31 maio, 2008

A Quase Verdade (La Vérité ou Presque)




Encontros e desencontros amorosos estão no centro de qualquer comédia romântica, e um filme francês do gênero não seria diferente. Mas o tempero dado às situações, e a proximidade com que os personagens são tratados - sem contar o fator pitoresco do comportamento daquela cultura - torna A Quase Verdade delicioso. O nome original da fita, traduzido corretamente,
introduz melhor o que veremos na tela: A Verdade, ou Quase.

Os personagens possuem uma intensa e íntima relação amorosa. Entre casos, traições e casamentos, todos ali já tiveram ou terão algum envolvimento. Apesar disso, tudo é muito bem trabalhado e não há espaço para pieguiçe ou vulgaridade. Pelo contrário. Mesmo com as tintas quase realistas do cinema francês, tudo é tratado com naturalidade, como de fato deve ser. O elenco principal é todo muito bom, apesar dos rostos desconhecidos para a grande maioria, assim como o diretor - que atua também.

É dele o mérito de unir a bela paisagem lyonesa - já aí fugindo do lugar-comum parisiense - a uma trilha sonora excelente composta de belíssimo jazz. Sam Karmann, o diretor, diz que a música deve ser tratada em um filme como um ator indispensável. E é exatamente isso que ele faz aqui. Parte da história gira em torno da cantora de jazz Pauline Anderton, que nasceu em Lyon e teria morrido em um acidente nos anos 70.

É fácil deixar-se levar pelas ruas da cidade e acompanhar os personagens, ao som da bela música. O título do filme ganha novos significados a cada descoberta que os personagens nos apresentam, o que o torna ainda melhor. Agora que entramos no primeiro pedaço do ano com superproduções norte-americanas, é uma opção para quem quer um filme leve e divertido, capaz de mostrar que uma boa história e uma boa mão de cineasta são suficientes para aqueles minutos na poltrona valerem a pena.

30 maio, 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull)




Em 1981, George Lucas ofereceu ao amigo Steven Spielberg um roteiro que, lido da forma errada, poderia ser o prenúncio de um fiasco: um professor de arqueologia aventureiro em busca da lendária Arca da Aliança, que guardaria as Tábuas da Lei de Moisés. Some-se a isso o protagonista ser escolhido entre o elenco original do ainda novo Star Wars, um ator pouco experiente, e nada nos levaria a crer que aquele primeiro filme se tornaria uma das maiores franquias de aventura de todos os tempos. Agora, em que estão em moda as sequências de filmes antigos, com os protagonistas já bem mais velhos, por que não trazer de volta Indiana Jones? Justiça seja feita, o assunto desta produção em particular está em pauta há mais de uma década - portanto não é tão correto dizer que O Reino da Caveira de Cristal pegou carona na moda.

Os ingredientes básicos - o roteiro pouco factível escrito por Lucas e dirigido por Spielberg - são os mesmos. O resultado, também. O filme é aventura do início ao fim, ao melhor estilo do personagem. Da cena inicial com algo simulando o formato do monte que é a logo da Paramount, às viagens marcadas no mapa, tudo aqui é o velho e bom Indiana Jones. E, por favor, não pensem "mais velho que bom". Botem a fita na sequência dos três anteriores, e temos um bom conjunto.

Harrison Ford impressiona com seu Jones sessentão, mas ainda em excelente forma. É como se ele nunca tivesse saído do personagem. Dos velhos tempos, além dele, apenas Karen Allen, que esteve no primeiro. Pouco vista, ela está também tão boa como Marion quanto em Caçadores da Arca Perdida. As novidades se encaixam bem, com Shia LaBeouf - a bola da vez em Hollywood - no papel do jovem que convence Jones a ir em busca e um velho amigo, e com a sempre ótima Cate Blanchett como a vilã. Ela tem a vantagem de conseguir adaptar-se bem à maquiagem, em nada lembrando outros personagens que já viveu. Spielberg não é exatamente um excelente diretor de atores, mas, veterano que é, sabe extrair boas performances dos seus artistas. Falando em veteranos, John Hurt no papel do velho amigo de Jones merece destaque.

É injusto dizer que a história deste não se compara a dos outros - e especialmente quando se diz que ela "viaja" demais. Afinal, Indiana Jones é exatamente isso, uma aventura com largas bases em coisas fantásticas e incríveis, e mais aquele tempero que outros do gênero nunca conseguiram copiar. Apenas uma pergunta fica: se Henry Jones Pai, no terceiro filme, bebeu do cálice sagrado, ele não deveria ser imortal? Poderiam ter arrumado um outro argumento para ele não aparecer neste.

17 maio, 2008

Speed Racer (Speed Racer)



Em 1999, os Irmãos Wachowski chamaram a atenção do mundo do cinema com Matrix. Unindo um filme de ação com efeitos especiais inovadores, e contando uma história com referências que iam da filosofia a religiões apócrifas, com elementos da literatura, quadrinhos e desenhos animados, Matrix possuia um conteúdo profundo, que foi amplamente discutido depois do seu lançamento. Realmente excelente, foi um acerto e tanto para os novatos irmãos roteiristas e diretores. De lá para cá, vários tropeços. A começar pela péssima atitude de criar uma franquia do seu sucesso. Ao matrix seguiram-se uma série de animações - esta ainda muito boa - e duas continuações - muito, muito forçadas. Reduziram uma história profunda a efeitos especiais em Matrix Reloaded e Revolutions. Depois, voltando-se para uma de suas referências, filmaram V de Vingança, baseado numa história em quadrinhos cult de Alan Moore. Quem conhecia os quadrinhos decepcionou-se, com uma história totalmente desvirtuada - no sentido mais radical da palavra, perda de virtude mesmo. Diálogos forçados, efeitos especiais, e nada do sentido dos quadrinhos. Agora, novamente os irmãos utilizam uma de suas referências, os desenhos animados japoneses, em Speed Racer.

O desenho japonês - surgido de um mangá - fez sucesso no mundo na década de 70, mais lá fora do que aqui, e ganhou várias versões. Os Wachowski basearam seu longa no mote original, da família de construtores de automóveis independente que luta contra as megacorporações que
dominam o mundo das corridas. Eles trabalharam muito bem o pouco tempo que tem para as origens, em flashbacks de praticamente cada um dos personagens. Não a solução mais criativa, mas funcionou bem. Os irmãos podem ter derrapado depois de Matrix, mas eles sempre filmaram bem. Speed Racer abusa do visual, criando uma festa de cores e movimento, pouco recomendado para pessoas com tendência a ataques epilépticos - como aliás o são alguns desenhos japoneses. As referências estão lá também, e inclusive nos dão uma dica do que pode ser a próxima tentativa dos irmãos. A roupa e a aparência de Pops Racer enquanto eles constroem o Mach 6 lembra muito o Mario da Nintendo, um dos mais conhecidos personagens de videogames.

O bom elenco leva bem a fita. Emile Hirsh em nada lembra o jovem avent
ureiro de Na Natureza Selvagem, mostrando um bom potencial para papéis diversos. John Goodman e Susan Sarandon estão ótimos como os pais de Racer, e o pequeno irmão é bem utilizado na comicidade idêntica à do desenho. E, claro, o chimpanzé chama bastante atenção, em tomadas muito bem feitas. Christina Ricci, como a namorada de Racer, sobresai-se em diversas cenas, atriz mais bem preparada que é, mas mantém-se em seu posto de coadjuvante.

Não podemos dizer ainda que é a volta por cima dos Wachowski. Vencer o impacto causado por Matrix - e praticamente desfeito pelas terríveis continuações - não é fácil. Aqui eles ao menos conseguiram manter o nível da história compatível com diferentes públicos, e divertir na medida certa. A velocidade das cenas de corrida - totalmente feitas em computador - em que, mesmo sem conseguir acompanhar de fato o que acontece, ficamos atentos e aflitos, é uma boa amostra de que eles acertaram alguns ponteiros, e estão dispostos a voltar a impressionar.

11 maio, 2008

Banquete do Amor (Feast of Love)




O amor é quase tão interessante de ser visto quanto o é ser vivido. É basicamente este o argumento de Banquete do Amor. Tudo leva a crer que será mais uma daquelas comédias românticas bobinhas: o nome - um raro caso de tradução literal e correta, o cartaz, o trailer. Mas o desenrolar da história mostra que há algo de diferente. A história - do autor Charles Baxter - lembra algo do Sonhos de uma Noite de Verão de Shakespeare, guardadas as devidas proporções. Os personagens são simpáticos demais para se aproximar muito do bardo.

Mesmo assim, há um certo destaque entre outros filmes do gênero. Um certo abuso da proximidade dos personagens, algumas tomadas ousadas - há duas cenas de nudez frontal e um romance lésbico, todos bem utilizados. O diretor Robert Benton, um tanto desconhecido mas com boas peças no seu currículo, consegue fazer o filme caminhar muito bem, apesar dos vários personagens.

A história é contada e mostrada por um quase aposentado professor universitário, interpretado pelo sempre excelente Morgan Freeman. Freeman é o ator a se chamar quando não se sabe se o resto do filme dará certo. Ele é capaz de segurar uma produção sozinho, mesmo que não seja esse o caso aqui. Ele é o observador, aquele que sabe os destinos que serão unidos ou separados pelo misterioso sentimento. Seu principal interlocutor é o quarentão Greg Kinnear, também responsável por muitas das tomadas cômicas da fita. Com ele, um time competente, que inclui Radha Mitchell e a jovem Alexa Davalos, mostrando talento. A pequena participação de Selma Blair também merece atenção.

O filme te conquista aos poucos, mostrando seus personagens e desenvolvendo vários ótimos diálogos. Não chega a decolar - apesar de um certo susto no final - mas também não deixa a bola cair. Ao abusar de um jeito de filmar um pouco mais próximo do que as produções norte-americanas costumam fazer, Benton flerta com os dramas europeus - mas bem de longe, do outro lado do salão e por cima do cardápio. Sem pretensões, é bom o suficiente para divertir casais em dias de chuva.

04 maio, 2008

Estômago




A exemplo de Não Por Acaso, Estômago é uma agradável surpresa do cinema brasileiro. Uma história que consegue reunir humor com inteligência, utilizando um tópico pouco comum sobre um mais do que batido. A história do nordestino Raimundo Nonato tentando a vida na cidade grande - que, como em Não Por Acaso não é identificada - poderia ser mais uma tentativa de explorar as mazelas brasileiras. O fato dele ser um exímio cozinheiro, e desse ser o mote central, muda tudo.

O diretor Marcos Jorge estreia em longa-metragem muito bem. Explorando o roteiro, e o tempo, com as mãos de quem sempre teve que espremer os filmes - até hoje só tinha dirigido curtas - ele faz a história avançar e voltar, mostrando o ontem e o hoje do cozinheiro, e, pouco a pouco, como ele chegou lá. Das coxinhas que tornaram um buteco pé-de-chinelo a sensação do bairro à cela de cadeia. Sempre focando o personagem, nunca o contexto.

O personagem principal é interpretado pelo atual queridinho do cinema brasileiro, João Miguel. Ainda preso no contexto do homem do nordeste, ele sabe desafiar seu personagem a ser não mais um retirante, mas alguém que descobriu, meio sem querer, um jeito de se sobressair. Sua boa atuação não é uma surpresa. Isso fica por conta de Fabiula Nascimento. A atriz fez uma excelente composição da mulher que é a namorada mais perfeita que um bom cozinheiro pode querer: gordinha, sexy e boa de garfo. A cena em que eles satisfazem, cada um, seus prazeres, poderia ser um exagero desnecessário, mas é tratado com o humor que permeia todo o filme. O elenco de apoio também ajuda - incluindo a participação especial de Paulo Miklos.

Enquanto alguns ainda acham que o cinema - especialmente o brasileiro - tem que ser um veículo de crítica social, outros aproveitam as boas histórias que podem ser contadas. Estômago não vai te fazer pensar sobre o problema dos pobres migrantes no Brasil, nem sobre a prostituição, nem sobre a intrincada teia de poderes internos das cadeias, nem mesmo sobre gastronomia. Vai te divertir com um humor inteligente que há muito não se via numa produção nacional.

03 maio, 2008

Homem de Ferro (Iron Man)




O Homem de Ferro é um dos mais antigos heróis da Marvel, e também um dos mais interessantes. Ao contrário da maioria dos outros, o seu alter-ego Tony Stark é um milionário egocêntrico, mulherengo e cínico. Mas também genial. E parece que, conforme o tempo passa, o cinema decide redescobrir seus antigos heróis para as novas gerações. Um pouco perdido hoje entre tantos personagens nos quadrinhos, o Homem de Ferro, e a Marvel, escolheu o momento certo para seu debut nas telonas.

E não só isso. Todas as escolhas parecem ter sido bem tomadas. O diretor foi uma aposta que deu certo. Jon Favreau é, na verdade, um ator, acostumado a papéis secundários - ele inclusive faz uma ponta neste também. Favreau mostra familiaridade com o personagem, explorando da forma certa a nova origem, e incorporando as novas informações, ajudado por um bom time de roteiristas - alguns inclusive roteiristas dos quadrinhos também. A história do herói improvável que nasce no cativeiro de guerra - originamente no Vietnã, aqui no Afeganistão.

O elenco é provavelmente o melhor de todos os filmes de heróis dos quadrinhos. No papel principal nada menos do que Robert Downey Jr. Deixando de lado a sua sempre polêmica vida, Downey Jr. é um excelente ator, e empresa a Tony Stark todos os traços de personalidade certos. Contracenando com ele, nomes como Jeff Bridges - uma boa surpresa como o vilão Obadiah, Gwyneth Paltrow como a governanta Pepper Potts, e Terrence Howard como o amigo militar Jim Rodhes. Todos estão muito bem.

Um ponto interessante da história original do Homem de Ferro é a sua clara semelhança com outro famoso milionário brilhante que se torna herói. Tony Stark foi a resposta da Marvel ao sucesso de Batman, e os dois guardam muita coisa em comum. Além de serem "normais" - heróis sem poderes, mas com apetrechos - eles têm personagens parecidos à sua volta. Pepper Potts é a versão feminina de Alfred, e Jim Rodhes é uma mistura de Lucius Fox com Comissário Gordon. Em breve teremos mais uma aventura do homem-morcego nas telas, para comprovarmos essas semelhanças.

Como toda primeiro filme de herói, este tem talvez menos ação do que alguns gostariam. Mas o tempo gasto com a explicação das origens é muito bem trabalhado. Nos quadrinhos, este crítico sempre preferiu o estilo e os personagens da DC. Mas é preciso admitir que, no cinema, a Marvel tomou a frente. Com mais personagens para trabalhar, pôde se dar ao luxo de alguns erros - como Ghost Rider - para aprender e levar agora suas lendas mais antigas para as salas de exibição. Estão programadas para 2009 as estréias de outros clássicos da Marvel, o Capitão América e Thor. Quem conhece um pouco do universo Marvel sabe que pensar nesses dois com o Homem de Ferro significa que em breve teremos um filme dos Vingadores. Duvida? Uma dica: ao assistir Homem de Ferro, fique na sala até o final da projeção - sim, tem surpresa depois dos créditos.

01 maio, 2008

O Sonho de Cassandra (Cassandra's Dream)




O novo filme de Woody Allen, assim como o último, Scoop, tem um gostinho do bom e velho diretor novaiorquino. Seja na abertura à moda antiga, com os créditos no começo e o jazz no fundo, seja no próprio tema. É quase impossível, para qualquer um que conhece um pouco mais o seu trabalho, não lembrar de Crimes e Pecados, de 1989. A forma como as sutilezas das fraquezas humanas é trabalhada é praticamente a mesma.

Allen filma bem, com a mão de quem já está próximo de completar 50 peças, quase todas muito boas. Novamente, ele escolhe cenários e ângulos que fazem Londres parecer a sua Nova York. E escolhe trabalhar com a classe menos favorecida. A história dos dois irmãos que lutam para sair do círculo vicioso da classe social, e vêem no tio rico uma chance de, afinal, saltarem para seus sonhos, não é exatamente nova. Mas a maneira como é tratada, sim. Allen, conhecido por suas comédias inteligentes, é também um excelente crítico da alma humana. O Sonho de Cassandra tem um quê shakespeariano na forma como os irmãos enfrentam a situação.

É nos irmãos, também, que está o melhor da fita. As diferenças bastante marcantes entre as duas personalidades, mostradas com maestria por Ewan McGregor e Colin Farrel, utilizam quase tudo que se pode fazer em uma caracterização. Dos trejeitos às roupas, do corte de cabelo à maneira de falar, da postura aos sorrisos, em nenhum momento temos dúvidas de que as reações estão totalmente de acordo com os personagens. Aliás, nenhuma atuação está fora da linha, incluindo o tio Tom Wilkinson, com especial atenção para os pais, quase naturais nos papéis.

Em seus últimos filmes, Allen parece ter se dedicado a obter performances excelentes de seus atores - e o tem conseguido. As histórias são sempre boas, mas não chegam a surpreender como alguns dos seus filmes mais antigos. Este, por exemplo, não chega a atingir a profundidade de Crimes e Pecados, apesar de ter ótimos diálogos. Mas, depois de alguns anos com peças apenas boas, é um prazer ver Woody Allen recuperando a forma.