28 abril, 2010

Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock)




Assistir um filme de Ang Lee é quase sempre uma surpresa. Desde que ouvimos seu nome então muito pouco conhecido como escalado para comandar uma adaptação de Jane Austen, Razão e Sensibilidade, estranhamos a escolha de um asiático para uma história tão inglesa, mas o resultado ficou bom, e passamos a prestar mais atenção. Ele fez mais dois filmes “ocidentais” antes de voltar às suas origens – e também de voltar a despertar a nossa admiração com O Tigre e o Dragão, que é excelente. Ele ainda foi escalado para a iniciativa The Hire da BMW, e escolhido para o primeiro – e não muito elogiado – Hulk, e então nos entregou o excelente Brokeback Mountain. Recentemente, voltou aos holofotes com o belo Desejo e Perigo.

Aconteceu em Woodstock tem a assinatura de Lee, uma assinatura que é difícil de perceber. Ele dirigiu esta história dos bastidores do mais famoso festival de música de forma bastante compassada, evitando inteligentemente tudo o que se pensaria ver em um filme sobre a ocasião – não há uma imagem sequer de um show ou de um artista, e o palco em si é mostrado apenas na distância – grande – em que é vista pelo protagonista. A única imagem típica é o famoso banho de lama, que só aparece por ser um dos únicos acontecimentos lembrados do festival do qual Elliot participa.

Lee também acertou na escolha de atores, equilibrando nomes desconhecidos em papéis principais com atores famosos como coadjuvantes. Assim temos artistas como Eugene Levy, Imelda Staunton, Emile Hirsch, Paul Dano e Geoffrey Dean Morgan em participações especiais ótimas, enquanto a cena pertence mesmo a Demetri Martin no papel principal do jovem Elliot, que pescou a oportunidade e trouxe o festival à pequena cidade em que seus pais tinham um pouco frequentado hotel. O estilo de direção de Ang Lee é capaz de tirar atuações bastante contundentes, e podemos ver o efeito aqui claramente, especialmente nas pontas feitas pelos coadjuvantes.

Com tudo o que já foi dito e mostrado sobre o Festival de Woodstock, este filme preenche o espaço que ainda havia para o assunto: como a pessoa responsável pelo festival acontecer onde aconteceu viveu o momento. É um filme interessante, engraçado e bonito, sem precisar apelar para nenhum truque. Apenas uma história que poucos conhecem.

09 abril, 2010

Como Treinar Seu Dragão (How To Train Your Dragon)




À época do primeiro Shrek, a Dreamworks disputava o posto de melhor estúdio de animação por computador. Essa época já passou – a Pixar deixou todos bem para trás há algum tempo – e agora a Dreamworks luta para ser a melhor depois da Pixar. Como Treinar Seu Dragão é um passo bem dado rumo ao objetivo. Mas para chegar lá eles usaram de alguns artifícios, digamos, não tão legais. De cara, temos uma história que remete a vários roteiros trabalhados e retrabalhados pela Disney – e eventualmente pela própria Pixar: um personagem central deslocado do seu ambiente social encontra o seu “caminho de volta” ao associar-se com um outro personagem que, inicialmente, é justamente o oposto do que o que deveria ser buscado. Parece familiar?

Então vamos para a segunda similaridade, os diretores. A dupla Dean DeBlois e Chris Sanders dirigiu uma das melhores animações da Disney dos últimos anos, Lilo & Stitch. Que, por sinal, usa exatamente o mote acima. E mais: o dragão que o personagem descolado vai treinar lembra, e muito, Stitch. Na fisionomia e também no comportamento. Ok, agora que eu escrevi isso, você que ainda não assistiu, quando assistir, só vai ver o Stitch no meio dos vikings.

Mas, verdade seja dita, temas de animações podem, de forma geral, ser resumidos a três ou quatro motes básicos. Importa mais a forma que o conteúdo. E a forma aqui está, sim, muito boa. O desenho dos personagens é bom, e a qualidade da modelagem é excelente, conferindo personalidade às vastas barbas vikings tanto quanto aos modos adolescentes dos personagens juvenis. As sequências de ação foram bem trabalhadas, e bem moduladas com o drama+comédia característico, em um ritmo que funciona direitinho.

E, além de todos esses aspectos técnicos, há o que realmente importa para o público: é divertido. Bem mais que o médio Monstros x Alienígenas que o antecedeu, e mesmo que o terceiro Shrek. Depois de uma sequência complicada da Dreamworks, em que continuações não funcionaram bem, e novos títulos tampouco, é um alívio para a companhia de Spielberg.

06 abril, 2010

Chico Xavier




Biografias são peças difíceis de serem criadas. Há pouco espaço para se falar da vida de personalidades sempre interessantes o suficientes para merecerem uma. Cinebiografias, assim, são ainda mais complexas, pois o espaço é sensivelmente menor. Por isso, quando bem feita, resulta em um filmaço, partindo para o lado oposto com praticamente qualquer deslize. Nesse tipo de história, escrita ou filmada, faz-se concessões e cortes, mas sempre visando dar um retrato mais ou menos fiel da pessoa, normalmente cobrindo aspectos que poucos conhecem. Foi assim com a história de Ray Charles, que mostra o conflito entre o sucesso na carreira e desabamento pessoal pelas drogas; com João Estrella e a mistura do rapaz bem educado e carismático com o tráfico; Charles Chaplin, entre o seu cinema, suas mulheres e sua figura política. Nos bons exemplos, sempre há algum aspecto não muito engrandecedor mostrado.

O filme sobre Chico Xavier não vai por esse caminho. Sofre do problema das cinebiografias ruins, que é passar um retrato caricato da personalidade mostrada. Faz a péssima opção pelo maniqueismo nada disfarçado, mostrando uma pessoa que parece uma princesa saída de um roteiro ruim recusado pela Disney, com sua candidez e bondade inimagináveis. E basta uma pesquisa rápida para sabermos que nem mesmo Chico Xavier foi assim. Deixaram convenientemente de lado, por exemplo, pedaços do início da "carreira" de Chico em que ele participava com outros médiuns de sessões que mais lembravam um show de ilusionismo, com truques que incluiam jogos de luz e espelhos e fumaça, o que impressionava facilmente as comunidades carentes que eles também convenientemente escolhiam para estar. Ao contrário do que possa parecer, abordar momentos como esse não tiram a dignidade do retratado. Ao contrário, possivelmente mostrando mais humanidade consegue-se criar uma ligação ainda mais forte com o sentimento que se quer despertar nos espectadores.

Como peça cinematográfica, à exceção dos deslizes de roteiro, é um bom filme. A opção de pontuar a história com a entrevista de Chico no programa Pinga Fogo, por exemplo, é excelente. Há algumas atuações muito boas, como a do menininho que faz Chico criança, e Luís Melo como seu pai. Angelo Antônio e Nelson Xavier preocupam-se muito em não torná-lo muito caricato quando, na verdade, ele era - o que fica em claro nas ótimas cenas reais do programa mostradas ao final. Algumas participações femininas muito boas foram infelizmente pouco utilizadas.

O filme foi feito não para prestar uma homenagem a Chico Xavier, mas sim para perpetuar a aura mística que sua vida criou - ou seja, pouco mais que truques para uma comunidade carente um pouco maior. Havia mais a se falar dele e, repetindo, coisas que provavelmente ajudariam a torná-lo uma figura ainda mais interessante. Afinal, ele escreveu mais de 400 livros. Se foram ou não ditados a ele, não importa, é uma produção mais vasta do que a maior parte da população brasileira vai ler em toda a vida. Optar pela tendenciosa forma de mostrá-lo como um santo só nos afasta do homem extraordinário que ele certamente foi.