29 novembro, 2009

Os Fantasmas de Scrooge (A Christmas Carol)




A mais clássica das histórias de Natal já ganhou inúmeras versões, que vão dos Muppets à comédia romântica, passando pelas atualizadas e pelas paródias mais bobas. Scrooge é um personagem que já pertence ao acervo cultural da humanidade, junto àqueles que todos conhecemos, mesmo sem saber a origem, e que inspiram outros vários – o Tio Patinhas foi um deles, seu nome original é inclusive Uncle Scrooge. Mas, mesmo com todas essas versões, nenhuma ainda tinha utilizado muito do teor original do texto de Charles Dickens, e Robert Zemeckis decidiu fazê-lo, utilizando sua agora conhecida tecnologia de captação de movimentos aliada à animação por computador.

Como em Beowulf, a modelagem é impressionante, no nível de detalhamento e iluminação realistas. Mas, também como no anterior, os movimentos ainda não estão perfeitos. Há algo de mecânico que ainda precisa ser resolvido, uma fluidez que a técnica de animação sem captação de movimentos já resolveu. É quando mais depende dos movimentos que algumas cenas perdem a magia. Entretanto, as expressões faciais aqui estão em um nível bem superior aos anteriores, aproveitando bem os trejeitos de Jim Carrey em seus vários personagens na produção.

É a primeira vez que a Disney usa a tecnologia de Zemeckis. E, levando-se em conta que é a Disney, e que é uma história de Natal em animação, espera-se um filme infantil. Mas muito cuidado ao levar crianças, o filme é talvez forte demais para elas, tamanho o peso nas cenas macabras e assustadoras. Uma em especial – e justamente a que mais foge do original de Dickens – é bastante desnecessária, uma perseguição típica dos filmes de terror baratos. Os pequenos não terão tanta diversão quando os pais podem imaginar.

25 novembro, 2009

Fama (Fame)




Quem me acompanha pelo Twitter sabe que sou contra remakes, especialmente dos filmes que já são bons. Mesmo assim, fui assistir à nova versão de Fama, o excelente musical dirigido por Alan Parker no longínquo 1980. É preciso dizer que, infelizmente, a versão de Parker não é muito conhecida aqui, especialmente pela nova geração. É preciso dizer, também, que esta versão não se compara à original, em diversos aspectos. Mas sejamos realistas, uma foi feita por Alan Parker, e outra pelo estreante Kevin Tancharoen, que até então fez algumas poucas séries e videoclipes.

Mas, desconsiderando isso, o novo Fama não é de todo mau. Pelo contrário, há algumas surpresas, cenas muito boas, edição de qualidade, certos diálogos excelentes. Sim, é pouco se considerarmos a base original. E é aí que precisamos falar: esta versão é claramente uma forma de Hollywood aproveitar-se da onda “High School Musical”. O original conseguia, mesmo com muitos personagens, aprofundar-se até certo ponto em cada um, explorar não apenas seus talentos mas também seus dramas pessoais. O roteiro perdeu muito da ousadia que teve em Parker – também para encaixar-se na expectativa do público adolescente acostumado à produção da Disney.

Em comum, protagonistas desconhecidos e talentosos, rostos que poderemos ver novamente em breve, se bem aproveitados; e um pouco da estrutura em capítulos. O elenco de professores, entretanto, conquista cada cena. Mas devo confessar que enxergo dois pontos muito bons neste filme: ele fará com que muitos adultos, que não conhecem o original e aventuraram-se nos cinemas para esta, tenham curiosidade e voltem à versão de Parker; e é, sem dúvida, bastante divertido.

13 novembro, 2009

Código de Conduta (Law Abiding Citizen)




Às vezes a intenção de uma história é perdida em meio a alguns malabarismos textuais. Esse parece ser o principal problema de Código de Conduta - além do título traduzido, nada a ver com o "Law Abiding Citizen" do original, que significa "cidadão cumpridor das leis". Tudo se encaixa bem. Há um bom elenco, a direção é competente, os efeitos especiais são bem colocados. Mas faltou aquela peça que faz tudo encaixar com perfeição: o roteiro melhor trabalhado.

Na história, vemos o personagem de Gerard Butler arquitetar uma sequência incrível de eventos com o intuito de vingar-se do "sistema", que levou o assassino da sua esposa e filha a ser libertado por conta de um acordo com o promotor de Jamie Foxx. A caracterização dos personagens é eficiente, não colocando um ou o outro no papel de vilão ou mocinho definitivo. Mas o intuito principal da trama se perde ao prender-se demais ao combate entre os dois, sem que a lição esperada aconteça.

F. Gary Gray dirige bem, mas faltou um pouco mais de atenção ao roteiro, provavelmente por parte de Kurt Wimmer. Ambos são escolados em boas histórias em que o que nos prende é tentar descobrir como tudo acontece. Gray dirigiu o bom filme de roubo The Italian Job, e Wimmer escreveu, no mesmo tema, Thomas Crown. O suspense e a nossa vontade de entender tudo logo estão lá, mas falta o que se pode chamar de "moral da história", que nesse caso deveria estar lá.

11 novembro, 2009

Michael Jackson's This Is It




Anunciado no início de 2009, a turnê This Is It marcaria não apenas a volta de Michael Jackson aos palcos, como também sua despedida. Com sua morte, a filmagem das preparações foi editada em forma de documentário, que inicialmente seria lançado como um substituto dos shows - apenas nas cidades onde a apresentação aconteceria, e por apenas duas semanas. Felizmente, algo mudou no plano original do filme e ele não só estendeu seu alcance como também sua duração.

O mundo estranho de Michael Jackson é bastante conhecido, e está em um sem número de livros e outros documentários - que pipocaram ainda mais aproveitando-se da morte do artista. Este, como registro definitivo, foca não no homem, mas no astro. É um passeio íntimo pelos bastidores do que seria não apenas a última apresentação, mas a mais completa. Nela, podemos ver que, aos 50 anos, os principais talentos de Michael estavam intactos. Os passos saem fáceis e harmoniosos, e ele não faz feio frente à equipe de excelentes dançarinos escolhidos a dedo. Sua voz também, continua afiada e afinada, e descobrimos aqui que ele não só canta, mas entende muito de música. Suas peculiaridades deixam-se aparecer no perfeccionismo buscado para cada música, cada tom.

A edição mostra sempre a preparação de uma música seguida de ensaios de palco. A seleção do repertório do último show foi feita sob medida para os fãs, para a despedida. Se não as melhores, certamente as mais conhecidas estariam lá. E recheadas de efeitos especiais, pequenos filmes feitos especialmente para interagir com o show, e as coreografias que sempre o acompanharam. Podemos ter uma ideia do grandioso espetáculo que nos aguardaria.

É interessante notar que a equipe mostra quase reverência ao astro. Dos músicos aos técnicos, o diretor Kenny Ortega e os dançarinos, todos têm total atenção em Michael e a seus desejos. E, ainda assim, todos estão surpreendentemente felizes, como vemos nos vários sorrisos espontâneos à sua volta, e na forma respeitosa como todos param para ouvi-lo ensaiar suas músicas. Tudo isso mostra que, no final das contas, não havia mesmo outro título para ele que não Rei do Pop.

09 novembro, 2009

Besouro




Besouro começou sua divulgação muito antes de ser concluído, e chamou a atenção de cinéfilos Brasil afora. Era de fato uma novidade e tanto. Um filme sobre um personagem brasileiro tão interessante quanto desconhecido, sobre a arte marcial nascida aqui, e feito com aspirações grandiosas. As primeiras imagens lhe valeram o apelido de "O Tigre e o Dragão brasileiro", bastante influenciada pelas coreografias e efeitos especiais de Hian-Chiu Ku, que de fato comandou o mesmo departamento no filme de Ang Lee, entre outros. Pouco a pouco, o interesse foi crescendo, em uma estratégia quase como a que vemos em grandes produções internacionais.

João Daniel Tikhomiroff dirige seu primeiro longa com um bom aproveitamento das paisagens baianas, algumas tomadas muito boas, e também um ou outro diálogo ótimo. Perde um pouco o ritmo e alguns momentos, e deixa de aproveitar a história em outras. Fotografa muito bem, realçando o amarelo da região. Quase tudo está muito bom. Uma pena que não se possa dizer o mesmo do elenco.

Aílton Carmo, capoeirista de verdade, consegue bons resultados nas cenas de ação como Besouro - que infelizmente não são tantas quanto poderiam. Mas ele ainda precisa de muito treino como ator. Chega a ser curioso a forma como a câmera parece fugir dele justamente nos momentos das suas falas ou em que seria exigido dele a demonstração de alguma emoção. Sua cara fechada mirando o horizonte, entretanto, é farta na película. Um contraste e tanto com a ótima atuação de Flávio Rocha, o Coronel, e do talento potencial de Jessica Barbosa, a Dinorá.

O grande problema de Besouro é a quantidade de "quases" - cada um deles afastando mais de um ótimo filme. A indefinição entre um filme histórico e de ação, a perda do ritmo em pontos chave, e o elenco pouco trabalhado atrapalham. Ainda assim, merece muito ser visto, como representação do que o nosso cinema pode fazer, em termos de roteiro, personagens e produção como um todo. É um filme que não muitos anos atrás seria inimaginável, e por isso é bom que, mesmo não sendo perfeito, ele tenha chegado às telas com algum destaque. Merece uma nota boa pelo pequeno marco que representa no cinema nacional.

08 novembro, 2009

Substitutos (Surrogates)




Basta ler a sinopse de Substitutos para nos lembrarmos de Blade Runner. O mote é bastante parecido, apesar de também bastante criativo: uma tecnologia é capaz de criar cópias androide de qualquer pessoa, controlada à distância pela própria, e assim temos um mundo em que ninguém mais sai de casa, apenas manda seus substitutos no lugar, uma espécie de Matrix sem Matrix. O diretor Jonathan Mostow consegue imprimir um ritmo interessante entre o suspense e a ação. Mas não se enganem é um filme prioritariamente de ação, apesar das várias vertentes filosóficas que a trama sugere.

Mostow, que dirigiu Exterminador do Futuro 3, parece gostar da coisa. Além da mais famosa franquia de robôs, ele dirigiu também recentemente um filme para TV em que um alien se infiltra entre a humanidade. A comparação com Blade Runner, entretanto, é injusta. Além da diferença gritante na direção, o tratamento do roteiro é, em Substitutos, bem mais superficial. Mas é interessante a fotografia usada para fazer com que os androides apareçam perfeitos - apesar de ser uma pena que o Bruce Willis robô pareca um Backstreet Boy emo.

Bruce Willis faz o papel de sempre em filmes de ação, claramente pouco entretido com a produção. Sua parceira, Racha Mitchell, também não precisou de muito esforço, o que deixa claro que não é uma superprodução daquelas para conquistar o mundo. Mas é um filme bem feito e produzido, com efeitos convincentes e uma história que, mesmo sem ser utilizada em todo seu potencial, diverte.

01 novembro, 2009

Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds)



Pegue uma boa ideia, coloque algumas cenas chave - como uma especialmente longa, uma com um personagem importante descalço, uma filmada bem de cima - adicione diálogos bem trabalhados e encha de referências - do cinema, da cultura pop, dos seus próprios outros filmes. Trocando em miúdos, é assim que Quentin Tarantino trabalha. Claro que, escrito assim, parece muito fácil. Mas colocar todas essas marcas de estilo, e muitas outras, sem terminar com uma peça confusa depende de muito trabalho.

Tarantino anuncia os filmes que fará com muita antecedência, porque começa a trabalhar neles com muita antecedência. As primeiras ideias de Bastardos Inglórios surgiram antes que começasse a escrever Kill Bill - tanto que algumas foram usadas no próprio. Essa característica faz de suas produções sempre obras de arte. Infelizmente, não é uma arte fácil de ver, já que outra característica de Tarantino é a violência explícita. Ainda que aqui ele consiga fazê-la incrivelmente divertida.

Bastardos é provavelmente o filme mais complexo do diretor. Além de um elenco bem mais longo que os outros, há também a forma primorosa como trabalhou as várias personalidades, não deixando lacunas. E, como sempre, ele dirige bem seus atores. Seria perda de tempo dizer quem está bom, todos estão. Um pequeno destaque para o austríaco Christoph Waltz em sua primeira produção norte-americana, no papel do detetive da Gestapo inspirado em Sherlock Holmes - ele inclusive fuma um cachimbo do mesmo modelo.

Por mais que gere controvérsias, é inegável: Tarantino sabe fazer bom cinema. Domina a técnica narrativa como poucos, e a câmera como menos ainda. É capaz de colocar sua marca inclusive nos erros propositais que comete, e de deleitar os cinéfilos com uma qualidade que infelizmente torna-se cada vez mais rara. É difícil dizer qual é o melhor filme dele, mas posso afirmar que neste ele exercitou seu talento combinado à experiência da sua já longa carreira. Imperdível.