27 abril, 2008

Três Vezes Amor (Definitely, Maybe)




Comédias românticas costumam dividir críticos e públicos - além de dividir namoradas suspirantes e namorados chateados nas poltronas. Muitos acham que é um gênero que não merece qualquer atenção. Outros, que podem, sim, sair boas peças do inexorável caldo de clichês. Este crítico está entre os últimos. Há vários bons exemplos, e há também algumas obras-primas, aqueles nomes que todos conhecem. Três Vezes Amor não é uma obra-prima, mas se encaixa nos bons.

Adam Brooks, o diretor e roteirista, sabe o que está fazendo. Ele escreveu a sequência de Bridget Jones - que muitos consideram melhor que o primeiro - e também o pouco falado, mas muito interessante, Wimbledom. A sua história parte de um mote interessante, já que o personagem principal conta para a filha pequena sobre as três mulheres que mudaram a sua vida, uma das quais sua em breve ex-esposa.

No papel principal está Ryan Reynolds, conhecido de filmes bobos e séries idem, além de algumas aventuras em filmes de ação. Ele atua bem, ao que parece pelo bom comando de Brooks. Suas três parceiras são Elizabeth Banks, uma eterna coadjuvante, daquelas que sabemos que já vimos antes, mas nunca lembramos onde; Rachel Weisz, sempre bela e talentosa, e Isla Fisher, que como a colega Elizabeth, coleciona papéis secundários. Todas estão muito bem, e não há como não dar destaque para Weisz. Kevin Kline faz uma ponta muito interessante na fita. Mas o melhor certamente é a pequena Abigail Breslin, que conhecemos do Pequena Miss Sunshine. Ela está perfeita na pele da garota que teve uma aula de educação sexual e resolveu ter uma conversa com o pai.

A seqüência de cenas é muito bem armada, e o timing da comédia é muito bem utilizado. Tudo o que é necessário para que fique bom. Nova York, cenário padrão desse tipo de filme, é aproveitado sem seus ângulos mais usuais - o que é um mérito pouco mencionado da produção. Três Vezes Amor foi descrito em algumas sinopses como uma comédia romântica que quer quebrar os clichês do gênero. Bobagem. Não é uma produção tão ambiciosa assim, mas é justamente isso que a deixa tão saborosa.

26 abril, 2008

Encurralados (Butterfly on a Wheel)




Filmes de suspense são bons na medida em que conseguem te segurar na cadeira, e prolongar ao máximo o momento de dar as respostas, sem que o espectador descubra antes. Encurralados tem os ingredientes básicos do bom suspense, incluindo uma ação muito bem planejada e não explicada. A primeira pergunta que nos fazemos é porque, afinal, aquilo está acontecendo. O diretor Mike Barker começa o filme de forma excelente. Em poucos minutos, pinta a vida aparentemente perfeita do casal que será a vítima, para depois colocá-los no carrossel que se seguirá, nas mãos de um sequestrador frio e bem informado, que não revela suas intenções.

O melhor ponto da fita é sem dúvida Pierce Brosnan. O agora eterno ex-007 é um excelente ator, e já mostrou isso inúmeras vezes antes e depois do agente secreto - que infelizmente é um estigma persistente. Ele comanda o show não apenas como o bandido do filme, mas também com sua atuação na medida. O casal, formado por Maria Bello e Gerard Butler acompanha bem Brosnan, mas a diferença artística fica muito clara.

O roteiro, feito sob medida para nos tirar o fôlego a cada 10 minutos, tem vários problemas, inclusive erros básicos na manutenção de informações, mas que passam despercebidos da maioria. Os mais atentos, entretanto, não apenas se incomodarão com esses erros, como também saberão o final mais ou menos no terceiro quarto do filme. O que não deixa de ser divertido, pois os que descobrem entram em um novo tipo de suspense: o de saber se a sua percepção está certa.

23 abril, 2008

Falsa Loura




Em 2003 o diretor Carlos Reichenbach lançou a história de uma jovem operária de uma indústria paulista, com algumas pitadas de suspense e outras de crítica social. Não chegou a impressionar. O novo longa do gaúcho trata de uma jovem operária de uma indústria paulista, com algumas pitadas de suspense e outras de crítica social. Falsa Loura segue rigorosamente os mesmos passos do Garotas do ABC. Mostra os mesmos ângulos, o mesmo tipo de fotografia, o mesmo subúrbio, uma bela protagonista - com sua nudez devidamente aproveitada.

Não que ele não saiba fazer diferente. Pelo contrário. Seu nome é conhecido entre os frequentadores de festivais, e alguns das suas produções - como Dois Córregos, que aparece em uma auto-homenagem em uma das cenas - são bastante elogiadas. E não é também que ele não tenha qualidades, nem que este seja ruim. Só que, como o seu irmão gêmeo, não chega a impressionar. A história confunde-se entre as várias vertentes da vida da protagonista Silmara, que hora ajuda uma colega a desabrochar, ora é cheia de segredos com o pai, ora ofendida por ser tratada como prostituta, ora forte, ora fraca. A idéia parece ser justamente esta, um retrato próximo da operária, mas faltou uma linha que amarrasse melhor todas as várias partes.

Silmara é interpretada pela brasiliente Rosane Mulholland. Também conhecida dos festivais, esteve no histriônico A Concepção, e é uma ótima atriz. Ela esforça-se para dar o tom sugerido pela cena, mas mesmo assim em alguns momentos parece perdida com as intenções da sua personagem. Em suas cenas com Cauã Reymond, fica claro como o galã é fraco, e olha que ela nem está tão bem assim nessas cenas específicas.

Ao tentar fazer um filme denso e profundo, Reichenbach acaba com uma peça um tanto sem definição. As mudanças são tantas, tão rápidas e carentes de ligação, que não percebemos evolução na personagem, nem captamos sua real personalidade. Algumas cenas são particularmente muito boas, mas sem um encaixe perfeito com o conjunto. Outras são tão sem nexo que poderiam não apenas ser retiradas, como realocadas em qualquer pedaço do filme. Nem comercial nem alternativo, Falsa Loura não é o melhor exercício do diretor gaúcho.

21 abril, 2008

Apenas Uma Vez (Once)




Filmes independentes tem a vantagem de não precisarem seguir algumas das regras básicas que muitos dos grandes estúdios exigem. Em Apenas Uma Vez, a talvez mais prosaica das regras é quebradas, mas, numa comprovação de que talento e envolvimento podem deixar as regras de lado, passamos boa parte do filme sem perceber. A história se passa em Dublin, a famosa cidade irlandesa, e envolve música e romance. E é isso que vemos o tempo todo na tela, na câmera digital sem tripé do diretor John Carney.

Ele não é conhecido, como também não o são seus atores. É verdade que, para alguns cinéfilos, há a sensação de já ter visto o músico/ator Glen Hansard antes. Seu outro filme é o mais ou menos conhecido The Commitments - que no Brasil recebeu o subtítulo de Loucos Pela Fama - de Alan Parker. Já Markéta Irglová está em sua primeira produção. Em comum, o fato de que os dois são músicos - e a exemplo do filme de Parker, todos que aparecem tocando instrumentos no filme são músicos de fato. Mas são também bons atores. Bons o suficiente para nos transmitir muito bem a tensão do romance que há entre eles quase desde o começo.

As ruas pitorescas de Dublin e a excelente música - composta por Hansard, uma delas ganhadora do Oscar de Melhor Canção - são o pano de fundo perfeito para a história urbana do casal. A fotografia que abusa das limitações da câmera digital pinta belamente a tela. Com todas as características da produção independente - o filme foi realizado em 17 dias, e custou a "bagatela" de 150 mil dólares - ele infelizmente não chegará a todos. Uma pena. Para quem ficou curioso sobre a regra básica quebrada aqui, e não vai ter a chance de conferir, pasmem: os personagens principais não possuem nomes. Tudo entre eles é dito com música.

20 abril, 2008

Quebrando a Banca (21)




No final da década de 70, um curso especial do Massachusetts Institute of Technology utilizou técnicas de matemática aplicada ao famoso Blackjack - conhecido como 21 no Brasil - o único jogo de cartas em que é possível vencer sem contar com sorte ou blefe. Desse curso surgiu uma equipe de estudantes dispostos a ir a fundo na técnica, e colocá-la à prova nos cassinos de Las Vegas. Esse foi o início da história real que inspirou Quebrando a Banca.

A produção tem todos os ingredientes de um filme do tipo "pura diversão". Para dirigi-lo, escolheram Robert Luketic, diretor de pouca experiência, mas com a comédia sucesso Legalmente Loira no currículo. Ele não supreende, mas também não decepciona. Imprime um ritmo bom à fita, valendo-se das mudanças no seu personagem principal para dar o tom. A seu favor, um roteiro bem feito - pela dupla Peter Steinfeld e Allan Loeb, aquele responsável por O Outro Nome do Jogo e A Máfia Volta ao Divã, duas continuações, e este pelo aclamado Coisas que Perdemos pelo Caminho - e um elenco bem preparado.

Jim Sturgess parece ser o novo candidato a queridinho de Hollywood. Trabalhou em seriados e filmes independentes até chamar atenção por seu papel no musical Across the Universe. Logo seguido por um papel no recém-lançado A Outra, e no mesmo ano fez este. Ele consegue uma boa progressão do calmo e sereno estudante brilhante para o jovem deslumbrado com Las Vegas e com o dinheiro fácil. Sua atuação mostra que tem bastante potencial. Ele encara Kevin Spacey - sempre magistral - sem problemas. Os outros jovens do grupo estão todos bem, correspondendo aos seus papéis de coadjuvantes.

Com vários ingredientes certos, é um filme divertido o suficiente para valer as pouco mais de duas horas na poltrona. Pitadas de humor na dose certa, algum suspense, algum drama, e um bom produto final. Vale certamente como experiência para os vários envolvidos que envolveram-se em um tipo de produção diferente do que estavam acostumados. Estamos no que se pode chamar de "entressafra" de Hollywood, em que se preparam grandes produções para as férias de verão daqui a dois meses, e os bons independentes começar a se mexer para conseguir os fundos através dos vários festivais que existem lá. Para ninguém ficar parado, filmes assim mantém o público entretido, e os profissionais exercitando-se.

19 abril, 2008

Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights)




Um bom diretor consegue pegar uma história sem nada de mais, e transformá-la em uma bela peça. Um Beijo Roubado não tem nenhuma novidade. O roteiro não é essencialmente novo, a fotografia urbana, também não. Descrito, é um filme que poderia passar despercebido, sem chamar atenção. Ledo engano. A nova produção de Kar Wai Wong, o chinês que foi o primeiro do seu país a ganhar o prêmio de melhor diretor em Cannes, é excelente.

Como um imenso quebra-cabeça, tudo aqui se encaixa com perfeição. O clima do filme - cuja maior parte das cenas acontece de noite - é realçado pela leve granulação, e pelas interferências de cenas com absoluto silêncio e a câmera rodando em velocidade lenta. As cores fortes e vibrantes, o movimento, planos e contraplanos profundamente marcados pelo foco que nem sempre está onde usualmente se imagina, tudo é um espetáculo visual. A música melancólica é apenas a cobertura deste bastante recheado doce, que inclui um elenco de primeira.

É uma agradável surpresa vermos a cantora de jazz Norah Jones na tela. Não é a primeira artista do mundo da música a se aventurar na sétima arte, mas poucas vezes a personalidade musical se encaixou tão bem à personagem. A Elizabeth poderia tranquilamente tocar o mesmo jazz de Norah Jones. A sua atuação não é exemplar - nem poderia se esperar por isso - mas é suficientemente boa para não fazer feio a um time composto por Jude Law, Davie Strathairn, Rachel Weisz - esses dois em atuações soberbas - e Natalie Portman. Todos estão muito bem, como se tivessem nascido para os papéis. Rachel Weisz é um pequeno fenômeno, capaz de aparecer linda na tela, mesmo com cara de bêbada e cabelos desgrenhados.

Uma pena que não mantiveram o nome original na tradução. My Blueberry Nights contém um bocado da poesia do filme, e Um Beijo Roubado é quase um estraga-surpresas - só não o é porque já fica muito claro no próprio cartaz. Feito para o circuito alternativo, é uma produção que deveria ser mais valorizada, como o seu diretor. Cuidadoso, bonito e sensível, é daqueles filmes que nos fazem sair da sala extasiados pelo bom cinema.

12 abril, 2008

Um Plano Brilhante (Flawless)




Filmes de assalto precisam ser muito bem trabalhados, pois é um gênero em que os detalhes praticamente fazem a história. Filmes de assalto ambientados em épocas passadas, precisam de ainda mais cuidado. O indo-britânico Michael Radford sabe o que faz. Em seus poucos filmes, conseguiu emplacar alguns que marcaram justamente pelo cuidado. O Carteiro e o Poeta é possivelmente o mais conhecido filme italiano - ironicamente dirigido por Michael, que na sua mistura não tem a Itália. Recentemente o diretor voltou a marcar seu nome na sétima arte com O Mercador de Veneza, adaptação de uma peça shakespeareana.

Em Um Plano Brilhante, o roubo é só metade. Muito bem colocada na década de 60, a história do golpe na maior empresa de diamantes da Inglaterra mescla-se com a dos dois personagens principais: Laura Quinn, uma rara executiva mulher no ainda machista mundo dos negócios, e Mr. Hobbs, o faxineiro da empresa prestes a se aposentar. Os motivos que levarão os dois a se unirem para realizar o assalto é uma teia bem tecida que, como sempre, só se revela totalmente no final.

No papel de Hobbs, o veterano Michael Caine. Ele brilha em cena, com uma atuação que espanta pela simplicidade que só a experiência é capaz de trazer. Quando contracena com Demi Moore, há o desequilíbrio. Ela já foi uma grande promessa, e teve realmente alguns bons papéis. Mas foi um exemplo de fama que subiu e cegou. Ela se esforça, e chega a fazer boas cenas, mas teve o azar de topar com Caine em ótima forma, e também com Lambert Wilson que mostra uma boa performance. O papel de Lambert, logo após o assalto, acaba substiuindo o de Caine na relação com a executiva Quinn. Essa troca é um dos pontos fracos da história.

Um pouco de surpresa, um pouco de suspense, uma bela fotografia. Um fundo político que não fica muito bem explicado. A história envolve o suficiente para se quebrar a cabeça tentando decifrar o "como" - a grande charada de todos os filmes de assalto - que não é dos mais difíceis. Ao contrário do que o nome original diz, não chega a ser um filme sem falhas, e nem de longe é o melhor de Radford. Mas compensa o ingresso.

05 abril, 2008

Chega de Saudade




Quando Laís Bodansky lançou Bicho de Sete Cabeças, coincidentemente há sete anos, todos nos espantamos com a força da sua narrativa. Seja nos festivais em que amealhou prêmios pelo país, seja nas - infelizmente poucas - salas comerciais em que saiu, a história real do adolescente que fuma maconha e vai parar em um hospício mostrou ao Brasil uma diretora com um pulso e uma sensibilidade que há muito não se via no cinema brasileiro. Estamos desde então esperando por seu próximo filme, e agora finalmente temos Chega de Saudade. Bem diferente da sua produção anterior, esta é um retrato de uma noite em um salão de baile em São Paulo.

Esse mote quase simplório desdobra-se em inúmeras camadas, onde percebemos a profundidade que existe em qualquer microambiente. Bodansky nos apresenta, pouco a pouco, a todos os personagens típicos das chamadas gafieiras e, com bastante habilidade, nos dá os seus diferentes contextos. Cada pessoa ali tem a sua própria história, suas próprias paixões, e seus próprios motivos para estar no salão. Sem a necessidade de citá-los, a diretora nos mostra que é nas entrelinhas que os bons roteiros acontecem.

O olhar detalhista é o principal ponto de contato com Bicho de Sete Cabeças. No salão do baile, passeamos tanto por planos gerais quanto por closes inusitados, como as mãos nervosas da mulher ansiosa por ser tirada para dançar, no olhar saudoso de um veterano da pista, nos pés do casal que dança, na anacrônica mas sempre presente bola de espelhos. A gafieira é devassada e explicada pelos seus próprios frequentadores. Um excelente time de veteranos das telas diverte-se com a possibilidade de encarar tipos tão peculiares. A jovem Maria Flor baila junto aos veteranos, e talvez o único ponto baixo da fita seja a fraca presença de Paulo Vilhena, claramente destoando com sua atuação pobre.

Acima de tudo, Chega de Saudade é um filme divertido. Leve e engraçado, quase não deixa ver a beleza que permeia a produção. Sem piadas e sem gagues, é ainda assim um filme em que se ri muito. E, claro, há a trilha sonora, uma excelente mescla das mais tradicionais músicas dançantes brasileiras com nomes mais atuais, sempre fantasiada pela bandinha do baile. Enfim, um filme brasileiro que é capaz de prestar uma bela homenagem à nossa cultura, sem apelar para nossas mazelas, mas também sem fugir delas. E tudo isso embrulhado em uma deliciosa embalagem.