asher de DiCaprio consiga o diamante ou para que o Vandi de Hounsou recupere sua família.

Apresentar uma realidade brutal de maneira idem não é um trabalho fácil. Fazer disso um filme com um resultado tão bom, ainda mais difícil. Saber que, por pior que a situação pareça na tela, ainda assim não é próxima da realidade do lugar que retrata, nos faz deixar a sala com um gosto levemente amargo. Mas ainda assim é uma satisfação encontrar uma peça tão bem amarrada, que ousa em não medir imagens.

15 janeiro, 2007

Uma Noite no Museu (Night at the Museum)




Comédias infantis tendem a ser moralizantes. Algumas o fazem em grande estilo, ainda que exagerem levemente na educação compulsória. Uma Noite no Museu é uma mistura de fantasia, ação, comédia e fábula. Funciona bem até certo ponto, especialmente por ser muito bem produzido, e por não ter muita pretensão. Suas credenciais corroboram sua vocação: um diretor mais acostumado a episódios avulsos de seriados, Shawn Levy; roteiristas de outros filmes bobinhos, Ben Garant e Thomas Lennon; um ator velha-guarda sem nada de sensacional no currículo, Dick Van Dyke. É bem verdade que Dyke está particularmente bem no filme, à vontade no papel que faz, consciente do filme que está fazendo.

Bem Stiller no papel principal está no limite: normalmente, ele é bom em papéis dramáticos e comédias românticas, mas quase sempre exagera quando é um papel um pouco mais cômico, especialmente quando o diretor não se contém. Neste ele dosa um pouco melhor sua comicidade, chegando à beira do exagero em algumas partes. Pode-se dizer o mesmo de Robin Williams.

O roteiro não esconde sua faceta moralizante. As mensagens são várias, e ditas várias vezes: ame seu pai, não importa o quanto ele pareça inadequado; visite os museus; aprenda história – a velha frase de conhecer o passado para preparar-se para o futuro é dita sem nenhum disfarce. Isto porque o filme é feito para crianças. Especificamente, na idade do filho de Stiller no filme. Esses sim, vão divertir-se a valer. Para quem não tem filhos, é um filme dispensável – até porque há outras boas opções em cartaz.

05 janeiro, 2007

Ela Dança, Eu Danço (Step Up)




Os erros de tradução sempre estiveram presentes no cinema. Vez por outra somos pegos por expressões irreconhecíveis e mesmo por gagues que não fazem o menor sentido para nós. Na maioria das vezes, são pequenos deslizes que não impactam profundamente o entendimento. Mas há casos mais sérios. O nome brasileiro escolhido para o filme Step Up é um desses casos. A expressão inglesa significa “tomar a frente”, que pode ser entendido, no contexto da dança que o filme apresenta, como apresentar-se para dar o primeiro passo de uma dança. Também significa voluntariar-se a algo, também coerente com a fita. O nome “traduzido”, porém, preferiu utilizar o título de uma música de popularidade temporária e gosto duvidoso. Assim, o filme aqui tornou-se “Ela dança, eu danço”.

Uma parte do público afasta-se da produção apenas por ela ter esse nome. Desnecessário dizer que o filme está muito além da música que lhe empresta o título. Ainda que não se trate de uma obra prima que arrebatará prêmios mundo a fora, a tradução torta não lhe faz justiça. A história é uma velha conhecida: um rapaz pobre e sem futuro comete um erro que lhe abre uma chance de, daí pra frente, passar a acertar. A trama foi colocada no contexto de uma escola de artes, mas especificamente na dança.

A abertura do filme é um belo paralelo entre as danças clássica e moderna, apresentando ambas com o mesmo vigor e valor. À parte o elenco “Barrados no Baile” de jovens americanos bonitos e atléticos, e as complicações e soluções típicas das películas para adolescentes, a parte da dança é muito bem apresentada. A diretora, Anne Fletcher, até então atuara apenas como coreógrafa e coadjuvante em algumas produções, e aqui demostra que pode segurar um elenco. Nada de grandes atuações, mas nenhum grande problema também.

Na tradição de Dirty Dancing, Flashdance e do recentes Vem Dançar, Step Up não fica entre os primeiros, mas, digamos, perde com charme. Se você é aficionado por dança, vai gostar das várias cenas bem feitas e das coreografias idem. Se não esperar por muito além disso, vai também sair satisfeito do cinema.

02 janeiro, 2007

Eragon (Eragon)




Quando J.R.R. Tolkien criou seu mundo fantástico para os vários livros do universo do Senhor dos Anéis, não imaginava o impacto que teria sobre tantas outras esferas, nem a longevidade da sua criação. São inúmeras as citações e referências à obra de Tolkien presentes em coisas tão variadas como jogos, quadrinhos, filmes e, claro, livros. Uma obra que agora chama a atenção é um desses filhotes ilegítimos, Eragon.

Pela primeira vez nesta série de críticas a filmes, vou fazer uma exceção e começar pela resenha ao livro que originou o filme. Fruto de um escritor muito jovem, Christopher Paolini, de 23 anos, que começou sua obra ainda mais jovem, na adolescência, seu Eragon bebe inadvertidamente no mundo da Terra Média. Fora o óbvio, a terra fantástica com dragões e magia, o livro tem referências bastante claras ao Senhor dos Anéis, incluindo nomes de lugares e pessoas, passando pelas línguas dos diversos povos da sua Alagaesia, e fechando com o fato do livro ser planejado para uma trilogia - dos quais o segundo acaba de ser lançado. O jovem conseguiu vender sua trilogia inacabada para o cinema, e sairá em três filmes, um em cada final de ano, a começar com este Eragon. Não, não são coincidências. Para citar apenas uma das “referências deslavadas”, há uma região na Alagaesia chamada Vanilor, perigosamente próximo da terra dos elfos na Terra Média, Valinor. O livro não é ruim, mas tem as marcas da juventude do seu autor na falta de requinte em algumas passagens, na escolha das palavras e nas descrições. Mas tem um bom ritmo, aliás um dos melhores pontos do livro, que deixa sua batalha apenas para um único capítulo, o penúltimo. É um livro escrito por um adolescente, para adolescentes - não que adultos não aproveitem o que o livro tem de bom, e há coisas boas no livro. Pode-se dizer que é um começo promissor para um autor jovem.

Já não pode se dizer o mesmo do filme. O ritmo do livro foi totalmente alterado para a película, a história sofreu alterações - como é de praxe - mas muitas delas são injustificáveis, especialmente a escolha na utilização ou não de certos personagens, e na forma como muitos deles aparecem. O livro é lento, praticamente um “road book”, com o jovem Eragon aprendendo sobre o seu destino conforme viaja primeiro na companhia de um tutor, e depois de um suspeito guerreiro. O filme faz tudo às pressas, deixando partes sem explicações e não se preocupando se o espectador entende ou não o que acontece. Mesmo para quem leu o livro, o filme fica confuso, com um ritmo mal alternado, não deixando claro nem a parte mais interessante da história original, a ligação extremamente forte entre o jovem guerreiro e seu dragão.

Culpa do roteiro mal amarado, em parte, e também da inexperiência do diretor de primeira viagem Stefen Fangmeier, que antes de Eragon só tinha trabalhado como supervisor de efeitos especiais em alguns filmes. Nesse aspecto, pelo menos, o filme é bom: o dragão é extremamente realista e vivo, e outros itens de efeitos visuais são igualmente bem feitos. Mas todo o resto é fraco. As imagens do filme não se comparam à grandiosidade do livro - que a trilogia do Senhor dos Anéis provou ser possível transcrever para a tela - os exércitos são formados por apenas alguns poucos soldados, os cenários são pequenos e inexpressivos. Há algumas boas atuações, mas elas se perdem no meio da pressa do filme em acontecer.

Se há uma lição a tirar disso, é algo que o cinema já conhece muito bem, ainda que nunca deixe de fazer: não vale a pena tentar aproveitar-se do sucesso de uma produção para encadear outras no mesmo estilo, se estas próximas não forem, no mínimo, um pouco melhores que a precursora. O que poderia ser um hit de férias, e abriria espaço para o sucesso dos próximos dois filmes, pode ter enterrado precocemente o futuro desta trilogia. O único a ganhar nesse caso é o jovem Christopher, já milionário e com muito futuro como escritor pela frente.

O Amor Não Tira Férias (The Holiday)




Certos clichês não morrem nunca, especialmente no cinema. E alguns são particularmente cruéis, ainda que sutis. Em O Amor Não Tira Férias, além de todas as marcas próprias das comédias românticas, há um bom exemplo do destino amoroso de duas personalidades diferentes, e também da “abordagem” de duas culturas diferentes no que se refere ao amor. Uma coisa, ao menos, fica certa no filme: os homens, britânicos ou norte-americanos, são românticos por natureza. Nos filmes da roteirista e diretora Nancy Meyers, que fique claro.

A diretora e roteirista já corrigiu dois “não-românticos” em seus dois sucessos anteriores, Do Que as Mulheres Gostam e Alguém Tem Que Ceder. Aqui, ela muda o foco para as mulheres, em dose dupla. Nos Estados Unidos, a produtora de trailers de cinema Amanda, interpretada por Cameron Diaz e, na Inglaterra, a jornalista Íris, papel de Kate Winslet. As diferenças culturais são aproveitadas com muita graça, quando as duas trocam de casas para recuperarem-se de suas respectivas desilusões amorosas.

E aqui entra o clichê. Cameron Diaz é mais bonita que Kate Winslet. Na película, é também mais rica e bem sucedida. Ela encontra um belo inglês - Jude Law - e sexo já na sua primeira noite na casa trocada. Já Kate passa a maior parte do filme da companhia de um adorável velhinho, um roteirista de cinema das antigas que é vizinho de sua casa de férias. Ao final, o sexo casual da americana torna-se amor verdadeiro, e uma amizade também casual da inglesa também, claro. Felizmente para esta, não com o tal velhinho. Ela fica com o “regular” Jack Black, amigo do ex de Amanda.

Mas que não haja engano sobre um aspecto: Kate é muito melhor atriz que Cameron. Basta dizer que é uma das melhores da sua geração, e que é mais comum encontrá-la em filmes um tanto mais alternativos - ou mais difíceis - que sua colega só vez por outra arrisca. Clichês à parte, os água-com-açúcar de Meyers tendem a agradar, especialmente mulheres e casais, e são sempre uma boa opção de diversão leve, bem no clima das férias.