26 dezembro, 2008

Marley & Eu (Marley & Me)




Em 2005, as memórias de um jornalista e sua família com seu cão labrador tornou-se um improvável sucesso editorial. Milhões de livros vendidos, muitos outros copiados - podemos arriscar dizer que "memórias com cachorros" está para se tornar um estilo de literatura - era quase inevitável que virasse filme. Para guiar a produção, ninguém melhor que o diretor responsável por um dos últimos filmes baseados em memórias que fez sucesso, David Frankel, de O Diabo Veste Prada.

Marley & Eu mistura pedaços da narrativa do livro com a interpretação dos atores - a propósito, Owen Wilson, tentando controlar sua veia cômica nesta comédia, e Jennifer Aniston, tentando ser lembrada em Hollywood. É uma fórmula antiga e funcional. A melhor interpreação, do cão Marley - na verdade, dos 22 caninos que ganharam o papel em suas várias fases e truques - mostra que é o típico filme leve e passatempo, como o livro. O único susto é a presença de uma inacreditavelmente gorda Kathleen Turner numa participação especial.

O número alto de cópias dubladas - algumas cidades nem mesmo receberam a versão original com legendas - também é sintomática de uma produção feita sob medida para a família nos festejos de final de ano. Divertido sem ser extremamente engraçado, agrada na medida para quem não quer nenhum compromisso, nem mesmo intelectual, nesta época. E parece ter saído na hora certa, a julgar pelos números de bilheteria.

14 dezembro, 2008

A Lista (Deception)




Antigamente os cineastas eram formados ou pelas escolas de cinema, ou pelo aprendizado com os pais, muitas vezes por ambos. Recentemente, temos uma nova geração de diretores e roteiristas vindos dos videoclipes ou dos comerciais de TV. Marcel Langenneger é um premiado diretor de comerciais, agraciado com o Leão de Ouro em Cannes, que estréia na sétima arte, talvez em busca da Palma. Bem, se é esse o objetivo, ainda há um longo caminho a ser percorrido.

A Lista, filme de estréia de Langenneger, é um suspense típico, daqueles em que as informações são dadas aos poucos e algumas guardadas para o grand finale. Conta com dois nomes de peso no elenco, Ewan McGregor e Hugh Jackman, e alguns outros bons nomes em pontas estratégicas. As atuações estão boas, mas nada especial. Tecnicamente, não há novidades nem algo notável - o que não é muito bom para um novato.

Mas o engano maior do novo diretor está no roteiro. Fraco, previsível e com alguns furos imperdoáveis. Três adjetivos que não poderiam jamais estar em um suspense, ainda mais juntos. De autoria de Mark Bomback - responsável também pelo último Duro de Matar - o argumento é interessante e poderia levar a um filme idem. Mas os personagens são lineares, as reviravoltas não surpreendem como deveriam e, absurdo dos absurdos, o final é péssimo. É, Marcel, boa sorte com seu próximo filme. Para voltar a Cannes, você vai precisar.

07 dezembro, 2008

Rebobine, Por Favor (Be Kind Rewind)




Os cinéfilos – e os fãs mais atentos de Michael Gondry – esperaram ansiosamente por este filme. Com atraso de 10 meses, finalmente chega ao Brasil Rebobine, Por Favor – Be Kind Rewind no original. Michael Gondry divide com Spike Jonze o privilégio da parceria com o roteirista Charlie Kaufmann. Seus filmes juntos incluem Human Nature e o excelente Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Além de Kaufmann, Gondry e Jonze dividem a origem, nos videoclipes, e a propensão para o estranho e inusitado.

Neste, o diretor francês muda levemente de estilo. Apenas uma cena na trama do acidente que apaga todas as fitas de uma videolocadora – que em pleno século XXI ainda usa as velhas VHS – remete ao esquisito comum de Gondry. A trama, de um humor afiadíssimo apesar de pastelão, foca-se inicialmente nos dois amigos que, na tentativa de salvar a locadora, resolvem refilmar todos as fitas destruídas eles mesmos. Esse mote foi acompanhado de uma interessantíssima campanha publicitária, que incluía acidentalmente apagar a internet e refazê-la “à mão”, e locadoras falsas do filme onde você podia fazer a sua própria versão “suecada” de um filme famoso.

O elenco, de nomes de segunda linha, tem Jack Black e Mos Def nos papéis principais. Black contém seu natural exagero cômico no papel do dono de ferro-velho, apenas para liberá-lo totalmente quando atua nos filmes suecados. Mos Def é um nome um pouco menos conhecido, mas empenha-se em fazer um bom papel. Eles são acompanhados por Danny Glover em uma atuação confortável como o dono da locadora. Apesar de não ter atuações memoráveis, todos funcionaram muito bem para os objetivos de Gondry.

O valor do filme é, sem dúvida, a habilidade de disfarçar uma comédia pastelão como um filme de arte. Não entendam isso como uma crítica negativa, pelo contrário. As várias cenas cômicas são ótimas, mas muitas vezes é preciso uma boa cultura e memória cinematográfica para relacionar as toscas refilmagens com os originais – que vão de Conduzindo Miss Daisy a Homens de Preto, passando por 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Com o atraso com que chegou, os mais interessados já tiveram a oportunidade de ver todos os suecados no site do filme. Mas ainda assim vale a ida ao cinema, se você tiver a sorte de estar em uma das infelizmente restritas praças de distribuição.

06 dezembro, 2008

Rede de Mentiras (Body of Lies)




A Guerra do Iraque não teve a força da do Vietnam de ficar na cabeça da população, como uma cicatriz muito aparente, mas também incomoda. Rede de Mentiras não usa uma história real, mas é bastante claro nas suas analogias, apesar de também passar de forma eficiente a ideologia norte-americana. E também a metodologia, que não poupa mentiras e trapaças aos seus próprios agentes em nome do "bem maior".

Ridley Scott acertou a mão. Ele teve seus momentos de muitas críticas com produções como Cruzada, mas vêm agora numa sequência muito boa, desde Um Bom Ano. Deve ter algo a ver com Russel Crowe, pela terceira vez seguida em um filme de Scott, completando a quarta desde a primeira parceria no memorável Gladiador. Scott vale-se muito bem da história, ainda viva, da invasão do Iraque e de tudo que está envolvido nisso. Abusa, no bom sentido, da fotografia árida, contrastando com o mundo de aparências do território norte-americano.

Crowe, desta vez, não faz o papel principal. Ele é um burocrata, que comanda a guerra de longe, pelo celular, enquanto leva seus filhos para a escola - nesse caso, literalmente. Ligeiramente gordo e totalmente cínico, o neozelandês atua com primazia. Mas o rosto da vez é Leonadro DiCaprio. Como já muito provado, DiCaprio é o tipo de ator que melhora muito sob a batuta de um bom diretor. Aqui ele está ótimo, numa performance que cheira a indicação ao Oscar - mas que não deve levar se realmente indicarem Heath Ledger. DiCaprio avança para uma atuação mais madura, aproveitando que a barba do personagem disfarça seu eterno rosto de criança. Mas há ainda outra atuação que merece destaque. Mark Strong esteve em pontas em diversos filmes conhecidos recentes. Aqui, em um papel mais importante, ele conquista seus momentos na tela.

Antigamente, um filme com esse mote teria pretensões épicas em todas as suas quase três horas de duração - do jeito que Scott gosta. Mas foram inteligentes o suficiente para mantê-lo na casa dos 120 minutos, e aproveitá-los como se deve. Entre a ação, a tentativa de romance, o suspense e a guerra, os pedaços se juntam com bastante afinidade, fluindo na velocidade certa para ser bom sem cansar.

05 dezembro, 2008

Cashback (Cashback)




Em 2004, Sean Ellis lançou o curta-metragem Cashback, que contava a história de um estudante de arte que trabalhava de madrugada em um supermercado, e para passar as longas horas da noite, ele fazia o contrário do que se imagina, e parava o tempo. O curta ganhou vários prêmios, e foi indicado ao Oscar. Chamou tanta atenção que virou uma espécie de cult na internet - claro que as cenas de mulheres nuas ajudaram nesse aspecto. Em 2006, Ellis transformou o aclamado curta em longa, preenchendo os espaços antes e depois do original - que é integralmente utilizado como recheio.

O sucesso do curta de Ellis não foi apenas por conta das mulheres nuas. Seu jeito de filmar é muito bom, e o roteiro, cheio de referências filosóficas em uma simples dor-de-cotovelo pelo término de uma relação, é muito bem construído. Transformá-lo em longa deu a ele a chance de ampliar o sucesso e atingir mais pessoas, fazendo dele a nova aposta indie inglesa.

Como o longa aproveita o curta, o elenco é também o mesmo, adicionado de alguns outros coadjuvantes no preencher da história. Não são rostos muitos conhecidos, mas são bons atores. Sean Biggerstaff, o proagonista, chegou a participar dos dois primeiros Harry Potter. Seu Ben Willis, o artista trocado pela namorada, é bastante real. Emilia Fox já foi vista também em algumas outras produções. Sua participação aumenta durante o filme, e sua atuação acompanha sua participação. No começo, ela não se esforça muito no papel da entediada caixa de supermercado, mas no final, já mais solta, temos o vislumbre de uma boa atriz. Os papéis cômicos dos demais parece feito à altura dos atores. Todos se divertem com suas performances.

Cashback é um filme muito bom, como o curta também. Mas um erro de Ellis nessa transição foi ampliar suas próprias expectativas. O longa é levemente pretensioso - afinal, ele teve que alongar o discurso filosófico. Há alguns pequenos enganos, mas há também grandes acertos, e o resultado final é bastante positivo. Trazido com bastante atraso ao Brasil, por uma distribuidora alternativa, é um filme que infelizmente não vai escapar para o circuito comercial, onde poderia angariar alguns espectadores. Se tiver a oportunidade, é recomendado, até para guardarmos o nome de Ellis, que pode nos trazer boas novidades no futuro.

30 novembro, 2008

Queime Depois de Ler (Burn After Reading)




Os irmãos Coen são grandes cineastas. Eles sabem como poucos transitar entre os estilos e manter a sua assinatura, não se preocupam em agradar a todos, e filmam muito bem. Depois do grande ganhador do Oscar no ano passado, Onde Os Fracos Não Têm Vez, eles nos trazem uma comédia estranha no melhor estilo do filme que os fez ganhar projeção, Fargo. Queime Depois de Ler, nos primeiros minutos, nem mesmo parece uma comédia - o que o liga muito diretamente ao primeiro sucesso dos irmãos. Eles já passaram pelos dramas, pela comédia romântica, pelo suspense, e depois da consagração com o prêmio da Academia, eles voltam a se divertir com o cinema.

Quem acompanha a carreira de Ethan e Joel sabe que tudo que eles fizeram é bom. De O Grande Lebowski a O Amor Custa Caro, passando pela obra-prima E Aí Meu Irmão, Cadê Você, com mais ou menos qualidade, são ótimas produções. Nesta comédia estranha, eles se dão, e ao elenco, a oportunidade de brincar à vontade.

O elenco, aliás, mistura antigas parcerias com artistas que têm sua primeira vez com os Coen. George Clooney trabalha em seu terceiro filme com eles - esteve no excelente E Aí Meu Irmão, e em O Amor Custa Caro. Frances McDormand os acompanha desde antes do sucesso Fargo, no qual também esteve presente. Com este, é sua sétima participação em filmes Coen. John Malkovich e Brad Pitt são novidades para eles. Todos estão ótimos em seus papéis. Pitt como o personal trainner idiota, Clooney como o ex-guarda-costas mulherengo e paranóico, McDormand como a solteirona cheia de energia, Malkovich como o agente defenestrado e cheio de ressentimentos. O elenco de apoio também é muio bom, com Tilda Swinton e Richard Jenkins em bons papéis.

Ao ler "comédia" no gênero, muitos podem pensar naquelas piadas prontas, muitas risadas fáceis e besteirol. Mas esse não é o estilo Coen de comédia. O que temos aqui é a estranheza de situações que normalmente não nos fariam rir, mas que nas mãos de Ethan e Joel tornam-se muito engraçadas. Sua forma de conduzir a história, e a habilidade, que é a marca registrada, de saber interromper a história e mudar de plano nos momentos certos, é o que torna o filme ótimo. Para quem quer diversão bem conduzida, e aceita o diferente.

29 novembro, 2008

Um Amor de Vizinho (The Neighbor)




Assim como acontece com alguns campeonatos esportivos, no cinema também existe o "cumprir tabela". Muitas vezes, apenas para testar um diretor, roteirista, ou mesmo para introduzir um ator, filmes de pouca projeção, ou com pouquíssimo conteúdo, são lançados. Esse parece ser o caso de Um Amor de Vizinho. Uma comédia romântica, que não nos apresenta nenhuma novidade, exceto pelo estreante diretor Eddie O'Flaherty, e pela atriz francesa Michèle Laroque.

O'Flaherty em apenas mais um longa no currículo, um drama sobre um lutador com ainda menos importância que este. Aqui, ele não mostra nenhuma habilidade especial. Há alguns diálogos interessantes - ele assina também o roteiro - mas nada espetacular. O que nos faz pensar que, se for mesmo o caso de cumprir tabela, talvez seja pela Michèle Laroque.

Ela sim, já em bastante bagagem. Com quase seis dezenas de participações, entre cinema e TV, é um rosto desconhecido fora da Europa, talvez mesmo fora da França. Ela atua bem - claro, um tanto limitada pelas arestras simples do roteiro. Na verdade, é interessante notar o contraste entre o seu jeito europeu, normalmente mais intenso não importa o papel, com a atuação média dos seus pares, especialmente o seu marido na trama, Ed Quinn, que está muito fraco. Um trunfo do filme poderia ser visto como a volta de um rosto conhecido. Matthew Modine teve uma ótima participação em Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick, e depois disso sumiu um pouco, aparecendo de vez em quando em papéis menores, e também como roteirista e diretor, mas nada que chamasse a atenção. Modine, não obstante sua carreira irregular, atua bem, aqui com um pouco de desleixo - talvez para deixar Michèle aparecer mais.

É um filme bastante simpes e previsível, daqueles que apenas nos permitem alguns minutos de descanso na poltrona. É interessante que seu lançamento no Brasil, apesar de fazer pouco barulho, contou com um bom número de cópias e salas, o que faz pensar se não é, de fato, uma experimentação da produtora, seja nos artistas, seja no público.

23 novembro, 2008

A Mulher do Meu Amigo




Cláudio Torres chamou a atenção do cinema nacional já na sua estréia, com o excelente e histriônico Redentor. Sua segunda investida volta-se para a comédia, com A Mulher do Meu Amigo. Como a maioria das comédias nacionais recentes, é baseada em uma peça de teatro - a principal fonte de inspiração brasileira. Vale-se de um mote muito simples para nos trazer uma história que oferece nada além de diversão.

Quando digo "nada além de diversão", é porque Torres não se preocupou em experimentar linguagens ou criar situações inusitadas. Não é uma comédia inteligente, daquelas que correm o risco de alguns nem entenderem a piada. É uma comédia pastelão, pura e simples. Isso desagradou alguns críticos por aí, especialmente pela força do primeiro filme do diretor. Torres não se apega a detalhes para fazer cinema-entretenimento.

O elenco não é exatamente de primeira, especialmente para o cinema nacional que conta com nomes de peso. Mas aqui também a escolha deveu-se à intenção de levar ao público rostos mais conhecidos. Por isso Marcos Palmeira no papel principal, e Mariana Ximenes como coadjuvante. Eles atuam bem, Marcos com uma performance ligeiramente melhor. Otávio Müller, no papel do amigo, faz as gagues a que já está acostumado. Mas Maria Luiza Mendonça é de longe a melhor presença em cena. No papel justamente da esposa bonita e burra, ela mostra que tem mais base que seus colegas. A participação especial de Antônio Fagundes não chega a impressionar.

Como todo cinéfilo, gosto dos filmes inteligentes, intrigantes, que nos desafiam. Mas, ao contrário da maioria - especialmente dos críticos - não tenho nada contra o cinema diversão. Quando entro na sala para um filme desses, entro desarmado das expectativas maiores que por vezes nutrimos quando escolhemos aquele filme que a maioria dos seus amigos nem sequer ouviu falar. É preciso saber onde se está entrando, e aqui, entre apenas se quiser diversão sem nenhum compromisso. Boas risadas, é tudo que você pode esperar.

22 novembro, 2008

A Duquesa (The Duchess)




Os contrastes culturais sempre despertam interesse. E a realeza inglesa dos séculos passados está cheio deles, o que a torna um fértil território para filmes e livros. A Duquesa traz alguns pontos interessantes das diferenças de valores da época, mas não encanta tanto quando outras histórias com o mesmo contexto.

Saul Dibb, o diretor, é um novato, com algumas experiências na TV e um outro longa pouco conhecido. Este é o seu primeiro filme de grande distribuição, com elenco estrelar. Ele participou também do roteiro, que se baseia no livro da personagem real Gerogiana Spencer, Duquesa de Devonshire. A história guarda algumas relações com outra moderna, bem conhecida - A Princesa Diana também pertence à família Spencer. Mas isso é pouco para tornar o filme realmente interessante.

O elenco é muito bom, e atua muito bem. Keira Knightley não é a melhor da sua geração, mas é sempre competente em seus papéis. Já Ralph Fiennes é daqueles atores que não chamam muita atenção, mas tem total controle dos seus papéis, quaisquer que sejam. Fiennes dá ao Duque de Devonshire o pleno tom aristocrático, no melhor estilo inglês. É uma atuação excelente, e exatamente por parecer ser tão pouco. Nomes como Charlotte Hampling e Hayley Atwell completam o time com boas performances.

Dibb aproveita bem os cenários, e tem a inteligência de evitar as cenas em plena luz do dia - o que torna fácil filmar em locais de época. Tecnicamente, é um filme muito bom, bem fechado, com algumas cenas ótimas. Mas falta-lhe algum tempero, aquela pitada que o tornaria melhor.

16 novembro, 2008

Romance




Romance é daqueles filmes brasileiros que dão gosto de ver. Não por serem excelentes, não por terem afiadas críticas sociais, não por terem aquela mensagem que fica na nossa cabeça por algum tempo, mas exatamente por não ter tudo isso. É uma história simples, em que as idas e vindas do amor se confundem com o eterno embate entre o teatro, como expressão da dramaturgia, e as artes audiovisuais - neste caso, a TV. E esse mote simples - e mesmo recorrente - é utilizado para uma produção deliciosa.

Guel Arraes veio da TV, mas teve a chance de ingressar no cinema por uma via um tanto torta, mas em grande estilo. Ele dirigiu a adaptação de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, para a TV, e a produção foi adaptada posteriormente para o cinema. Seus dois outros filmes seguiram um estilo muito parecido. Lisbela e o Prisioneiro - o primeiro "filme filme" - usa muitos elementos de suassuna, e Caramuru segue o mesmo trajeto do Auto, feito para a TV e depois adaptado para cinema. Em Romance, Arraes inova sua linguagem, apesar de manter um pé no nordeste em uma parte da história.

Um bom time de atores aproveita cada momento do excelente roteiro. Wagner Moura mostra sua versatilidade de sempre, ao lado da bela e talentosa Letícia Sabatela. Andréa Beltrão usa seu lado cômico, acompanhada da participação especial de Marco Nanini e José Wilker. Vladimir Britcha, como era de se esperar, é o mais fraco do elenco, mas nada que desabone o filme.

Os diálogos são o principal. Misturando falas diversas de peças famosas ou nem tanto com situações próprias do roteiro, alguns poderiam dizer que a fita é um falatório sem fim. Mas é justamente isso o grande charme, inclusive a mistura saudável da forma de se atuar em teatro e em cinema. Arraes fez, como nas outras vezes, um filme para todos, mas desta vez apimentou a mistura com vários elementos que, em maior quantidade, espantariam alguns espectadores. No fundo, é uma história de amor, uma comédia romântica muito bem trabalhada, e com um final surpreendentemente bom.

15 novembro, 2008

007 - Quantum of Solace (Quantum of Solace)



A franquia James Bond nunca vai deixar de ser um poço de dinheiro, e talvez também de discórdia. Quando Daniel Craig foi chamado para ser o novo 007, as críticas começaram antes mesmo das primeiras cenas serem liberadas. Cassino Royale é a primeira história do espião inglês, e muitos achavam que merecia mais respeito. Quantum of Solace não consta nos livros oficiais de Ian Flemming, porque é na verdade um conto, parte do livro Apenas Para Seus Olhos - o filme homônimo foi inspirado no conto que dá nome ao livro. Quantum of Solace não é uma história de espionagem, nem mesmo do James Bond. Ele aparece, no conto, apenas como coadjuvante. Nada do conto foi utilizado no roteiro do filme, que faz inclusive um movimento inédito na série, com uma ponte entre este e o anterior.

Na direção, Marc Foster. Os mais atentos tomam um pequeno susto. Foster é um ótimo diretor, e na sua curta carreira já chamou a atenção com várias ótimas produções, como A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca e Mais Estranho Que a Ficção. Repare bem, nem de longe filmes de ação, pelo contrário. A escolha foi sugestão do astro Daniel Craig que, apesar da atuação mediana, mostra pelo menos bom gosto como espectador.

É, não tem jeito mesmo. Craig disputa com George Lazenby o posto de pior intérprete do espião. E o roteiro não ajuda. Truculento, pouco charmoso, abusando do direito de matar e, o pior, não sabe o drique que bebe. Esforçe-se para reconhecer Bond nessa descrição. A expressão constante de desaprovação de M - a sembre boa Judy Dench - pode ser tranquilamente entendida como sendo pela atuação fraca do ator. A performance do resto do elenco só confirma isso. Nenhuma atuação excelente ou memorável, mas todas muito acima dele.

Essa nova fase do James Bond está difícil de engolir. A história de Quantum of Solace é fraca, comparada a alguns filmes anteriores - incluindo os primeiros com Pierce Brosnan, o penúltimo Bond e, na opinião deste crítico, o segundo melhor. Ainda assim, parece agradar os fãs de filmes de ação, pelos números da bilheteria. E, por isso mesmo, parece que ainda veremos mais do Bond de Craig - embora já haja rumores de um novo 007 sendo escolhido, talvez - novamente - o primeiro negro.

Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona)




Woody Allen é um diretor bastante prolixo. Lança praticamente um filme por ano. Ele passou por alguns momentos de, digamos, menor qualidade cinematográfica. No caso de Allen, esse "menor" ainda significa um bocado de qualidade. Recentemente, ele começou a filmar fora dos Estados Unidos, e parece que reencontrou também suas qualidades. Como ele filma muito, ainda não podemos fazer dos seus filmes um evento. Mas com Vicky Cristina Barcelona, não obstante isso, temos uma bela obra de arte.

É um Allen bastante diferente. Não estamos aqui na sua tradicional comédia de costumes, nem tampouco nos seus dramas com viés psicanalíticos. Não estamos nem mesmo no limiar das histórias de crime e suspense que ele adotou em algumas das suas produções mais recentes. É ainda uma comédia, tem um pouco de drama, mas é, novamente, Woody Allen experimentando. E isso é ótimo. Em seu primeiro filme na Espanha, ele abandona o olhar lacônico sobre a arquitetura e a tendência para os tons acinzentados, e explora com sucesso o calor e as cores do país.

Sua mais recente musa volta sob a sua tutela. Scarlett Johansson faz um bom papel ao lado de Rebeca Hall, um rosto pouco conhecido, mas que mostra muito charme e personalidade na sua atuação. As atenções, entretanto, são realmente os espanhóis Javier Bardem e Penelope Cruz. São eles que conduzem os outros personagens pela cultura catalã, e são eles os destaques da história.

Allen poupou no roteiro para aproveitar na experimentação. Nem de longe é um dos mais inteligentes do diretor novaiorquino, nem dos mais classudos. É na verdade bastante simples, mas extremamente bem trabalhado. E é esse o charme do filme, a simplicidade da trama unida com a maestria com que é conduzida. É um Allen diferente, mas dos melhores. Não é à toa que está colecionando elogios por onde passa.

02 novembro, 2008

Baby Love (Comme Les Autres)




A Europa sempre nos oferece uma oportunidade de confrontarmos nossos conceitos, com as várias facetas liberais que o Velho Mundo possui. Mas mesmo lá ainda há alguns resquícios de pensamentos retrógrados, e é justamente em um desses pontos que Baby Love trabalha. O título, em inglês, em nada reflete o Comme Les Autres original, e é estranho que tenham decidido por ele para a cópia brasileira. Como Os Outros, na tradução direta do original, representa muito melhor o que o filme deseja transmitir.

Vincen Garenq, estreando em longas depois de uma vasta carreira na TV francesa, conta a história de um homossexual que quer ter um filho, à revelia de todos, inclusive do seu parceiro. Dessa trama pode-se extrair uma história com diversos desdobramentos, mas Garenq escolhe talvez o mais apropriado para uma peça cinematográfica. Sem deixar nem por um momento descambar para uma das várias vertentes sentimentalóides, ele consegue um resultado excelente.

E parece que o fez também para deixar a fita mais palatável para o público não-europeu. O personagem principal é interpretado, muito bem por sinal, por Lambert Wilson, que já vimos em filmes de grande público como as duas sequências de Matrix e Mulher Gato. Contracenando com ele uma boa seleção de atores franceses, e a espanhola Pilar López de Ayala, em uma ótima performance.

E você deve estar se perguntando qual foi afinal o estilo que Garenq adotou. Poucos pensariam que poderia ser uma comédia, mas é, e das melhores. Não que com isso ele trate o tema da homossexualidade, ou da adoção, ou qualquer outro, com desdém, pelo contrário. Ele faz uma comédia inteligente, daquelas que rimos por serem situações que, por mais estranhas que pareçam, são factíveis - inclusive diz-se que o roteiro, escrito por ele, foi inspirado em uma situação real vivida por um amigo. Com bastante delicadeza, todos os pontos polêmicos são contornados por uma história deliciosa.

31 outubro, 2008

Um Segredo Entre Nós (Fireflies In The Garden)




O tema já é batido: a volta para casa depois de alguns anos longe, e o enfrentamento de algo que aconteceu no passado. Mas tudo bem, é possível encontrar desdobramentos diferentes para motes parecidos. Aqui, há o tal segredo - que a tradução ruim do título faz o desfavor de introduzir precocemente - e também uma já conhecida disputa entre pai e filho. Dennis Lee, diretor e roteirista, faz um filme bonito, mas sem destaque.

O diretor é um novato, estreando em longas, mas com um curta premiado no currículo. Sua história autoral - dita quase autobiográfica - é interessante e comovente, capaz de prender o espectador, apesar de para isso utilizar um expediente comum. Ele aproveita bem a fotografia do interior dos Estados Unidos, e também as várias referências usuais das cidades pequenas, mas consegue, de forma inteligente, utilizar o cenário como um bom pano de fundo, deixando a história fluir, na técnica dos flashbacks intercalados.

Um elenco de primeira para um primeiro filme. Inclui Willem Dafoe, Emily Watson, Carrie-Anne Moss, Julia Roberts e Ryan Reynolds, este em um dos seus melhores papéis - se não o melhor. Percebe-se que Lee valeu-se da experiência dos seus atores para não se preocupar em dirigi-los muito. Não que isso seja desabonador, na verdade é um ponto interessante de ser notado para um diretor novo. Com isso, ele conseguiu atuações boas sem serem extraordinárias. É preciso notar, entretanto, que os atores mirins estão muito bem - e nesse caso dificilmente não há um toque do diretor.

O roteiro segue o esquema de liberar as informações aos poucos, deixando algumas brechas para o público preencher por si só. Não há nada essencialmente ruim no filme, mas o excesso de fórmular, mesmo para um drama desse tipo, poderia ser um pouco evitado. Ainda assim, é um bom filme, daqueles que, quando o pegamos por acaso começando na TV, sentamos para rever.

17 outubro, 2008

As 2 Faces da Lei (Righteous Kill)




Quando se quer reunir grandes nomes do cinema, há que se ter uma história que valha à pena. Se forem dois ícones, que só estiveram juntos antes duas vezes - sendo que só contracenaram em uma - temos uma situação ainda mais especial. Robert De Niro e Al Pacino, juntos no mesmo filme, deveria ser um acontecimento. Foi assim e, 1995, quando Michael Mann filmou Fogo Contra Fogo. Mann soube construir a história de forma hábil, colocando-os como inimigos, fazendo uma única cena juntos. E essa única cena foi um acontecimento, um momento memorável. Jon Avnet quis ir mais longe, colocando os dois atuando juntos quase o tempo todo, mas achou que isso por si só bastaria.

Avnet começou sua carreira muito bem. Filmes excelentes como Tomates Verdes Fritos e A Árvore da Guerra, e muito bons como Íntimo e Pessoal, estão no seu currículo. Mas de uns tempos para cá ele não tem feito nada de muito notável. Tomou gosto pelo gênero policial com um pouco de ação e outro de psicologia. É assim, inclusive, seu primeiro filme com Al Pacino, 88 Minutos. E neste As 2 Faces da Lei ele tenta seguir o mesmo caminho. Chega a ser interessante, no início, a maneira como ele constrói rapidamente as caracteristicas dos personagens principais, mas é quase só isso.

Pacino e De Niro divertem-se em seus papéis, que fazem sem muito esforço. Como seus personagens, apesar do esforço do roteiro, não são muito profundos, não há muito a ser trabalhado, o que dificulta, mesmo para grandes atores, uma interpretação memorável. O elenco de apoio, formado por Carla Gugino, Jon Leguizamo, Donnie Wahlberg e Bryan Dennehy, tem atuações boas, também restritos pelo roteiro.

E o que deveria ser um acontecimento, resulta em uma produção regular. Colocar dois atores do porte e Al Pacino e Robert De Niro atuando juntos, uma situação rara, merecia um cuidado maior. Quando Michael Mann colocou-os juntos pela primeira vez, foi bastante feliz. E todas as novas chances de reunir os dois vão sempre ser comparadas àquela. Avnet tenta, mas não consegue nem mesmo uma menção honrosa.

12 outubro, 2008

A Guitarra (The Guitar)




A arte de contar histórias, algumas vezes, se apega ao mínimo necessário. Esse é o caso de A Guitarra, filme que dificilmente chegará ao circuito comercial, mas que vale a pena ser assistido. Amy Redford - sim, filha do Robert - estréia na direção, depois de vários papéis secundários em filmes diversos e seriados. E escolhe para seu debut um roteiro bastante intimista, daquela simplicidade que só se atinge com muito esforço de cortar as aparas.

Assina o roteiro Amos Poe, que tem vários trabalhos no currículo, da atuação à edição, mas nada do que nos lembremos. Mas isso é o suficiente para termos uma boa idéia de quem seja: um daqueles cineastas independentes, de onde as idéias brotam, mas que muitas vezes não prestamos atenção. Ele teve a sorte de encontrar Amy em seu caminho, e ela de encontrar um bom texto. O mote não poderia ser mais simples. Melody, uma mulher de seus 30 anos e com nenhuma conquista na vida, descobre que tem câncer e morrerá em dois meses. E resolve abandonar totalmente a sua vida e fazer tudo o que tinha vontade. Mas ela não viaja o mundo, tranca-se em um espaçoso loft novaiorquino.

A fita, na maior parte do tempo, mostra apenas Saffron Burrows, como Melody. É um rosto mais ou menos conhecido, já o vimos em papéis coadjuvantes algumas vezes. Sua Melody passa do soturno da descoberta à liberdade alcançada com as mudanças com muita habilidade. Contracenando com ela, apenas dois personagens: o entregadores Roscoe, interpretado por Isaach De Bankolé, e Cookie, por Paz De La Huerta. O apartamento vazio vai sendo preenchido, como a vida da personagem, apesar de não abandonar aquelas paredes.

Os pequenos flashbacks servem para mostrar uma única coisa: a paixão antiga de Melody por uma guitarra vermelha. Tudo dito assim, pode dar a impressão de um filme monótono e pedante. Mas a condução da história não deixa isso acontecer. Não há atuações soberbas, nem movimentos inovadores, nem uma fotografia impressionante. Mas há uma mão muito boa segurando o roteiro que poderia facilmente descambar para aquele chato intelectualóide. Boa estréia, Amy.

26 setembro, 2008

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness)



Filmar um livro de José Saramago, por si só, já é uma idéia que chame a atenção. Quem já leu o renomado português sabe que não é nada fácil acompanhar as muitas vezes intrincadas linhas e complicados diálogos, sem falar nos temas e nas abordagens. Isso poderia afastar muitos dos possíveis espectadores, mais interessados em diversão fácil do que em um filme com a densidade de um livro de Saramago. Felizmente, uma boa dose de publicidade bem feita - sem falar nos comentários, positivos e negativos, nos vários festivais em que esteve - tratou de colocar a produção em destaque.

Os direitos do livro estavam vendidos há tempos, para o produtor e o roteirista do filme. Saramago fez a única exiência de que não se conseguisse identificar a cidade nem o país em que a história se passa. Fernando Meirelles, nosso conterrâneo diretor, locou o filme em cidades diferentes para conseguir o efeito - embora seja verdade que ele puxou levemente para São Paulo em algumas tomadas.

O elenco tem quase que só grandes nomes. Mark Ruffalo e Juliane Moore, como o casal principal, Danny Glover, Gael Garcia Bernal, e a brasileira Alice Braga - que aparentemente vai no mesmo caminho de Rodrigo Santoro conquistando seu lugar no cenário internacional - estão nos papéis centrais. Não há muitas surpresas, e essa é a maior deficiência da fita. Meirelles, que soube tirar atuações primorosas de não-atores em Cidade de Deus, não conseguiu trabalhar bem os profissionais aqui. Não há ninguém ruim, mas todos poderiam estar melhores.

Ensaio Sobre a Cegueira é um dos mais contundentes livros do português, daqueles feitos para nos fazer pensar, e muito. O filme tenta chegar ao mesmo nível, mas é muio difícil, especialmente em se tratando de Saramago. Ele consegue ser bastante forte em alguns casos, mas também passa muito levemente em algumas questões. Isso torna o filme não tão pesado quanto poderia - e, assim, mas palatável. Ainda assim, divide opiniões. Sem trocadilhos, é ver pra crer.

19 setembro, 2008

Mamma Mia! - O Filme (Mamma Mia!)




Os musicais vieram para ficar. Já é quase certo: se uma produção saiu-se bem na Broadway, virá fatalmente para a telona. E felizmente, a transição tem sido muito bem feita, e temos vários bons musicais por aí. Mamma Mia! vale-se de utilizar somente músicas do Abba. A história é tola - como o são quase todas as músicas do grupo. Em compensação, é também muito divertida - como o são quase todas as músicas dos suecos.

A diretora novata Phyllipa Lloyd - novata no cinema, pois tem uma boa carreira no teatro e na ópera - soube aproveitar bem outra das grandes vantagens do filme: a locação. As Ilhas Gregas são belíssimamente mostradas, com todo o seu charme peculiar, e utilizando também a ótima luz natural que o verão grego proporciona. Como ela mesma dirigiu a versão Broadway do musical, temos aqui uma versão que deve ser muito próxima, em clima, do que está nos palcos.

O elenco combina alguns diamantes com boas novidades. Meryl Streep não precisa de apresentações nem de críticas. É uma atriz no estágio em que qualquer coisa que se dê a ela será bem feita, e aqui não é diferente. Ela é acompanhada por Julie Walters e Christine Baranski, duas também veteranas, embora de menor peso, que se divertem bastante em seus papéis. No lado masculino estão Stellan Skarsgård, Pierce Brosnan e Colin Firth, todos excelentes atores, bastante confortáveis em seus papéis. É bem verdade que, em uma música ou outra, fica claro que alguns deles são melhores atores que cantores, mas nada que tire a graça. A jovem Amanda Seyfried completa o elenco principal, com uma atuação bastante boa, o suficiente para não fazer feio frente a tantos grandes nomes.

Ainda há, infelizmente, muito preconceito contra os musicais no cinema. Fruto de algumas bobagens cometidas nas décadas passadas, e do fato também de que muitos não conseguem enxergar que o gênero pode, e deve, fazer parte do composto cinematográfico. Para quem ainda não aprendeu a apreciar um bom musical, o filme pode parecer chato. Para quem gosta, é pura diversão.

14 setembro, 2008

Os Desafinados




O aniversário da Bossa Nova - por mais estranho que seja comemorar a idade de um gênero musical - mexeu com a produção cultural brasileira. Foi feito de tudo um pouco: shows, documentários, livros, compilações, a Bossa estava em todo o lugar. E no cinema também. Utilizando o já batido expediente de pegar um fato real e construir uma história fictícia ao redor, Os Desafinados, de Walter Lima Jr., faz a sua pequena história da Bossa Nova, falando de um grupo que não foi ao famoso show do gênero nos Estados Unidos.

Walter Lima Jr. é um diretor de filmes muito diferentes. Do bobinho Ele, O Boto ao intimista A Ostra e o Vento, este Os Desafinados pode ser o mais maduro da sua produção. Não há muita profundidade, mas há uma maneira de filmar coerente com a proposta, uma boa escolha de elenco, a utilização inteligente da fotografia para marcar a ambientação, e uma história bem fechada, que responde só o necessário.

Nos papeis principais, bons jovens atores brasileiros, a começar por Rodrigo Santoro, o agora mais internacional dos brasucas. Ele sabe construir um personagem como poucos, e é justamente o seu Joaquim que marca melhor a passagem do tempo na história - não por acaso, o personagem mais principal do grupo. Ângelo Paes Leme também faz um bom papel, que poderia ser melhor aproveitado, e temos também a surpresa do não-ator Jair Oliveira - o eterno Jairzinho - que se não está totalmente à vontade no papel, mostra bastante esforço. Outro colega músico, André Moraes, sai-se um pouco melhor. Cláudia Abreu também atua bem, como Alessandra Negrini - ambas já são do tipo que sabem o que fazem em qualquer papel. Selton Mello, provavelmente o melhor do grupo, deixa os colegas brilharem fazendo muito bem o seu papel coadjuvante.

Os Desafinados é um filme divertido e leve, que tem um pouco de tudo: vai do humor ao drama mais ou menos denso com bastante fluidez. A trilha sonora, que poderia e deveria ter maior participação, é pouco aproveitada, uma pena. Mas nada que tire a graça da fita. Não é a história da Bossa Nova, é uma delas. Mas bem contada.

24 agosto, 2008

O Procurado (Wanted)




O Procurado é um daqueles filmes que se assiste com uma sensação de "já vi isso antes". Não que a história seja conhecida - é baseada em um quadrinho que só os mais fanáticos conhecem - mas a forma como ela se apresenta. É um filme de ação, e isso por si só já praticamente impõe algumas recorrências. O diretor, o russo Timur Bekmambetov, estréia em Hollywood, e parece que quis impressionar os novos chefes dando a eles um pouco mais do que eles já têm o bastante.

Timur começou bem, com uma produção bem cuidada e cheia de grandes nomes. Sua estrela é James McAvoy, o ótimo ator escocês que vimos há pouco no excelente Desejo e Reparação. Contracenando com ele estão Angelina Jolie e Morgan Freeman. McAvoy faz um bom papel, mas temos a impressão de que um bom diretor de atores conseguiria algo mais. Jolie praticamente repete sua atuação de Sr. e Sra. Smith, e Freeman, bem, ele está sempre muito bom.

O roteiro tenta se basear em uma história interessante, mas não convence muito. E nem precisa, afinal, é um filme de ação. O problema é que Timur não inova em nada. Dos ângulos às tomadas, dos efeitos especiais às interpretações, o que temos é uma colcha de retalhos de velhas soluções, algumas que em certos momentos nos lembram filmes muito bons - como Clube da Luta e Matrix. A história se perde da metade para o final, os conflitos e descobertas não trazem nada de novo, e o que resta são apenas as sequências de ação.Bom para esquecer o mundo por duas horas, e só.

23 agosto, 2008

Reflexos da Inocência (Flashbacks of a Fool)




"Não se pode fugir do seu passado" é uma frase que o cinema repete insistentemente. Várias produções utilizam o mote de mostrar como o passado de alguém interferiu no seu presente. Reflexos da Inocência é mais um desses. A fórmula é simples: uma série de acontecimentos faz com que o protagonista revisite a sua vida - não raro algo de que ele fugiu. Mesmo sem novidades no tema, há formas e formas de contar a história.

O título original, Flashbacks of a Fool, é como quase sempre mais significativo que a tradução. Uma das boas decisões do diretor e roteirista Baillie Walsh foi a de concentrar a volta ao passado em um longo flashback, que ocupa a maior parte da fita. Nessa parte, lembra um pouco Um Verão para toda Vida, do ano passado, com sua paisagem do litoral inglês e a história girando em torno das decisões da adolescência. Walsh é um diretor novo - tem apenas um documentário e alguns videoclipes no currículo - e não conseguiu aqui colocar uma marca muito forte. Suas influências são facilmente percebidas pelos mais atentos.

Apesar de estar no poster e listado como ator principal, Daniel Craig - é, o atual James Bond - não é a maior atração do filme. Não apenas sua parte é apenas a "moldura" da história, mas também sua atuação não empolga. Sua contraparte jovem, interpretada por Harry Eden, sai-se melhor, como quase todo o elenco da fase do passado. Da forma como foi montado, poderiam ter escalado qualquer ator para a fase adulta. O fato de Craig ser também produtor certamente teve a sua influência. Além de Harry, Olivia Williams, que faz a sua mãe e a amiga Ruth interpretada por Felicity Jones são algumas das boas interpretações, além da ranzinza vizinha de Miriam Karlim.

Walsh tentou imprimir um tom idílico à parte central da produção, explorando as paisagens e a imaginação dos personagens - quase todas as críticas falam da cena em que o jovem Joe e sua pretendente Ruth dublam "If There Is Something", da banda Roxy Music, devidamente caracterizados. Podemos dizer que ele atingiu seu objetivo, mas não conseguiu criar o contraste necessário entre a vida adulta de Joe e o seu passado. A vida do ator decadente é desinteressante, e a interpretação de Craig não ajuda. Talvez por conta disso saiamos do cinema divididos entre o bom e o médio como opinião.

09 agosto, 2008

Quem Disse Que É Fácil? (¿Quién dice que es fácil?)




A Argentina, à parte a nossa rivalidade no futebol, é um país com tanta história de mazelas políticas quanto o Brasil. Quando se ouve falar de um filme argentino, pode-se esperar que, assim como o Brasil, haja lá a mania de colocar a tal política em quase tudo. Se depender do diretor Juan Taratuto, isso vai passar longe. Ele chamou alguma atenção do mundo do cinema há alguns anos com Não É Você, Sou Eu, uma comédia divertida e original. Quem Disse Que É Fácil tem os mesmos elementos básicos - incluindo o nome longo e estranho - e é igualmente divertida e original.

O mote não poderia ser mais simples: duas pessoas, aparentemente opostos em tudo, se encontrar e, claro, se envolvem. Sim, já vimos isso antes. Mas Taratuto consegue dar charme à trama com personagens que, apesar de caricatos, parecem bastante reais. O controlador Aldo consegue ser também simpático, e a charmosa e impulsiva Andrea consegue parecer com alguém que conhecemos há tempos.

Como é difícil filmes argentinos desembarcarem aqui - apesar da proximidade geográfica e da qualidade das produções de lá - todos os rostos no filme são desconhecidos. O par principal, formado por Diego Peretti - também ator principal do Não Sou Eu, É Você - e Carolina Pelleritti, está excelente. Mesmo com um roteiro simples, eles conseguem dar camadas aos personagens. Os amigos de Aldo estão ótimos como suporte cômico também.

O grande trunfo do filme é não ser pretensioso. Poderia elocubrar sobre as divergências da sociedade, sobre modos de vida distintos, mas se atém na estranheza da convivência do casal. Taraturo dirige o filme sem esforço aparente, sem se preocupar em fazer tomadas excelentes e mostrar destreza. A intenção é apenas divertir. E ela é atingida plenamente, ainda que alguns diálogos tenham bastante força. Para quem gosta de saber que bom cinema está em toda parte.

07 agosto, 2008

Ao Entardecer (Evening)




Todos nós tomamos alguma decisão em determinado momento da vida, que depois nos faz questionar onde estaríamos se, naquele momento, tivéssemos escolhido diferente. Com esse tema já foram contadas centenas de histórias, e algumas inclusive caíram na tentação de mostrar o que realmente teria acontecido. Ao Entardecer não usa esse artifício. Pelo contrário, fala justamente de uma mulher que resolve abrir uma parte da sua vida que ela mesma escondeu por muito tempo. Baseado no livro da autora Susan Minot - que escreveu também Beleza Roubada, filmado por Bernardo Bertolucci - o filme é, a exemplo deste, uma viagem sentimental.

O diretor húngaro Lajos Koltai fez várias escolhas certas. O cenário, dividido entre um casarão de subúrbio e uma belíssima paisagem à beira-mar, parece ter sido criado especialmente para a produção. O recurso de alternar presente e passado, apesar de muito utilizado, permitiu uma fluência que se aproxima muito da linguagem poética que o livro provavelmente possui. Há um motivo especial para isso. Apesar do vai e vem, toda a história acontece em um final de semana, no passado e no presente. A ambientação foi muito bem trabalhada, especialmente na iluminação, dando contornos ainda mais suaves às transições.

O elenco também ajudou bastante. É gratificante ver a jovem Claire Danes saindo-se muito bem no papel que, no presente, é de Vanessa Redgrave. Claro, não devemos esperar que Claire mostre a mesma performance que Vanessa, mas no contexto da jovem explosiva versus a senhora madura, temos uma continuidade excelente. Toni Collete, em sem papel coadjuvante, destaca-se levemente sobre Natasha Richardson, como as filhas da personagem principal. Natasha, inclusive, é filha de Vanessa Redgrave na vida real. Outro caso é o de Mamie Gummer, que interpreta a melhor amiga da personagem na juventude, e no presente é vivida pela sua mãe, Meryl Streep - e aqui a semelhança física chama bastante atenção. Infelizmente não há muito o que dizer das interpretações masculinas, exceto pelo bom papel de Hugh Dancy como o problemático Buddy.

Ao Entardecer é o tipo de filme que agrada muito mais as mulheres que os homens. Como todos um dia fazemos escolhas, é difícil não deixarmos o cinema com uma sensação levemente melancólica. Não obstante, é uma bela produção que se oferece como alternativa a algumas das bobagens em cartaz - considerando que você já assistiu às boas produções atualmente nas salas.

03 agosto, 2008

Ensinando A Viver (Martian Child)




Histórias de pessoas problemáticas, mas adoráveis, são quase sempre interessantes. Há alguns anos tivemos nos cinemas a história de Prot, um alienígena vivido por Kevin Spacey enviado à Terra para estudar-nos em K-Pax. Ensinando a Viver lembra bastante o filme de 2001, mas vale-se de um modo mais prosaico para passar a sua mensagem. Aqui acompanhamos David, um escritor de ficção científica que adota um garoto que diz ser de Marte, Dennis.

O diretor, Menno Meyjes, tem em seu currículo mais participações como roteirista - incluindo histórias utilizadas no programa Além da Imaginação e co-autoria da história de Indiana Jones e a Última Cruzada. Ele é inteligente o bastante para não focar tanto nos modos estranhos de Dennis, e trabalhar a relação que David busca estabelecer com ele. A cena em que, para mostrar que não está bravo pelo menino ter acidentalmente quebrado um objeto, ele o incentiva a quebrar outros, é um dos melhores momentos da fita.

John Cusack vive o escritor, com sua boa performance de sempre - é o tipo de ator a quem deviam dar mais atenção. Ele algumas vezes exagera nos maneirismos, mas consegue passar a angústia de cuidar de um pequeno marciano, muito bem interpretado por Bobby Coleman. A irmã de Cusack, Joan, novamente o acompanha fazendo o contraponto cômico - é a 9ª vez que atuam juntos. É difícil encaixar, entretanto, a personagem de Amanda Peet, na pele da amiga que conforta o recém-viúvo e novo pai.

Ensinando a Viver não é um título à altura do filme. Mesmo podendo ser encarado como uma versão mais açucarada de K-Pax, tiraríamos melhor proveito do título original, chamando-o de O Garoto de Marte. É daqueles filmes que assistimos com um leve sorriso no rosto quase o tempo todo, entre uma risada e outra. Divertido, sensível e simpático, deveria merecer mais atenção das exibidoras brasileiras. Nos poucos lugares em que estreou, ficou limitado a poucas salas e espremido entre horários de outros filmes. Para uma produção essencialmente comercial, bem feita e com potencial, é uma pena.

Meu Irmão É Filho Único (Mio Fratello È Figlio Unico)




Quem já assistiu a uma boa comédia italiana das antigas logo associa um nome como esse, e a sua origem, às histórias divertidíssimas em que todos falam ao mesmo tempo, brigando uns com os outros, mas sem se separarem. O diretor Daniele Luchetti - um dos principais cineastas italianos hoje - usou o estilo para vestir um pedaço muito particular da história recente da Itália. O filme é contado do ponto de vista de Accio, o filho do meio de uma família operária, que mora em uma pequena cidade do interior em que as coisas demoram a chegar. Deslocado, ele tenta ser padre, depois facista, indo sempre ao contrário do que todos pensam.

Accio é interpretado na adolescência por Vittorio Emanuele Propicio, muito bem em sua primeira investida no cinema. Adulto, é vivido por Elio Germano, em uma interpretação que lhe valeu a indicação ao Prêmio Europeu de Cinema, e o prêmio de melhor ator no David di Donatello, o equivalente do Oscar na Itália. Ele expressa tão bem a confusão de não se encaixar em lugar nenhum - e ainda assim não ter para onde ir - que chega a ser difícil perceber que ele na verdade interpreta. Seus companheiros na tela também estão ótimos, com destaque para o irmão mais velho e comunista vivido por Riccardo Scamarcio. A mãe vivida por Angela FInocchiaro, apesar de aparecer pouco, está também excelente.

Luchetti filma levando-nos à quase total intimidade com o personagem e com a sua vida. Ângulos muito próximos em diversos momentos da fita causam estranhesa no início, mas rapidamente nos acostumamos a ver tudo aquilo de muito perto. Sem poupar os trejeitos do seu país, o diretor consegue misturar um tema delicado e potencialmente perigoso - a divisão política pós Segunda Guerra - a um intenso drama que é, ao mesmo tempo, uma divertida e típica comédia italiana.