29 março, 2007

Atirador (Shooter)




Os Estados Unidos gostam de filmes que mostram o excelente treinamento dos seus soldados, especialmente no quesito “patriotismo”. O tema do veterano de guerra que é obrigado a mais uma vez usar as habilidades que o governo lhe proveu é recorrente, bem como a insinuação de que, muitas vezes, o perigo vem de dentro. Atirador é mais um desses, com todas as características esperadas de um filme de ação sobre o tema.

É bem verdade que o roteiro tem certas riquezas de detalhes, mas nada além de uma atualização no estilo obrigatória em tempos de internet. O atirador de elite Bob Lee Swagger, aposentado do exército desde um incidente em que foi deixado para trás, é chamado para planejar, e assim prever e impedir, um assassinato do presidente dos EUA. Em seguida, precisa fugir e provar sua inocência. Nada que um Rambo já não tenha feito antes.

Mark Whalberg, que antes deste foi visto em muito boa forma no excelente Os Infiltrados, provavelmente aceitou esse papel para engordar sua conta bancária. Não que ele tenha atuado mal, ao contrário, representou muito bem o papel do soldado de elite, e foi bem acompanhado pelos colegas de elenco. Mas não é um papel que exija muito mais do que decorar as falas, ter um bom físico e fazer cara feia.

Como um filme de ação, vale pela diversão. O roteiro poderia ser melhor trabalhado, especialmente para fechar o tema de uma maneira mais honrosa. O que temos aqui é um Rambo com mais inteligência e treinamento, fazendo as mesmas coisas mas com mais estilo. Esse gênero não vai morrer – inclusive Rambo vai ressuscitar em breve – mas já não tem mais a apresentar do que a mesmo sessão pipoca para a geração que não viu os primeiros filmes.

O Bom Pastor (The Good Shepherd)




Alguns filmes são marcados por uma determinada estética, que, se for bem aplicada, torna-se parte da história. Poucas vezes se viu um detalhe técnico tão bem envolvido no roteiro quanto em O Bom Pastor. A segunda incursão de Robert De Niro na direção – a primeira foi em 1993 com Desafio no Bronx – mostra que, além de ser um excelente ator, ele também tem um olho muito bom. O Bom Pastor conta a história de Edward Wilson, um rapaz brilhante que se tornaria um dos primeiros homens da CIA, a agência de inteligência norte-americana. As origens da agência confundem-se com a história do personagem.

O filme é quase todo filmado com contraluz, quase sempre em cenas noturnas ou internas. Esse detalhe, que passa despercebido da maioria, é uma tradução visual do próprio papel da agência e do personagem principal. Tudo tem que ser feito nas sombras, sem que ninguém veja ou perceba. E é nas sombras que o filme acontece, numa belíssima – apesar de soturna – fotografia.

O submundo do início da CIA – ainda como OSS, Office of Strategic Services – também se confunde com o submundo da sociedade norte-americana, mostrada a partir de sua “mais famosa sociedade secreta” - verdadeira, por mais paradoxal que pareça uma sociedade secreta famosa – a Skulls and Bones. É dela a tão falada cena da luta na lama, protagonizada pelo ator principal Matt Damon, mas a cena em si tem apenas alguns segundos e nada a incluir na história, senão a força de vontade de Edward em fazer contato com as pessoas certas. E fazer contato com pessoas certas parece ser também a habilidade de De Niro, que conseguiu reunir um impressionante time de atores e, o mais difícil, levá-los todos a ótimas interpretações. De Damon como principal às pontas de gente de peso como Joe Pesci e o próprio De Niro, tudo se encaixa.

Se acrescentarmos ao filme a gama de pequenos segredos históricos que podem ser pescados – afinal, o roteiro foi baseado em pessoas e fatos reais, apesar de romanceado – temos um belo exemplo de produção cinematográfica. Não espere, entretanto, um suspense de arrepiar ou alguma ação. Lembre-se, este filme é feito de sombras e coisas faladas em segredo. Assista como se estivesse inadvertidamente vendo algo que não devia, e depois não conte pra ninguém.

22 março, 2007

O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno)




Em 2004, um diretor mexicano muito talentoso foi convidado para comandar a produção do terceiro Harry Potter. Por sinal, este ainda é o melhor filme da série. Mas, infelizmente, ou não, o tal diretor mexicano recusou a oferta, que acabou com outro diretor mexicano muito talentoso. Guillermo del Toro, que cedeu sua chance de dirigir o blockbuster para o amigo Alfonso Cuarón, queria porque queria dirigir o filme que era um sonho: Hellboy. E ele quis porque quis que um ator não muito conhecido, Ron Perlman, fosse o personagem título – é provável que muitos se lembrem de Perlman no papel de Salvatore, em O Nome da Rosa. O filme, uma das boas adaptações dos quadrinhos para o cinema, conseguiu agradar mesmo os – muitos – que nunca tinham ouvido falar no personagem. Del Toro aproveitou a chance hollywoodiana para aprender, e usou o conhecimento adquirido para rodar um projeto pessoal antigo: O Labirinto do Fauno.

A história da menina que se descobre filha do rei do mundo subterrâneo enquanto acompanha a mãe e o padastro depois do final da guerra civil espanhola tem nas imagens a força que é a marca de del Toro. Seus personagens – humanos ou não – e cenários são ricamente construídos, e densos, e o diretor não teme mostrar o que muitos nem sequer citariam. A pitada forte de violência pode assustar em algumas cenas, mas o filme, na sua essência, é pura magia.

A jovem Ivana Baquero, no papel da menina Ofelia, está tão bem que obrigou o diretor a reescrever a personagem, para que esta alcançasse a sua idade – originalmente Ofelia teria cerca de 8 anos, bem menos que os 11 de Ivana. A atuação da menina é realmente notável, merecedor de seis indicações para prêmios diversos, das quais levou dois. Só mesmo Hollywood para não observar o talento que se estende além de suas fronteitas. De forma geral, todos estão bem, mas é Ivana que rouba cada cena em que aparece, mesmo ao lado dos personagens fantásticos.

Junto com os amigo Alfonso Cuarón e Alejandro Gonzáles Iñárritu, ele forma o trio de diretores mexicanos que mais despontam atualmente. Cada um possui a sua marca, e cada um a está deixando nos cinemas do mundo todo. O Labirinto do Fauno é um raro caso de obra autoral que consegue recursos para tomar a forma que o seu criador imaginou, e isso no caso de del Toro significa muito. E é uma prova de que uma rodada pelas grandes produções pode ajudar. O próprio diretor disse que Labirinto – que foi todo produzido no México, efeitos especiais inclusive – provavelmente não teria acontecido se antes não tivesse experimentado Hollywood com seu Hellboy. Vamos esperar que nosso conterrâneo Fernando Meireles volte a nos impressionar com produções brasileiras também.

20 março, 2007

Scoop - O Grande Furo (Scoop)




O bom e velho Woody Allen. É essa a impressão que temos logo nos primeiros instantes de Scoop, seu filme mais recente. Isso fica claro, ao menos para os admiradores do cineasta novaiorquino, pelo jazz tocando ao fundo, enquanto vemos os longos créditos iniciais na velha forma do caracter branco sobre fundo preto. Depois do excelente Match Point, que foi uma certa virada na carreira de Allen, ele volta a sua especialidade: o humor. É bem verdade que aqui a história de fundo é um mistério, mais ou menos como no filme anterior, mas aqui o que vale mesmo são as tiradas cômicas.

Também como nos seus melhores filmes do passado, o próprio Allen faz um papel importante – e o de sempre, ou seja, ele mesmo. Diálogos rápidos entremeados por piadas satíricas, e impressiona ver que a jovem Scarlett Johansson acompanha o veterano com desenvoltura. Aliás, a escolha de Allen para sua nova musa não podia ser melhor: linda e muito talentosa, jovem o bastante para nos impressionar ainda muito no futuro. Hugh Jackman desempenha um belo papel, mas nada que impressione.

É preciso dizer que Allen não faz parte daquele time de diretores que, como Clint Eastwood, conseguem melhorar sempre. Este não é o melhor filme de Woody Allen – suas melhores produções estão mesmo no passado – mas é um bom exemplar do diretor, com tudo que os fãs esperam. Mesmo com a perda de ritmo no último quarto da fita, quando a história foca mais o suspense que o humor, ainda temos bons momentos.

Claro, todo filme do Woody Allen tem os seus críticos ferrenhos – ele é do time dos diretores “8 ou 80”, é difícil alguém achar só “legal”. Mas também tem seus admiradores fiéis, e estes, e mesmo o público que ainda conhece pouco Allen, vão se divertir com o humor meio nonsense, mas totalmente baseado no roteiro. E, como sempre, a Londres de Allen soa estranhamente como Manhattan.

15 março, 2007

A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers)




A história dos Estados Unidos é marcada por ações políticas certeiras para fazer com que o povo dê suporte ao governo. Das diversas vezes que a história norte-americana esteve nas telas, em poucas ela ganhou tintas tão fortes e tão bem acabadas. Não é qualquer diretor que consegue não apenas manter o nível dos seus filmes durante os anos, e menos ainda são os que conseguem fazer com que eles melhorem a cada novo lançamento. Mas esse é o caso de Clint Eastwood, e o caso de A Conquista da Honra.

Como nada é perfeito, o bendito brasileiro que traduziu o filme resolveu alterar o título, que pouco tem a ver com o cerne da história, ao contrário do nome original, Flags of our fathers, que aproveita-se das múltiplas interpretações da palavra “flag” para dizer algo que poderia ser bem melhor traduzido por “Os símbolos dos nossos pais”. A história mostra o antes, o durante e o depois da batalha de Iwo Jima, quando os norte-americanos fincaram a bandeira no topo do Monte Suribachi, imortalizada na foto que é provavelmente a mais famosa imagem da segunda guerra nos EUA.

O filme mostra com primor como aquela imagem transformou a guerra, ao menos para os Estados Unidos. Praticamente falidos, aquela foto, aliada a uma excelente estratégia política – e interprete “política” da maneira mais suja que conseguir – conseguiu recuperar o dinheiro que financiaria a vitória. Os soldados que participaram da foto foram usados como garotos-propaganda, e perdendo um pouco da sua alma em cada parada para vender “bônus de guerra”. Enquanto eram chamados de heróis, perdiam bons amigos que ainda estavam na batalha. A força das imagens, a edição fora da cronologia, a fotografia com bastante realce nas sombras, tudo na fita está perfeitamente alinhado para mostrar o que o diretor quer passar.

E não é só isso. O filme continua do lado de lá, no Japão, com Cartas de Iwo Jima, mostrando um lado da guerra que o ocidente pouco ou nada conhece. A marca de Eastwood no cinema já está feita há tempos, o que permite que ele trabalhe agora pela pura arte de fazer cinema – o que o torna ainda melhor. O filme concorreu a apenas dois Oscar, provavelmente por motivos políticos que tinham que dar, dessa vez, para o há tempos merecedor Martin Scorcese alguns prêmios. Avaliando-se a carreira recente de Eastwood, mal posso esperar para ver o Cartas, sem falar na sua já anunciada próxima produção.

14 março, 2007

Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine)




O cinema alternativo há muito tempo mostra os melhores roteiros. Além de sair das fórmulas, tem o mérito de abordar assuntos que outros não ousam, de maneiras que muitos nem gostariam de ver nas telas. Mas também há espaço para um pouco de fórmula nos filmes alternativos. Pequena Miss Sunshine junta duas bases conhecidas para gerar uma impressionante história. Famílias estranhas populam a grande tela aos montes. Filmes de estrada – roadmovies – também. Mas juntar os dois em um roteiro excelente foi o maior mérito deste.

Vamos falar de fórmulas novamente. Alguns dos melhores diretores da nova geração vieram dos clipes e dos comerciais. A dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris veio dos clipes, e arrumou no novato Michael Arndt o roteirista ideal. A história da família de desajustados que cruza os Estados Unidos para que a pequena Olive participe de um concurso de beleza prima por mostrar pessoas que poderiam ser nossos vizinhos, ou nós mesmos, de uma maneira singular, sem meandros.

O time de atores casa muito bem com a trama, dando mesmo uma chance para que alguns rostos muito marcados – como o caricato Steve Carell – mostrem uma faceta mais dramática. Não há superlativos no filme, apesar da premiação de Alan Arkin como ator coadjuvante, mas também não há ressalvas.

Como todo filme alternativo, não é para todos, apesar de que este passa bem como diversão fácil, o que nem todo alternativo consegue – ou quer. O excelente roteiro – também premiado com um Oscar – é a principal peça do filme, e a crítica a vários modelos norte-americanos de comportamento serve de maneira geral a todos os países. Imperdível.

07 março, 2007

Letra e Música (Music and Lyrics)




Os anos 80 foram marcantes em vários níveis: sabidamente a pior década da história da humanidade para a moda – incluindo cabelos e acessórios, a chegada de políticas liberais que funcionaram muito bem lá e não tanto aqui, o nascimento e a morte de várias “boy bands” - aqueles grupos com vários rapazes cantando em “coro” e “dançando” com roupas coladinhas de material sintético. Suas músicas superficiais e melosas, do tipo chiclete, estão indelevelmente nas cabeças de qualquer um grande o suficiente naquela época. Os anos 80, claro, acabaram, e com ele suas características. O que fazer, então, dos ícones daquela época?

Letra e Música apresenta uma versão genuinamente bem humorada da resposta. Alex Fletcher, músico de uma das “boy bands” já meio esquecido, tem a chance de voltar a brilhar se conseguir escrever uma música para a garota hit do momento. Mas sabe apenas compor a melodia, e não escrever a letra. A surpresa de encontrar em sua “cuidadora de plantas substituta” uma letrista excelente só é superada pela capacidade que o músico descobre de renovar seu espírito.

O casal principal, Hugh Grant e Drew Barrimore, não poderia ter sido melhor escolhido. Hugh é simpático e descolado, sabe fazer humor como poucos, e não tem receios de fazer o papel do cinquentão ridículo. Drew é charmosa e espirituosa, uma jovem com longa carreira, cujos últimos anos são como o renascimento que o seu contraponto na tela vive. Juntos, a dupla acerta o tom – com o perdão do trocadilho – e une letra e música em uma história doce e leve.

Claro, é uma comédia romântica, e tudo o que se espera de uma comédia romântica está lá – exceto a trilha sonora, que nesse caso se baseia quase unicamente na canção que a dupla compõe para a superstar. Mas as comédias românticas, quando contam com um bom roteiro e boas atuações, são especialmente agradáveis. E esse é o caso com Letra e Música. Especialmente interessante para quem conheceu os anos 80 – o clipe que abre o filme é uma paródia perfeita da estética da época – é um filme capaz de agradar a todos.

04 março, 2007

Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider)




Nicholas Cage é um excelente ator. Eva Mendes é linda e talentosa. O Motoqueiro Fantasma é um personagem interessante. Mas apenas essas qualidades não fazem um bom filme. E definitivamente não fizeram, nesse caso. Desde que se começou a filmar as histórias em quadrinhos com as novas tecnologia de Hollywood, o primeiro filme tem sempre o mesmo papel: apresentar o personagem aos jovens de hoje, que não pegaram as origens dos quadrinhos de agora – ou simplesmente não lêem os quadrinhos. Por isso, quase todos tem a mesma história básica, com um inimigo clássico e as origens dos poderes. Louvável. Mas é preciso um bom roteiro também. Basta comparar a qualidade, e a penetração entre o público alvo, dos dois maiores sucessos nesse segmento, X-Men e Homem-Aranha. Ambos tinham bons roteiros desde o primeiro filme, e um conjunto de qualidades que leva a fita a ser apreciada.

Aqui temos bons atores, incluindo Cage e Eva, e também o ótimo Wes Bentley – a quem, até agora, não deram a chance de repetir sua excelente atuação no Beleza Americana. Do outro lado, temos o diretor Mark Steven Johnson, que, das duas outras produções que comandou, inclui um dos outros filmes de herói que não empolgou, O Demolidor. Assim como naquele, neste ele também escreveu.

Claro, há bons momentos no filme, mas são poucos e espaçados. Cage, por melhor que seja, não consegue salvar uma cena sozinho. E de quem foi a idéia de colocar Eva Mendes como uma bitolada? A coitada de esforça para entrar em um personagem superficial, e acaba com uma atuação forçada. Sem ressalvas, mesmo, só para os efeitos especiais.

Hoje é preciso mais que isso. Já que vão gastar alguns milhões para colocar um personagem nas telas, que façam isso de maneira que ansiemos pelas continuações – sim, elas vão existir, não obstante a irregularidade deste primeiro, especialmente porque, aparentemente, as bilheterias não se importam muito com a qualidade. Ao menos até as críticas começarem a se multiplicar. Se você não conhece o personagem e não tem um interesse especial, não se dê ao trabalho. Espere até o seu aparecimento numa sessão da tarde qualquer, que não tardará.