26 dezembro, 2008

Marley & Eu (Marley & Me)




Em 2005, as memórias de um jornalista e sua família com seu cão labrador tornou-se um improvável sucesso editorial. Milhões de livros vendidos, muitos outros copiados - podemos arriscar dizer que "memórias com cachorros" está para se tornar um estilo de literatura - era quase inevitável que virasse filme. Para guiar a produção, ninguém melhor que o diretor responsável por um dos últimos filmes baseados em memórias que fez sucesso, David Frankel, de O Diabo Veste Prada.

Marley & Eu mistura pedaços da narrativa do livro com a interpretação dos atores - a propósito, Owen Wilson, tentando controlar sua veia cômica nesta comédia, e Jennifer Aniston, tentando ser lembrada em Hollywood. É uma fórmula antiga e funcional. A melhor interpreação, do cão Marley - na verdade, dos 22 caninos que ganharam o papel em suas várias fases e truques - mostra que é o típico filme leve e passatempo, como o livro. O único susto é a presença de uma inacreditavelmente gorda Kathleen Turner numa participação especial.

O número alto de cópias dubladas - algumas cidades nem mesmo receberam a versão original com legendas - também é sintomática de uma produção feita sob medida para a família nos festejos de final de ano. Divertido sem ser extremamente engraçado, agrada na medida para quem não quer nenhum compromisso, nem mesmo intelectual, nesta época. E parece ter saído na hora certa, a julgar pelos números de bilheteria.

14 dezembro, 2008

A Lista (Deception)




Antigamente os cineastas eram formados ou pelas escolas de cinema, ou pelo aprendizado com os pais, muitas vezes por ambos. Recentemente, temos uma nova geração de diretores e roteiristas vindos dos videoclipes ou dos comerciais de TV. Marcel Langenneger é um premiado diretor de comerciais, agraciado com o Leão de Ouro em Cannes, que estréia na sétima arte, talvez em busca da Palma. Bem, se é esse o objetivo, ainda há um longo caminho a ser percorrido.

A Lista, filme de estréia de Langenneger, é um suspense típico, daqueles em que as informações são dadas aos poucos e algumas guardadas para o grand finale. Conta com dois nomes de peso no elenco, Ewan McGregor e Hugh Jackman, e alguns outros bons nomes em pontas estratégicas. As atuações estão boas, mas nada especial. Tecnicamente, não há novidades nem algo notável - o que não é muito bom para um novato.

Mas o engano maior do novo diretor está no roteiro. Fraco, previsível e com alguns furos imperdoáveis. Três adjetivos que não poderiam jamais estar em um suspense, ainda mais juntos. De autoria de Mark Bomback - responsável também pelo último Duro de Matar - o argumento é interessante e poderia levar a um filme idem. Mas os personagens são lineares, as reviravoltas não surpreendem como deveriam e, absurdo dos absurdos, o final é péssimo. É, Marcel, boa sorte com seu próximo filme. Para voltar a Cannes, você vai precisar.

07 dezembro, 2008

Rebobine, Por Favor (Be Kind Rewind)




Os cinéfilos – e os fãs mais atentos de Michael Gondry – esperaram ansiosamente por este filme. Com atraso de 10 meses, finalmente chega ao Brasil Rebobine, Por Favor – Be Kind Rewind no original. Michael Gondry divide com Spike Jonze o privilégio da parceria com o roteirista Charlie Kaufmann. Seus filmes juntos incluem Human Nature e o excelente Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Além de Kaufmann, Gondry e Jonze dividem a origem, nos videoclipes, e a propensão para o estranho e inusitado.

Neste, o diretor francês muda levemente de estilo. Apenas uma cena na trama do acidente que apaga todas as fitas de uma videolocadora – que em pleno século XXI ainda usa as velhas VHS – remete ao esquisito comum de Gondry. A trama, de um humor afiadíssimo apesar de pastelão, foca-se inicialmente nos dois amigos que, na tentativa de salvar a locadora, resolvem refilmar todos as fitas destruídas eles mesmos. Esse mote foi acompanhado de uma interessantíssima campanha publicitária, que incluía acidentalmente apagar a internet e refazê-la “à mão”, e locadoras falsas do filme onde você podia fazer a sua própria versão “suecada” de um filme famoso.

O elenco, de nomes de segunda linha, tem Jack Black e Mos Def nos papéis principais. Black contém seu natural exagero cômico no papel do dono de ferro-velho, apenas para liberá-lo totalmente quando atua nos filmes suecados. Mos Def é um nome um pouco menos conhecido, mas empenha-se em fazer um bom papel. Eles são acompanhados por Danny Glover em uma atuação confortável como o dono da locadora. Apesar de não ter atuações memoráveis, todos funcionaram muito bem para os objetivos de Gondry.

O valor do filme é, sem dúvida, a habilidade de disfarçar uma comédia pastelão como um filme de arte. Não entendam isso como uma crítica negativa, pelo contrário. As várias cenas cômicas são ótimas, mas muitas vezes é preciso uma boa cultura e memória cinematográfica para relacionar as toscas refilmagens com os originais – que vão de Conduzindo Miss Daisy a Homens de Preto, passando por 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Com o atraso com que chegou, os mais interessados já tiveram a oportunidade de ver todos os suecados no site do filme. Mas ainda assim vale a ida ao cinema, se você tiver a sorte de estar em uma das infelizmente restritas praças de distribuição.

06 dezembro, 2008

Rede de Mentiras (Body of Lies)




A Guerra do Iraque não teve a força da do Vietnam de ficar na cabeça da população, como uma cicatriz muito aparente, mas também incomoda. Rede de Mentiras não usa uma história real, mas é bastante claro nas suas analogias, apesar de também passar de forma eficiente a ideologia norte-americana. E também a metodologia, que não poupa mentiras e trapaças aos seus próprios agentes em nome do "bem maior".

Ridley Scott acertou a mão. Ele teve seus momentos de muitas críticas com produções como Cruzada, mas vêm agora numa sequência muito boa, desde Um Bom Ano. Deve ter algo a ver com Russel Crowe, pela terceira vez seguida em um filme de Scott, completando a quarta desde a primeira parceria no memorável Gladiador. Scott vale-se muito bem da história, ainda viva, da invasão do Iraque e de tudo que está envolvido nisso. Abusa, no bom sentido, da fotografia árida, contrastando com o mundo de aparências do território norte-americano.

Crowe, desta vez, não faz o papel principal. Ele é um burocrata, que comanda a guerra de longe, pelo celular, enquanto leva seus filhos para a escola - nesse caso, literalmente. Ligeiramente gordo e totalmente cínico, o neozelandês atua com primazia. Mas o rosto da vez é Leonadro DiCaprio. Como já muito provado, DiCaprio é o tipo de ator que melhora muito sob a batuta de um bom diretor. Aqui ele está ótimo, numa performance que cheira a indicação ao Oscar - mas que não deve levar se realmente indicarem Heath Ledger. DiCaprio avança para uma atuação mais madura, aproveitando que a barba do personagem disfarça seu eterno rosto de criança. Mas há ainda outra atuação que merece destaque. Mark Strong esteve em pontas em diversos filmes conhecidos recentes. Aqui, em um papel mais importante, ele conquista seus momentos na tela.

Antigamente, um filme com esse mote teria pretensões épicas em todas as suas quase três horas de duração - do jeito que Scott gosta. Mas foram inteligentes o suficiente para mantê-lo na casa dos 120 minutos, e aproveitá-los como se deve. Entre a ação, a tentativa de romance, o suspense e a guerra, os pedaços se juntam com bastante afinidade, fluindo na velocidade certa para ser bom sem cansar.

05 dezembro, 2008

Cashback (Cashback)




Em 2004, Sean Ellis lançou o curta-metragem Cashback, que contava a história de um estudante de arte que trabalhava de madrugada em um supermercado, e para passar as longas horas da noite, ele fazia o contrário do que se imagina, e parava o tempo. O curta ganhou vários prêmios, e foi indicado ao Oscar. Chamou tanta atenção que virou uma espécie de cult na internet - claro que as cenas de mulheres nuas ajudaram nesse aspecto. Em 2006, Ellis transformou o aclamado curta em longa, preenchendo os espaços antes e depois do original - que é integralmente utilizado como recheio.

O sucesso do curta de Ellis não foi apenas por conta das mulheres nuas. Seu jeito de filmar é muito bom, e o roteiro, cheio de referências filosóficas em uma simples dor-de-cotovelo pelo término de uma relação, é muito bem construído. Transformá-lo em longa deu a ele a chance de ampliar o sucesso e atingir mais pessoas, fazendo dele a nova aposta indie inglesa.

Como o longa aproveita o curta, o elenco é também o mesmo, adicionado de alguns outros coadjuvantes no preencher da história. Não são rostos muitos conhecidos, mas são bons atores. Sean Biggerstaff, o proagonista, chegou a participar dos dois primeiros Harry Potter. Seu Ben Willis, o artista trocado pela namorada, é bastante real. Emilia Fox já foi vista também em algumas outras produções. Sua participação aumenta durante o filme, e sua atuação acompanha sua participação. No começo, ela não se esforça muito no papel da entediada caixa de supermercado, mas no final, já mais solta, temos o vislumbre de uma boa atriz. Os papéis cômicos dos demais parece feito à altura dos atores. Todos se divertem com suas performances.

Cashback é um filme muito bom, como o curta também. Mas um erro de Ellis nessa transição foi ampliar suas próprias expectativas. O longa é levemente pretensioso - afinal, ele teve que alongar o discurso filosófico. Há alguns pequenos enganos, mas há também grandes acertos, e o resultado final é bastante positivo. Trazido com bastante atraso ao Brasil, por uma distribuidora alternativa, é um filme que infelizmente não vai escapar para o circuito comercial, onde poderia angariar alguns espectadores. Se tiver a oportunidade, é recomendado, até para guardarmos o nome de Ellis, que pode nos trazer boas novidades no futuro.