28 fevereiro, 2009

O Lutador (The Wrestler)




Algumas vezes a experiência do cinema resulta em uma produção que vai ecoar por muito tempo, seja por uma técnica inovadora, seja por uma força narrativa, poucas vezes pela presença de um artista. O Lutador se insere nessa categoria, especialmente pelas duas últimas características. Feito com todos os ingredientes de um filme independente, alcançou patamares artísticos e comerciais impressionantes, especialmente para um filme se "apenas" 7 milhões de dólares e filmado em 35 dias.

O que mais se fala do filme é da excelente atuação de Mickey Rourke. É verdade, ele está ótimo no papel. Está tão bom que, muitas vezes durante o filme, pensamos que ele não está tão bem assim, parece que nem está atuando. E essa é a qualidade que ele alcança, parece que nem está atuando. Rourke é um talento desperdiçado de Hoolywood, mas desperdiçado por ele mesmo. Dono de algumas aparições memoráveis na telona, como o papel do bandido em Corpos Ardentes, ficou mais conhecido por filmes de alto teor erótico como Nove e Meia Semanas de Amor e Orquídea Selvagem, e por suas confusões fora da tela, incluindo uma tentativa de lutar boxe profissionalmente - que lhe rendeu uma parte das plásticas que acabaram deformando seu rosto. E muito se fala do retorno de Rourke ao cinema, o que não é verdade. Ele filma todo ano, e participou recentemente do inigualável Sin City em 2005. Ele só escolheu um bom roteiro para estar - dizem que ele recusou papéis em filmes como Os Intocáveis, Rain Man e Pulp Fiction. O que ele de fato faz em O Lutador é mostrar o quanto sabe atuar. Outros bons papéis, como o de Marisa Tomei, acabam não chamando atenção.

Mas o mérito talvez seja também de Darren Aronfosky. Diretor de filmes intimistas e estranhos, como o excelente Pi, Requiem Para um Sonho e Fonte da Vida - e com isso listamos toda a carreira de longa-metragens dele - Aronfosky sabe como ir fundo em um roteiro e tirar o melhor dele. Em O Lutador, optou por uma estética "suja", filmando com uma câmera digital de qualidade média e praticamente sem recursos, para nos colocar quase na pele de Randy.

Funciona, e muito bem. É incomum um filme como esse ser indicado a um prêmio tão comercial quanto o Oscar, o que mostra a qualidade cinematográfica que se alcançou aqui. Do cenário aos diálogos, da iluminação propositadamente ruim à movimentação nervosa da câmera, O Lutador é Cinema com maiúscula, do tipo que não se costuma ver por aí com facilidade. Imperdível.

23 fevereiro, 2009

Ninho Vazio (El Nido Vacío)




Nossos hermanos da Argentina fazem bom cinema, isso já é sabido. É uma pena que não muitas produções argentinas cheguem a nós, motivo pelo qual vale conferir Ninho Vazio, na sala alternativa mais perto de você. É interessante notar a estética diferente, a narração típica e mesmo a fotografia puxando bastante do cinema europeu. Aliás, como é colocado pelo senso comum, os argentinos adoram se sentir europeus, e se no cinema isso não é necessariamente verdade, neste filme é. Das paisagens às tomadas, e às vezes também na forma como colocam os diálogos, por pouco não somos enganados. Só a trilha sonora, alternando entre o jazz norte-americano e a bossa - sim, a nossa bossa - remonta ao clima do reino do Prata.

O diretor, Daniel Burman, gosta de dramas familiares. Seus dois últimos filmes, Direitos de Família e Abraço Partido, tratam desse tema, e especificamente relacionado ao pai. Ninho Vazio segue a mesma tendência, acompanhando um pai depois que seus filhos deixaram o lar. No papel principal, Oscar Martínez, um dos mais conhecidos atores argentinos, em uma atuação muito boa. Como seu par, Cecilia Roth é aquela atriz que temos a sensação de já ter visto antes. Estamos certos, ela protagonizou Tudo Sobre Minha Mãe, de Almodovar. O estilo argentino de drama é bastante realista, com cenas em que às vezes todos falam ao mesmo tempo e não se percebe um diálogo propriamente dito, e outros com longos silêncios. A trama, muito centrada em um único personagem, parece correr solta, mas é na verdade uma ótima armadilha de Burman.

Para quem gosta mesmo de cinema, uma visita à filmes como este são essenciais. Além de nos impactarem com as diferenças esticas, também nos apresentam uma sétima arte muito boa, nossa vizinha, e a quem não damos muita atenção. Eles produzem mais que nós, e a mais tempo, mas com mais ou menos o mesmo dinheiro. E, mesmo em filmes aparentemente simples como este, podemos perceber que há um caminho a ser trilhado por nós. Pelo menos no cinema, vamos esquecer a eterna rixa brasileiro-argentino - rixa que, aliás, para eles se resume ao futebol.

22 fevereiro, 2009

Coraline e o Mundo Secreto (Coraline)




O cinema parece estar finalmente descobrindo a qualidade do texto dos bons escritores de quadrinhos - algo que os amantes da nona arte já sabiam há tempos. E com isso teremos uma boa leva de filmes baseados nas histórias e personagens de Frank Miller, Alan Moore e Neil Gaiman, para ficar apenas nos melhores. Coraline é baseado em uma obra deste último e, assim como Stardust, não em um dos seus quadrinhos, mas em um dos seus livros.

A adaptação coube a Henry Selick, que roteirizou e dirigiu a fita, filmando na sua preferência pessoal, a animação em stop motion. Como em O Estranho Mundo de Jack, é uma pequena obra prima deste estilo pouco comum de animar, especialmente depois do computador. Que me perdoe a ótima equipe da Aardman Animation - que fez Fuga das Galinhas e Wallace & Gromit - mas a qualidade do stop motion de Selick é espantosa, e só foi igualada até hoje por seu antigo parceiro Tim Burton em A Noiva Cadáver. O segredo, por assim dizer, não podia ser mais óbvio: Selick atém-se aos detalhes como se fosse um filme "normal", e faz tudo na miniatura dos seus bonecos, incluindo iluminação. O resultado é primoroso.

É uma pena que as distribuidoras brasileiras não tenham percebido que Coraline não é exatamente para crianças. E essa parece ser a sina de Selick no Brasil. O extravagante mas ótimo Monkey Bone também sofreu do mesmo mal, e ambos vieram para o Brasil apenas em cópias dubladas. Pelo menos deixaram que viesse também em 3D - é o primeiro filme em stop motion feito originalmente em 3D - calma, não é a animação por computador, mas sim o tipo de filme que dá a sensação de profundidade quando assistido em salas e com óculos especiais. Mas a dublagem - por melhor que seja - nos impede de ter as vozes de Dakota Fanning, possivelmente a melhor atriz mirim de todos os tempos, além de outros bons artistas nas vozes originais.

E quando eu digo que Coraline não é só para crianças, talvez devesse dizer que, na verdade, é até pouco apropriado para as muito pequenas, dado o clima sinistro do filme - poderia facilmente ser uma obra de Burton. Mesmo assim, com algumas crianças que sairão assustadas das salas, é um ótimo filme, que certamente vale o ingresso.

20 fevereiro, 2009

Operação Valquíria (Valkyrie)




O terceiro dos filmes retratando a Segunda Guerra a partir do lado dos alemães, Operação Valquíria já é comentado entre os cinéfilos há tempos. Anunciado há cerca de três anos, postergado várias vezes, alguns poderiam esperar que fosse uma jogada de marketing para aumentar a expectativa. Só podemos esperar que não, pois, apesar de muito bom, não cumpriria a campanha, se for o caso.

Quando se ouve que um filme como Operação Valquíria vai ser filmado, tendemos a imaginar um certo tipo de diretor, e normalmente o nome que nos vem à cabeça não é algo como Bryan Singer. Associado aos blockbusters que já dirigiu, como X-Men e Superman Returns, é um engano comum não lembrar dele. Mas o mesmo Bryan Singer dirigiu o excepcional Os Suspeitos e o ótimo O Aprendiz, este especialmente relacionado ao tema. E Singer consegue ambientar muito bem a produção, conseguindo um bom clima de tensão e uma fotografia notável, mostrando que deve sim ser lembrado para filmes que não são de super-heróis.

Ele compôs um elenco irregular, que une grandes talentos como Tom Wilkinson e Kenneth Branagh aos apenas eficientes Billy Nighy e Tom Cruise. Cruise, como bom astro-galã, usa e abusa dos closes e esforça-se para fazer um bom papel. Consegue, mas é sobrepujado facilmente por Wilkinson e Branagh, mesmo nas poucas vezes em que aparecem. Mas esta produção é mais focada na história em si que nas atuações.

E a história envolve o suficiente para nos mantermos atentos até o final, mesmo que a maioria saiba como tudo vai terminar. Como a Segunda Guerra e as suas atrocidades serão permanentes temas para todo tipo de produção artística, a sequência formada por Um Homem Bom, O Menino do Pijama Listrado e este Operação Valquíria tem a seu favor o fato de nos trazer um pouco de alívio ao saber que, afinal, havia mesmo na Alemanha pessoas que não concordavam com a loucura genocida de Hitler.

15 fevereiro, 2009

O Leitor (The Reader)




Mais um filme ambientado na Alemanha, e também evocando a Segunda Guerra Mundial, O Leitor é daqueles filmes imperdíveis. Não apenas a história é muito bonita e bem contada, mas há aqui aquele cuidado típico dos diretores que gostam de aliar uma produção primorosa com o bom roteiro. Stephen Daldry não filmou muito, mas imprimiu esse cuidado a tudo que já fez. São seus o tocante Billy Elliot e o profundo As Horas, o que já o coloca em um time restrito de cineastas.

Mas em O Leitor ele alcança um degrau a mais. Ainda que pequena, a diferença artística entre estes e seus anteriores é notável. Não é simples conseguir isso em uma fita centrada basicamente na relação entre dois personagens, sem deixar com que fique piegas ou romantinesco. Mas Daldry, em nenhum momento, afasta-se do objetivo, cuidando de detalhes como a iluminação e as cores para que tudo seja parte do contar a história.

E ele também tira boas performances dos seus atores. Dizem que é a melhor atuação de Kate Winslet, a atriz inglesa que merece muito mais atenção. Pode não ser o melhor, mas a presença de Kate na tela é grandiosa como pouco se vê. Uma pena que a maquiagem que deveria mostrá-la idosa no final não foi mais bem trabalhada - temos agora Benjamin Button como referência eterna para a arte de envelhecer artistas. Ela é acompanhada de perto por Ralph Fiennes, também inglês, mas do tipo que sabe controlar a sua participação em uma atuação mais, por assim dizer, aristocrática. Vale notar o jovem que faz o papel de Fiennes quando jovem, David Kross. Ainda há algum caminho a trilhar, mas ele já mostra talento.

Não é um filme agitado, nem daqueles que te deixam extasiados. E talvez seja essa uma das grandes qualidades, a de conseguir tanto com tão pouco, porque você sai da sala definitivamente satisfeito. Não assistir O Leitor é perder um grande filme.

14 fevereiro, 2009

Rumba (Rumba)




Rumba é daqueles filmes capazes de deixar algumas pessoas perplexas no cinema – e muitas bastante enraivecidas. Mas não por ser ruim, e sim pela coragem que há na sua própria existência. Feito com todos os itens de um filme atual - incluindo alguns efeitos especiais - ele poderia, entretanto, ter sido feito tranquilamente no início do século XX, no próprio nascimento do cinema. Quase sem diálogos e quase sem movimentos de câmera, Rumba é uma comédia que desafia a estética atual.

Escrito, dirigido e estrelado pelo casal Dominique Abel e Fiona Gordon – que inclusive usam seus próprios nomes – com todas as cores vibrantes que o nome do filme sugere, eles usam e abusam das claques e acontecimentos que nos lembram os curtas de Chaplin ou dos Irmãos Marx. Os personagens, inclusive, com seu otimismo inabalável, lembram as primeiras comédias. Tudo a nós soa estranho, anacrônico, antigo e, ainda assim, sublimemente divertido. E há algumas cenas, como a das sombras dançando, muito bonitas e bem trabalhadas.

Você provavelmente não vai assistir este filme. Possivelmente porque há outros que lhe chamam mais interesse, e quase certamente porque ele só está passando nos cinemas mais cult das grandes cidades, nas menores salas. E não é de fato um filme essencial, é mais uma curiosidade. Mas uma curiosidade bastante corajosa. Se resolver assistir, não saia da sala – ou desligue o DVD – antes do final dos créditos. Ainda há surpresas, e risadas, guardadas para o final.

12 fevereiro, 2009

Titãs - A Vida Até Parece uma Festa




Se você está começando uma banda, arrume agora mesmo uma forma de gravar tudo o que acontece. Compre uma gravadora, ou um cartão de memória maior para a sua câmera digital, e filme tudo, mesmo, e especialmente, os momentos estranhos e constrangedores. Se a banda não durar muito, você terá bons motivos para risadas. Se durar, você pode no futuro lançar um filme tão interessante como este. Branco Mello, dos Titãs, pensou nisso lá no começo dos anos 80, no início da banda, e começou a gravar tudo.

Através de um trabalho que deve ter sido tão árduo como divertido, Mello chamou Oscar Rodrigues Alves para, juntos, analisarem mais de 200 horas de imagens, para com elas tentar compor uma peça audiovisual de 100 minutos. A proposta de montagem foi ousada. Não há narração, nem legendas - exceto aquelas absolutamente necessárias para se entender o que está sendo falado no som ruim captado pelas câmeras amadoras. Apenas sequências de imagens - entre as captadas pela câmera de Branco Mello e arquivos de programas de TV - alinhadas com um objetivo, conta a história do grupo.

Com muita habilidade, Mello e Rodrigues Alves uniram os pedaços, nem sempre respeitando a cronologia, mas de maneira a dar um belo panorama da trajetória de uma das mais importantes bandas de rock do Brasil. O desrespeito à cronologia permitiu sequências belíssimas como uma das primeiras apresentações do grupo, com um Nando Reis magrelo e cabeludo cantando Querem Meu Sangue, unida à apresentação no Acústico MTV ao lado de Jimmy Cliff, autor da original The Harder They Come, entre outras montagens com a mesma música tocada em diferentes momentos - inclusive quando eles se apresentavam vestidos todos iguais, à moda anos 80.

É um filme que nos faz querer ver algo parecido de outras bandas da nossa época. Despretensioso, é como um poema bem feito, parece muito simples - o que significa que houve muito trabalho por trás. Infelizmente, não vai chegar à maioria dos cinemas - apesar de passar por quase todos os festivais. Se você tem a sorte de tê-lo em exibição por perto, recomendo.

08 fevereiro, 2009

O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjamas)




A Segunda Guerra voltou às telonas em três grandes produções. Em comum, além do tema central, o ponto de vista. Um Homem Bom, O Menino do Pijama Listrado e Operação Valkíria contam a história pelo lado dos alemães. Aqui, temos, além disso, a visão de uma criança, que pouco entende o que acontece. Tanto que não percebe que seu novo amigo é na verdade um prisioneiro judeu condenado à morrer nas fornalhas nazistas.

Mark Herman, antes deste, só havia dirigido comédias de pouca importância. Comandar O Menino do Pijama Listrado - sendo também responsável pelo roteiro - é um grande passo na sua carreira. E muito bem dado. Ele filma um tema sensível e difícil com muita habilidade, segurando sempre para não acabar com um óbvio filme antinazismo nas mãos - o que faria dele apenas mais um entre tantos. Apesar de, claro, haver a crítica à lavagem cerebral da SS, o ponto aqui é a turbulência na vida de um pequeno garoto de 8 anos.

Asa Butterfield, o garoto, atua bem, em um papel nada fácil, mas não é dos melhores atores mirins dos últimos tempos. Ele é acompanhado por David Thewlis e Vera Farmiga como seus pais, em bons papéis coadjuvantes, especialmente Farmiga. Jack Scanlon, o amigo judeu, é ligeiramente melhor, mas aparece menos. Herman não consegue, ainda, tirar dos seus atores tudo que eles poderiam dar.

Apesar de já conhecermos a história, e sabermos tudo que o jovem Bruno irá descobrir, somos bem conduzidos na passagem das brincadeiras para o tédio e depois para a incompreensão do menino - cuja inocência impede até mesmo que o ideário nazista entre em sua cabeça. Um filme bonito na maior parte do tempo, com um final ríspido e forte. Bem feito o suficiente para ser ótimo e, ainda assim, nos manter na lembrança o que é possivelmente uma das piores feridas da humanidade.

06 fevereiro, 2009

Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road)




Sam Mendes parece determinado a criticar a sociedade norte americana. Seu primeiro trabalho no cinema, o excelente Beleza Americana, apertava em cheio o botão do "american way of life", com cores vibrantes. Soldado Anônimo, com muita textura e granulação, atirava contra o exército atual e a Guerra do Iraque. Dos seus quatro filmes, só Estrada Para a Perdição não tem esse fundo - mas é também um ótimo trabalho. Agora, ele vai para a origem da ilusão, os anos 50, pós Segunda Guerra, nos subúrbios das grandes cidades.

Foi Apenas um Sonho não perde tempo explicando. Já começa com a crise do casal que, por motivos diversos, se vê arrastado na mesmice e no vazio. Desta vez, Mendes não dá o colorido de Beleza Americana. Ao contrário, aproveita o ambiente de época e deixa tudo com monótonos tons pastéis - mostrando que sabe fotografar bem. E várias cenas se prestam a mostrar a pasteurização do Sonho Americano.

E, como sempre, ele teve um bom elenco nas mãos. Kate Winslet e Leonardo DiCaprio estão juntos novamente como casal principal, mas desta vez em um filme que vale o tempo na poltrona. Kate é uma atriz excelente, e ainda assim parece que melhora um pouco a cada papel. Sua atuação apenas correta aqui nos faz ansiar por vê-la em O Leitor - pelo qual ela foi novamente indicada ao Oscar. DiCaprio, bem dirigido, é também ótimo. Felizmente, ele tem escolhido bem seus papéis. Vale destacar Michael Shannon em uma excelente atuação como justamente um homem perturbado que não aceita quem se encaixa nos padrões.

Não é melhor que Beleza Americana, e a comparação é inevitável. Com argumentos muito parecidos, mas tratamentos muito diferentes Foi Apenas um Sonho é um tapa bem dado, e feito sob medida para os jovens sonhadores - norte americanos ou não. É o tipo de filme que temos que rever de vez em quando.