30 dezembro, 2011

O Garoto da Bicicleta (Le Gamin au Vélo)

É inegável: enquanto o cinema estadunidense tende a buscar histórias mirabolantes, que exigem produções caríssimas e efeitos especiais, o cinema europeu prefere a simplicidade das relações humanas nada simples. O Garoto de Bicicleta é um filme cheio de camadas, escondidas por trás de uma trama tão cotidiana que somos capazes de nos relacionar com ela quase imediatamente.

Os cineastas e irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne não são muito conhecidos do grande público, mas são figurinhas fáceis nos maiores prêmios internacionais de cinema, incluindo quase meia dúzia de Palmas de Ouro, entre indicações e pêmios, incluindo este. Tiveram algum destaque com seu filme mais famoso, O Silêncio de Lorna, mas contam mais de quinze produções, tendo em comum o mesmo aspecto de histórias cotidianas cheias de interpretações.

Aqui, os irmãos Dardenne contam o caso de Cyril, um garoto abandonado pelo pai em um orfanato, que busca suas duas maiores paixões: o próprio pai, e sua bicicleta. Intermédios do destino unem Cyril, muito bem interpretado por Thomas Doret, e a cabeleireira Samantha - único rosto possivelmente conhecido, já que a atris Cécile de France atuou em Além da Vida, de Clint Eastwood. Samantha é a típica samaritana, de paciência quase sobrehumana. Largado pelo pai, descontente com o orfanato e ainda incapaz de se relacionar com Samantha, Cyril é presa fácil para marginais que o seduzem para o crime.

A bicicleta, tornando-se o único ponto de permanência na vida do garoto, é uma metáfora bem trabalhada dos sentimentos confusos a que uma criança nessas condições está sujeita, e é com esse cuidado que os Dardenne levam a história evitando habilmente clichês que pegariam facilmente cineastas menos desenvoltos. Menos um: o final desnecessariamente vago poderia ser melhor trabalhado.

05 dezembro, 2011

Melancolia (Melancholia)

Lars Von Trier não veio ao mundo do cinema à toa. Um dos autores do Dogma95, o movimento cinematográfico dinamarquês que pregava a simplicidade nas produções - e que foi solenemente ignorado pelos próprios criadores do manifesto - ele gosta de polêmica. E detesta os Estados Unidos. Nunca esteve lá, segundo ele mesmo diz, mas vários de seus filmes são críticas abertas à sociedade estadunidense. Alguns de seus melhores filmes, inclusive, Dogville e Manderlay, são verdadeiros tapas na cara. Dizem que foi ele que, com Os Idiotas, começou a onda de filmes de arte com cenas de sexo explícito. E, para completar, ele faz declarações propositalmente provocativas em grandes eventos - o que o levou a ser expulso de Cannes este ano.

Talvez por isso ele não tenha ganho a Palma de Ouro a que foi indicado, apesar da recepção calorosa da crítica por seu Melancolia. Que não tem nada de polêmico, apesar de ser muito bom. O filme, todos sabem, trata de eventos que acontecem na vida de duas mulheres e do fim do mundo. A sequência inicial é um longo prólogo todo em câmera super-lenta que, apesar de poético e belíssimo, é um tanto cansativo. Lars não gosta de facilitar para seus espectadores. As duas partes seguintes, no entanto, são bem tradicionais - no sentido “cinema independente” da coisa. É bem verdade que, ao contrário de outros dos seus filmes, aqui a câmera sempre tremendo e constantemente perdendo o foco no segmento Justine ficou um tanto artificial.

A produção é muito boa, e cheia de nomes consagrados. Kirsten Dust faz o melhor papel da sua carreira - levou a Palma de Melhor Atriz em Cannes por ele, e divide a tela com Kiefer Sutherland, John Hurt, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling e com Charlotte Gainsbourg, que faz o papel mais fraco do elenco. O tom da fotografia, toda em cores pastéis e quase sempre meio sombreada, anuncia o fim do mundo que está por vir, com a proximidade do planeta Melancolia. É no tratamento quase trivial dado à inexorável destruição da Terra, entretanto, que está a grande qualidade do filme.

Mesmo sendo dos mais tradicionais que Lars Von Trier já fez, ainda assim não é um filme que vá agradar facilmente a todos. Por isso mesmo, entrou em cartaz aqui em circuito bastante restrito, mas felizmente é possível encontrá-lo ainda hoje em sessões cult - que foi o meu caso.

27 novembro, 2011

Assalto em Dose Dupla (Flypaper)

O cinema como diversão pura pode surpreender às vezes. Quando entrei na sala para assistir Assalto em Dose Dupla - mais um exemplo de péssima tradução de título, apesar do original Flypaper dar realmente um pouco de trabalho para gerar um título com o mesmo sentido em português - sabia muito pouco do filme, além de que era uma comédia, envolvia um assalto (dã) e que dava a entender que haveria uma parte romântica envolvida - esta última parte mostrou-se incorreta, mas sem prejuízo.

Tivesse eu olhado para a ficha técnica, talvez pudesse ter esperado até mais. Roteirizado pela dupla que criou os personagens do excelente Se Beber Não Case, Jon Lucas e Scott Moore - perdoem-lhes pelo fiasco do segundo, não foram eles os responsáveis - e dirigido por Rob Minkoff, que tem em seu currículo a estrela maior da co-direção de O Rei Leão. O filme segue um bocado o esquema de Se Beber, com ritmo alucinante, nonsense, personagens ótimamente cômicos e uma história que só se revela totalmente na última cena.

O elenco cheio de rostos conhecidos para nomes nem tanto. Patrick Dempsey estrela a série Grey’s Anatomy, e faz um ótimo papel como o gênio com TOC que está mais interessado em resolver as charadas da situação do que em se proteger. Ashley Judd, uma grande atriz que infelizmente não tem muito espaço, faz um involuntário par romântico com Dempsey. Tim Blake Nelson, com sua cara irreparavelmente cômica, faz um dos assantaltes caipiras com uma atuação sensacional.

Típico filme de entre-temporadas, não vai fazer muito barulho e provavelmente não será lembrado por muito tempo. Não é tão engraçado nem tão inesperado como Se Beber Não Case, nem é uma das melhores comédias dos últimos tempos. Mas o ritmo acelerado, as constantes mudanças de situação e a absoluta falta de sentido garantem boas risadas. Para diversão pura e simples, e para quem quer fugir dos adolescentes em filas para a saga dos vampiros e lobisomens, é uma boa pedida.



24 novembro, 2011

A Pele que Habito (La Piel Que Habito)

Quem acompanha a carreira de Pedro Almodóvar sabe reconhecer um dos seus filmes com poucos minutos de uma cena aleatória. O mais famoso diretor espanhol tem uma queda para o nonsente, mistura humor com drama com facilidade, gosta de cores fortes, realmente saturadas, na tela, e muitas vezes coloca pedaços autobiográficos nos seus roteiros. Pois nem o mais fanático seguidor conseguiria reconhecer facilmente A Pele Que Habito como uma das suas obras. Provavelmente numa tentativa de experimentar algo novo, Almodóval fez seu filme mais sombrio - tanto em tema quanto em fotografia.

A história é um tanto perturbadora, e o formato não linear escolhido pelo diretor tenta torná-la ainda mais dramática. É difícil classificar o filme, que pende do drama ao suspense, mas sem realmente se prender a nenhum deles. As idas e voltas na linha do tempo não são suficientes para prender a grande surpresa do filme por muito tempo, e com isso o choque que poderia ser muito grande acaba sendo apenas uma breve constatação.

Antonio Banderas, antigo parceiro de Almodóvar, volta a trabalhar com o diretor depois de mais de duas décadas. Ao contrário do personagem nerd-boboca de Ata-me, Banderas aqui faz o médico Robert, com a desenvoltura que os anos de carreira lhe conferem - mas ainda um tanto exagerado para um suspense que não acontece. Elena Ayala, que também já trabalhou com o diretor, faz um bom papel, mas o destaque vai para a veterana Marisa Paredes que, adivinhem, também já esteve sob a batuta de Pedro. Na pele da única personagem que sabe de tudo o que acontece, ela parece ser também a única atriz que conseguiu colocar algum senso no que estava fazendo.

A experiência é sempre louvável, e um diretor do porte de Almodóvar, ainda que em terreno desconhecido, sabe o que faz. É possível ver a qualidade dos diálogos, dos ângulos de câmera, mesmo da fotografia. Mas algo na produção não convence. Mesmo com todos os elementos parecendo conspirar a favor, faltou a magia que costumamos buscar nos filmes do espanhol.

05 novembro, 2011

Contágio (Contagion)




O que os filmes Eu Sou a Lenda, Ensaio Sobre a Cegueira e Epidemia tem em comum? Todos falam de uma doença misteriosa que abateu-se sobre grande parte da humanidade em pouco tempo, causando caos, revoltas, perda da humanidade e, em um dos casos, vampiros zumbis. É um tema batido, parte do velho medo humano do apocalipse, que volta e meia aparece - os citados são apenas uma parte deles, os que lembrei assim de pronto. Apenas um, baseado na obra sensacional de Saramago, é de fato um bom filme. E agora um grande diretor, Steve Soderbergh, resolve arriscar o mesmo caminho.

A fórmula parecia promissora. Além de Soderbergh, um elenco repleto de grandes nomes. Matt Damon, Gwineth Paltrow, Laurence Fishburne, Jude Law, Kate Winslet, Eliot Gould, Marion Cotillard, são tantas estrelas que não há tempo na tela para todas. E, ainda assim, o filme se perde. O roteiro, assinado por Scott Burns - o mesmo de O Desinformante e Ultimato Bourne - parece ser a peça que não se encaixa na equação.

As atuações boas da maior parte do elenco não são suficiente para segurar a história. O começo é bom, com tensão e ritmo, e várias tramas paralelas conseguindo amarrar umas às outras. Tudo segue rápido e coerente, até o ponto em que, aparentemente, Burns não soube mais o que contar. Então o ritmo se perde completamente, as histórias se tornam fios soltos, e nenhuma resolução se apresenta. Há, em alguns momentos, indícios de que o ponto chave seria as consequências do desespero sobre a sociedade; em outros, parece ser uma crítica à forma como os poderes governamentais gerem situações como essa; há mesmo um início de drama familiar. E nada evolui, ao ponto de o final ser uma decepcionante e desnecessária volta ao começo.

É decepcionante ver tantos talentos desperdiçados. Houve até uma ação de divulgação muito interessante com o nome do filme sendo formado por bactérias de verdade em uma placa. O trailer chamava atenção - apesar de lembrar aqueles filmes citados no primeiro parágrafo. Mas nem mesmo Soderbergh, nem mesmo um elenco com mais estatuetas e indicações que os caracteres no nome do filme foi capaz de salvar Contágio.

01 novembro, 2011

O Palhaço - por Adelino Neto

Às vezes um amigo seu assiste a um filme que você quer muito ver antes de você. Às vezes esse amigo tem também um senso crítico aguçado para a sétima arte. Às vezes você faz uma oferta sem pensar muito, e depois tem que cumprir. Sem mais delongas, é com orgulho que o Parada Crítica apresenta seu primeiro post de convidado, com a crítica de O Palhaço por Adelino Neto:



Eu acredito muito em dom. E quando um dom é reforçado por estudo e trabalho duro, essa pessoa acaba se tornando um gênio. Eu estou falando do ator, diretor e roteirista Selton Mello. Não que eu o considere um gênio, mas é notório o seu dom. E já que ouvi e li por aí sobre o seu excessivo comprometimento com o trabalho, é apenas uma questão de tempo para poder afirmá-lo como gênio.

Já vi várias séries e filmes protagonizados pelo ator. Dentre eles, Lavoura Arcaica e Cheiro do ralo são os meus preferidos. Atuações que eu o senti mais “dentro” do personagem. E até o momento, havia visto apenas um filme que ele escreveu e dirigiu. O curta-metragem Quando o Tempo Cair. Ali eu percebi uma veia mais, digamos, poética e intimista. Com a pretensão de ser despretensioso. Trocadilho pode, Arnaldo? No seu currículo, se não me engano, ele escreveu e dirigiu mais dois longas e alguns vídeo-clipes.

Mas eu estou fazendo esse preâmbulo todo apenas para dizer que no fim de semana eu finalmente assisti seu último longa-metragem, O Palhaço. Fui ao cinema sabendo que assistiria algo bom. Mas, vi bem mais do que isso. Vi uma obra madura, de um cara que, atrás das telonas, nem é tão maduro assim.

O filme, escrito, dirigido e protagonizado pelo próprio Selton, narra as aventuras da trupe de um pequeno circo, que leva o nome de Esperança, pelo interior de Minas Gerais. Inclusive por Passos, cidade natal do Diretor. A responsabilidade de gerir a empresa está nas mãos, melhor, nas costas do filho do dono do circo, Selton, que luta contras suas inseguranças, angústias e dúvidas. Um triste palhaço que nasceu no circo e tem a responsabilidade de cuidar do mesmo. De resolver todos os problemas técnicos e logísticos da empresa sem uma participação ativa do pai, dono do circo e dupla de “palhaçada” no picadeiro, o sempre excelente Paulo José.

A fotografia impressiona por mostrar a beleza de um cenário que, a olho nu, as pessoas nem reparariam: morros, campos, canaviais e pequenas cidades interioranas. O figurino, maquiagem e direção de arte são outros pontos que merecem destaque. Junto com o texto timidamente cômico e dramático, e, claro, a impecável atuação de todo o elenco.

Palmas para a sacada genial de homenagear artistas que estavam desaparecidos do grande público e que deram um verdadeiro show: Jorge Loredo, mais conhecido como Zé Bonitinho, Luiz Alves Pereira Neto, o famoso Ferrugem, Moacir Franco, Teuda Bara e o próprio Paulo José.

O Palhaço passa a sensação de simplicidade, apesar dos detalhes complexos. Fato que só os bons roteiros conseguem. A leveza e o intimismo parecem a de um filme despretensioso. Mas, não se engane. Se você entrar na sala com o intuito de apenas se entreter, ótimo. Sairá da sessão leve, tranquilo e feliz. Nada de mais. Mas, se por acaso decidir se envolver com o personagem, ou com os personagens, prepare-se. Você se surpreenderá.
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Adelino Neto é Diretor de Criação e sócio da FCS Bem Pensado, de Cuiabá, além de cineasta inconformado, prestes a iniciar seu primeiro curta-metragem.


26 outubro, 2011

Amizade Colorida (Friends With Benefits)

No ano passado tivemos o prazer de ver na telona uma obra como há muito não surgia. Cisne Negro é daqueles filmes obrigatórios, tamanha sua força. Estrelado por Natalie Portman, uma das cenas mais faladas - infelizmente, pois o filme é muito mais do que isso - é a de sexo com Mila Kunis. Pois parece que nenhuma das duas gostou da experiência, pois pouco depois ambas estrelariam produções com temas iguais. Portman atuou em Sexo Sem Compromisso, lançado no começo deste ano, em que cultiva uma “amizade especial” com Ashton Kutcher. Pois Mila Kunis, quase ao mesmo tempo, filmava praticamente a mesma história com Justin Timberlake.

Amizade Colorida foi dirigido por Will Gluck, que antes deste tinha dirigido comédias escolares tolas. O ritmo que ele imprimiu a este, no entanto, casou muito bem com o estilo do roteiro. Claro, não se enganem, é uma comédia romântica, com todos os clichês do gênero e com os mesmos pontos chave. Como sempre, a grande diferença nesses filmes está no meio, e é a grande diferença entre o filme de Gluck e o de Ivan Reitman, que comandou Sexo Sem Compromisso. Reitman, veterano com boas comédias no currículo, sabe pesar melhor a importância de cada etapa, algo que Gluck negligencia um pouco. Em Amizade Colorida, a parte da amizade tem que ser inferida, já que o diretor optou por mostrar de cara o início da conturbada relação - e com isso, mais cenas de sexo e nudez. Mas não se anime, o bumbum que se vê em uma das sequências provavelmente não é da Mila Kunis.

Mas ele teve uma vantagem sobre Reitman. Timberlake, por incrível que pareça, faz um bom papel, não ficando muito atrás da charmosa Kunis. Pode ser que o caso aqui seja de menor distância de talento - Portman dá um baile no sempre mediano Kutcher o filme todo - mas essa relação é essencial para a graça do filme. Outra vantagem de Gluck foi uma melhor composição de diálogos. Não apenas aproveitam bem os personagens, mas também fazem uma “sequência de risos” quase incessante exatamente no momento da construção da trama. Também aproveitam bem o elenco de apoio, com destake para Patricia Clarkson e Richard Jenkins em boa forma.

A comparação é inevitável, mas também desnecessária. Nenhum dos dois compete por um posto no raro rol das comédias românticas excelentes - e creio que nenhum dos dois pretendia. Então, confabular sobre qual é mais engraçado ou mais bem feito é inútil. Ambos são divertidos em boa medida, ótimos para aqueles momentos em que tudo o que se quer é fugir por alguns minutos para um lugar em que o mundo parece perfeito.

Remake, Versão, Reboot



O cinema sempre soube se reciclar. Personagens famosos aparecem às vezes em dezenas de filmes, e vez por outra somos surpreendidos ao saber que aquele filme que adoramos é uma versão, ou torcemos o nariz quando ouvimos que o próximo lançamento é um remake. Há pouco tempo as pessoas da minha geração ficaram chocadas ao saber que Karate Kid seria refilmado, dirigido por Will Smith e tendo seu filho como personagem principal, Jackie Chan como Sr. Miyagi, e ambientado na China. Por mais que vários críticos tenham dito que, no fim das contas, o filme é bom, não tive ainda coragem de assistir. Como provavelmente não terei de ver o remake de Footloose. E espero sinceramente que todos os boatos sobre OldBoy sejam mentira. Vez por outra também lemos que tal franquia sofrerá um reboot. E há histórias que tem múltiplas versões. Por mais que cada um signifique algo diferente, no entendimento geral quase sempre o que é filtrado é que o filme em questão é uma cópia. Vamos tentar aqui esclarecer um pouco esses sobrenomes.

24 outubro, 2011

De Títulos e Traduções

 


Normalmente, as pessoas que gostam muito de filmes gostam de assisti-los na sua versão original. Isso significa o formato da imagem e o som original, na língua em que foi filmado. Ao contrário do que muitos pensam, não é só para tirar onda de que sabe falar inglês. Eu gosto de assistir sempre na língua original, seja ela sueco, japonês, espanhol, russo, alemão, italiano - para ficar só nos países com maior número de boas produções cujos idiomas não entendo nada. Eu acho que o som é parte da obra cinematográfica, e que tanto o diretor quanto o ator trabalharam muito, repetindo e refazendo cenas, para que aquele diálogo tivesse uma nuance única, e isso em qualquer língua que seja. Mas entendo que há pessoas - muitas, aliás - que preferem filmes dublados, e o meu xará Thiago Borbolla fez um excelente post sobre isso, do qual concordo com quase tudo. O que não concordo é com a qualidade cada vez pior das traduções brasileiras - e aí entram não só as dublagens como também as legendas e os títulos.

Eu sei que o trabalho não é fácil. Sei que há certos aspectos culturais em alguns diálogos e títulos que são quase intraduzíveis. Mas há, também, muito erro que poderia ser evitado. Como eu sei que o nome de uma obra muitas vezes já dá o tom - afinal, não adianta, todos nós julgamos pela capa, ou, neste caso, pelo poster - e não confiando nos tradutores, costumo sempre procurar o nome original. Pois me deparei há algumas semanas com um exemplo de tradução de título que não apenas é ruim, como joga contra a obra.

O filme It’s Kind of a Funny Story conta o caso de um adolescente com pensamentos suicidas que decide se internar em um hospital psiquiátrico. É bem filmado, tem boas atuações, ótimos diálogos, e aquele ar de cinema alternativo que os cinéfilos adoram. Mas a distribuidora brasileira resolveu chamá-lo no Brasil de Se Enlouquecer, Não Se Apaixone. O título lembra muito outro filme famoso, certo? Pois a presença de Zack Galifianakis é a única justificativa para a aberração dessa tradução. Seja sincero: você se interessaria por um filme chamado Se Enlouquecer, Não Se Apaixone? Eu não. Mas ainda bem que eu procurei o nome original. Tive a oportunidade de assistir uma produção excelente, que não chegou às salas brasileiras, e graças à tradução ruim poderia ter passado despercebida por mim - como, tenho certeza, passou por muitos.

Este é um caso em que a tradução não é tão simples. Não ficaria muito mais atrativo se o nome brasileiro fosse É Uma História Um Tanto Engraçada. Mas há opções melhores que a escolhida, sem dúvida. Às vezes, é até melhor deixar o título pouco explicado. Vai que o filme tem uma continuação que brinca com o nome original, como Ocean’s Eleven e Meet The Parents. Onze Homens e Um Segredo até é um nome legal, mas Treze Homens e um Novo Segredo é forçar a barra. E o que dizer de Entrando Numa Fria Maior Ainda Com A Família? Triste.

E parece que há um prazer especial em ter que colocar algo em português. Quando o nome não precisa de tradução - por ser o nome de um lugar ou de uma pessoa - insistem em colocar um subtítulo, quase sempre ridículo. Pulp Fiction - Tempo de Violência, Erin Brocovich - Uma Mulher de Talento, Moulin Rouge - Amor em Vermelho e, o pior de todos, Taxi Driver - Motorista de Taxi. É, foi assim que o filme foi lançado no Brasil. Agora pense que você é um diretor que faz um filme de ação/suspense em que algo acontece mas você não conta nem no título, nem na sinopse, nem nos trailers, deixando toda a emoção para o momento do filme em si. Pois eis que chega uma distribuidora brasileira e estraga toda a sua estratégia ao colocar um infame subtítulo desnecessário: Cloverfield - Monstro. Pior que isso, só quando o título nacional é algo que o filme diz explicitamente que não é o que acontece, como Amnésia, péssimo nome brasileiro do excelente Memento.

Então, tradutores e distribuidoras, por favor, pensem bem antes de decidirem por um título nacional. Pensem na obra, no trabalho dos cineastas e, especialmente, no público que vocês podem atrair, ou não, com um título ruim.

23 outubro, 2011

Gigantes de Aço (Real Steel)

Desconhecia por completo a existência de Gigantes de Aço até ver um trailer poucas semanas atrás. A trama parece levemente interessante, a conhecida história do underdog, do azarão em quem ninguém acredita, feita com robôs. Depois, vejo que ele está insistentemente no topo das bilheterias da América do Norte. Calhou de nenhum dos outros filmes que me interessam estar passando no momento que tinha livre, e acabei entrando para uma grata surpresa.


Confesso que o nome de Shawn Levy me assusta. O diretor acumula comédias bobas - algumas no nível da vergonha alheia - e não parecia estar interessado em outro tipo de produção. Não sei se a iniciativa de dirigir um drama como este partiu dele ou se ele foi contratado, mas pouco importa. Ele tem aqui a sua chance de mudar o perfil, se quiser. A história, baseada em um conto da década de 50, e bem roteirizado por Joh  Gatins, tem mais elementos do que se esperava, e do que o trailer deixava aparecer.


Hugh Jackman foi uma escolha inteligente para o papel principal do ex-boxeador, atual treinador de robôs lutadores e pai ausente. Suas limitações artísticas encaixaram bem no personagem, dando mesmo uma credibilidade inesperada. A bela Evangeline Lilly, apesar de se esforçar e dar alguns sinais de boa interpretação, está no elenco simplesmente para embelezá-lo - o que, claro, ela faz muito bem. Mas, como tem sido comum no cinema norte-americano, é uma criança que rouba a cena sempre. Dakota Goyo - que apesar de compartilhar o nome com uma grande atriz mirim, é um menino - dá um baile em Jackman e preenche a tela com o talento que, aparentemente, Hollywood tem facilidade em encontrar nos pequenos. Acostumado às telas desde seus seis anos, já teve a honra de interpretar o Deus do Trovão Thor na recente adaptação, e aqui faz seu primeiro papel de destaque.

Gigantes de Aço é um drama ao mesmo tempo de superação e familiar, a história de um quase perdedor buscando seu lugar ao Sol, e de um homem aprendendo a ser pai. Bem ambientada em um futuro próximo crível - em que os robôs lutadores convivem com o cenário de prédios como os de hoje - o filme consegue focar no que é de fato interessante na trama, tomando o cuidado de não cair em muitos clichês. Como na própria história, pode ser um azarão que parte para conquistar algum destaque. Para os amantes da nova luta da moda, um ponto interessante: o motivo dos robôs boxeadores existirem é a conquista de público pelo MMA, e um bom resumo da história da luta, citando inclusive a família brasileira Gracie, foi bem inserido na trama.

09 outubro, 2011

Capitães da Areia



Lembro-me de ter lido - e descoberto - Jorge Amado na adolescência, com Capitães da Areia. Uma leitura deliciosa, nas passagens bem compostas, no tratamento cultural do cenário, na história rica. Confesso com alguma vergonha que não conheço a fundo a obra desse grande autor brasileiro, mas do pouco que li, Capitães sempre foi o meu preferido. Ainda é nítido pra mim o espanto de ver um livro tratar abertamente de assuntos que ainda eram controversos à época em que o descobri, e saber que a obra era ainda mais antiga, de 1937 para ser mais exato. Já havia ali uma visão que hoje ainda é rara.

Por isso recebi, como sempre, com um misto de ansiedade e apreensão a notícia de que seria adaptado para o cinema. Meu primeiro receio foi que caíssem na tentadora armadilha de atualizar a trama para os tempos atuais, mas maior ainda foi de que a profundidade da história fosse perdida em nome das bilheterias. Felizmente o comando da adaptação estava nas mãos de Cecília Amado, neta do escritor, que assina a produção, o roteiro e a direção. Ela, que já trabalhou como continuista em outra obra adaptada de seu avô, Tieta do Agreste, consegue passar para a grande tela um cenário com quase tanto sabor quando o livro - aplausos também para o co-diretor e responsável pela fotografia, Guy Gonçalves.

O elenco, a exemplo de outro grande filme nacional, Cidade de Deus, é composto em grande parte por não-atores mirins, muito bem recrutados e treinados. Toda a trupe de Pedro Bala é composta de rostos desconhecidos, mas que souberam transmitir como profissionais o misto de esperteza, maturidade e carência que forma a personalidade dos Capitães. Merecem destaque, além do próprio Pedro Bala feito por Jean Luiz Amorim, o Professor de Robério Lima, o Gato de Paulo Abade, e a Dalva de Ana Cecília. Mas o grande aplauso vai para a Dora de Ana Graciela, numa interpretação digna de prêmios.

A todos vocês que ainda viram o rosto e fazem caretas para o cinema nacional, Capitães da Areia é obrigatório, como foram o já citado Cidade de Deus e os dois Tropa de Elite. Além de ser cinema de primeira qualidade, é baseado em literatura brasileira de primeira qualidade. Claro, há concessões, e há faltas, mas o clima do livro, o charme, está todo lá. Espero que, além de levar multidões às salas, Capitães da Areia também desperte no nosso iletrado povo o desejo de conhecer mais esse grande autor.

28 setembro, 2011

Trabalhar Cansa

Existe uma vertente nacional que responde pelo nome popular de “novíssimo cinema nacional”. São cineastas jovens, muitos estreantes, e em comum a busca de romper alguns conceitos, e de unir outros. São experimentações como essas - por que já passaram boa parte da Europa e nossos hermanos argentinos - que fazem o cinema de um país ganhar uma personalidade. Infelizmente, é muito difícil que esses filmes cheguem ao circuito comercial - afinal, o lucro também move a produção cinematográfica. Mas é gratificante ver que estamos no rumo certo no momento certo. Enquanto produções nacionais já disputam salas e receitas com os blockbusters estrangeiros, as novas cabeças aproveitam a onda para obter os recursos necessários para existir.

Trabalhar Cansa é a estreia de Marco Dutra e Juliana Rojas em longas, e mistura os aparentemente opostos assuntos do drama familiar com suspense. A construção narrativa é bem mais convencional do que outros filmes do movimento, e mesmo que os curtas da dupla, mas nem por isso menos interessante. Há uma habilidosa transformação entre os gêneros no decorrer da fita, que a todo momento quase se sobrepoem.

De um lado, a nova empreendedora Helena, interpretada por Helena Albergaria, precisa fazer seu novo mercadinho de bairro funcionar, enquanto encontra sua personalidade como chefe e convive com mistérios no seu local de trabalho. Do outro, o marido Otávio, papel de Marat Descartes, vive o pesadelo da classe média ao perder o emprego de uma década e ver-se obrigado à busca infrutífera por um novo. Ambos são rostos desconhecidos que se saem muito bem em suas performances, evitando as caricaturas que seriam mais simples para os dois personagens e dando-lhes contornos mais profundos.

Muito pouco é explicado, e a própria construção dos personagens não obedece os formatos usuais de nenhum dos estilos usados. A brincadeira de passar de drama para suspense pode causar algum estranhamento, mas tem um efeito interessante: presta-se muita atenção. Exibido em Cannes na mostra Un Certain Regard, Trabalhar Cansa é um exemplo do que o cinema brasileiro pode abraçar muito em breve.

21 setembro, 2011

Larry Crowne (Larry Crowne)

Chegar ao topo da carreira, para um ator de Hollywood, significa ser capaz de geri-la sem muita interferência. Para alguns o caminho é fundar a própria produtora e continuar fazendo mais do mesmo, apenas ganhando duas vezes sobre o próprio trabalho. Para Tom Hanks, o sucesso representou a possibilidade de investir de fato no cinema. Ele começou, claro, produzindo, mas logo passou para o roteiro e a direção, estreando bem com The Wonders. Ele também ficou atento a novos talentos, e conseguiu pescar, de uma apresentação de stand-up comedy, a hoje conhecida Nia Vardalos - Hanks ajudou-a a transfornar o monólogo no divertidíssimo Casamento Grego.

E é com Nia Vardalos que ele divide o texto de sua última produção, Larry Crowne. Vardalos, depois daquele primeiro filme, não conseguiu o mesmo sucesso - na verdade, cada nova produção sua era um tanto pior que a anterior, ao ponto do quase constrangimento. Em parceria com Hanks o roteiro melhorou, mas ainda não despontou. Ele mesmo assina a direção, em um filme que parece feito para cumprir tabela.

A história, com o interessante mote da desconstrução do sonho americano como o não tão interessante trampolim para o, sempre ele, amor, tem poucas camadas. Com o próprio Tom Hanks no papel principal, atuando apenas o mínimo para ser convincente, Larry Crowne perde o emprego e é obrigado a rever tudo sobre sua vida - incluindo a perda do símbolo máximo do american dream, a casa no subúrbio. Sua parceira romântica é bem feita por Julia Roberts, numa atuação melhor que a de seu diretor. A participação especial do ex Star Trek George Takei no papel do professor de economia é excelente. E Wilmer Valderrama, rosto conhecido do seriado That 70’s Show, mostra potencial. Mas a melhor coisa do filme provavelmente é Gugu Mbatha-Raw, inglesa descendente de africanos que em seu primeiro papel em longas mostra uma ótima performance, fazendo frente ao regular Hanks com facilidade. Chego a pensar se, assim como com Vardalos, Hanks não estaria apostando na atriz novata com esse filme.

Apesar de simpático e tocante, falta algum vigor. Mesmo sem pretensão, o filme consegue avançar com bom ritmo - as mudanças físicas no personagem Crowne, promovidas pela colega de faculdade interpretada por Mbahta-Raw, quase sustentam esse ritmo. Aliás, é na relação entre Crowne e Talia - e não entre ele e a professora de Julia Roberts - que está praticamente toda a graça do filme, o que por si só diz muito em uma produção com a alcunha de comédia romântica. Há momentos engraçados, mas não há grandes risadas, assim como também não há muito romance. Um exercício de manutenção para Hanks, apenas um pouco de diversão para o público.

07 setembro, 2011

Os Smurfs (The Smurfs)


Se você viveu em pelo menos um pedaço dos anos 80, você certamente assistiu a pelo menos um episódio dos Smurfs. Se já nasceu nos anos 90 ou depois, ainda assim provavelmente conhece as criaturinhas azuis e sua música repetitiva. Os personagens nasceram em 1958 como personagens de quadrinhos, e ganharam fama na TV durante a década perdida - o último episódio inédito foi ao ar em 1989. Há muito fala-se em um retorno dos Smurfs, e finalmente os boatos viraram realidade. Confesso que fiquei um tanto receoso quando soube que fariam um longa metragem - não é simples transformar episódios de 20 minutos em um filme de 120. E ainda mais quando soube que haveria interação com atores reais, em Nova York.

Saber que a produção contratou Raja Gosnel para a direção tampouco ajudou a melhorar a situação. Seu currículo conta com bobagens como Esqueceram de Mim 3, Vovó Zona e os dois fracos filmes do Scooby Doo. Tudo revelava uma combinação de ingredientes pouco promissora. Só as imagens da modelagem por computador dos seres com três maçãs de altura dava algum alívio.

Mas, no fim das contas, a mistura deu certo. Além da computação gráfica excelente, a história conseguiu unir o charme dos episódios curtos às necessidades de um longa. E, vejam só, esse charme veio justamente do fato dos Smurfs acabarem em Nova York. O início, mostrando a Vila dos Smurfs na Floresta Encantada, gera suspiros de nostalgia nos adultos, e de expectativa nas crianças. Elas são, aliás, o grande público do filme - ao contrário de outros com a mesma origem que tentam agradar os trintões como se eles fossem pequenos. É por isso que Smurfs funcionou no cinema: usou o foco certo e fez um filme infantil simpático e agradável.

Claro, não foge dos clichês do gênero ao colocar o tom moralizante, na figura de um homem preparando-se para ser pai. Neil Patrick Harris, conhecido de diversas séries televisivas, faz seu papel sem exageros. Jayma Mays, seu par, já perde levemente a mão e não resiste à fofura azul. Hank Azaria, a quem coube o vilão Gargamel, estudou bem o personagem animado e atua com desenvoltura, inclusive na sua interface com o gato virtual Cruel - também excelentemente modelado e animado. Feito para crianças como deve ser, divertido e descompromissado.

06 setembro, 2011

Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes)




Planeta dos Macacos é parte do cabedal cultural de boa parte do ocidente. Mesmo que seja fácil encontrar alguém que, hoje, não assistiu ao filme original ou a alguma das continuações da década de 70, é difícil que algo da história não seja familiar. Pode ser a icônica cena final do primeiro, com a Estátua da Liberdade destruída, pode ser simplesmente a imagem de macacos falantes dominando o mundo, ou alguma das muitas frases que ultrapassaram as décadas. E, como toda herança cultural, há sempre muito barulho quando se mexe nela. O filme de Tim Burton de 2001, tecnicamente falando, não é ruim, pelo contrário. Mas a história foi muito mudada para que pudesse ser aceita - para quem não lembra, ou não viu, no original o astronauta cai num planeta dominado por macacos que descobre-se depois ser a terra no futuro; na versão de Burton, trata-se também do futuro, mas em um outro planeta, que para piorar, no final, revela-se extremamente parecido com a Terra, mas construída pelos macacos.

A nova tentativa de relembrar a história não busca mudá-la ou refazê-la, mas sim explicar suas origens. No original, a evolução dos macacos é atribuída à guerra nuclear - sempre ela nos filmes da época da guerra fria. Agora, um tratamento genético experimental faz um chimpanzé desenvolver inteligência superior à de um ser humano. Novamente, muitos não vão gostar tanto assim da explicação, e vão torcer o nariz. E, novamente, é um bom filme, tecnicamente falando. A produção é excelente, os efeitos especiais são soberbos, e os pequenos detalhes de roteiro feitos para os fãs ardorosos da trama original estão ali - cita-se a primeira viagem tripulada à marte, e o subsequente desaparecimento dos astronautas, sem falar nos nomes e alguns diálogos.

A grande sacada desta versão é a utilização da captura de movimentos e expressões. Andy Serkis, sempre ele, dá vida à Cesar, o chimpanzé super inteligente, com realismo. Ele chega a sutilezas como “evoluir” a forma de se movimentar, parecida com a de um primata comum, mas levemente aprimoradas. A atuação virtualizada de Serkis supera de longe a de James Franco como o cientista que cria a terapia genética. Felizmente, há a presença do veterano John Lithgow enobrecendo as cenas em que participa. Freida Pinto, conquistando Hollywood, não surpreende. Brian Cox aparece pouco mas convence bem, e Tom Felton, em seu primeiro papel pós Harry Potter, faz um personagem muito parecido com o seu Draco Malfoy - é ele que diz a fala mais conhecida do filme original, “Tire suas mão fedidas de mim seu maldito macaco sujo!”

A explicação, em si, é boa, por colocar Cesar em uma posição em que não restava muito a fazer senão tentar se impor sobre os pobre humanos intelectualmente inferiores. Falta alguma emoção em certas partes, e foi um certo exagero colocar o orangotango conversando com sinais com Cesar - dá a impressão de que ele, também, é extremamente inteligente antes de receber o remédio. Colocados lado a lado, deixando a emoção de fora, a versão de Burton ganha. Mas, por não contrapor tanto a história, esta vai agradar mais.

05 setembro, 2011

Amor a Toda Prova (Crazy Stupid Love)


É bastante possível que um número considerável dos filmes que chegam ao Brasil sejam comédias românticas. Estatisticamente, a maioria é só água com açúcar puro. Um outro bom número é bem fraco, e são bem poucos os que mostram realmente algum potencial, e menos ainda os que merecem a etiqueta de um filme muito bom. Amor a toda prova - uma tradução desnecessária de Crazy Stupid Love - está na faixa dos que mostram potencial.

Dirigido por Glenn Ficarra e John Requa, dupla que antes já havia comandado junto o bom O Golpista do Ano - aquele em que o Rodrigo Santoro faz uma ponta como namorado gay do Jim Carrey - e escrito por Dan Fogelman, que tem várias animações no currículo, incluindo os dois Carros, Bolt e recentemente o muito bom Enrolados. O filme não é todo bom, mas há algumas cenas e diálogos excelentes.

O elenco foi todo muito bem escolhido, começando por Steve Carell no papel principal do, como sempre, cara bonzinho, papel que o ator faz quase de cor. Sua parceira Julianne Moore, talvez por não ter se deixado acostumar com um personagem, ganha de Carell em todas as cenas. Mas ambos perdem para Ryan Gosling, sempre um bom ator em um papel competente - aqui, um conquistador cafajeste moderno. Apenas Emma Stone tem uma atuação fraca, exagerada e destoando do grupo. O elenco “infantil”, com Jonah Bobo e Analeigh Tripton, sai-se muito bem também - entre aspas porque Tripton, apesar de interpretar uma adolescente, já tem 23 anos.

As qualidades que fazem de uma comédia romântica grandiosa são raras. Infelizmente, são abundantes as que a fazem ser bem ruim. Amor a toda prova não chega a alcançar a grandiosidade, mas foge com charme das características ruins. Poderia explorar melhor alguns dos ótimos momentos, mas pelo menos os têm. Vale pela diversão descompromissada.

25 agosto, 2011

Lanterna Verde (Green Lantern)


Há alguns anos um site promoveu uma votação para a melhor arma da ficção. Valia qualquer arma de qualquer fonte - cinema, livros, desenho animado, videogames e, claro, quadrinhos. A discussão acalorada que se seguiu atraiu nerds, geeks e seres estranhos de todos os tipos, cada um ansioso por saber qual seria, afinal, a melhor arma já imaginada. Quando a lista saiu, divulgada, claro, em ordem inversa, a emoção crescia conforme os números baixavam, indicando a proximidade do primeiro lugar. Já tinhamos passado pela Mjolnir do Thor, pelos sabres de luz dos Jedi, por metralhadoras mega-blaster de vários videogames, até pela Estrela da Morte de Darth Vader. E a arma que, enfim, foi a vencedora, calou a todos. Era simples, e óbvio: o anel dos Lanternas Verdes. A arma que podia ser qualquer uma das outras, limitada apenas pela sua imaginação.

É de espantar, então, que o primeiro filme a mostrá-la na telona careça justamente de imaginação. A equipe de roteiristas, a maioria egressos de séries televisivas, não soube acertar o tom na forma de apresentar o herói. O ritmo é péssimo, exageradamente acelerado em algumas partes e penosamente lento em outras. Toda a parte da origem do anel e do herói - que seria a mais interessante neste primeiro - passa rápido demais. O vilão mal aparece e já é derrotado. O roteiro, inclusive, exagera nas “homenagens”. Hal Jordan é piloto filho de um piloto que morreu, e por isso trava algumas vezes em situação de perigo. Todos nós já vimos isso antes, em Top Gun. E tentar frases de diversos heróis para ativar o poder do anel? Homem-Aranha, o primeiro, usou a mesma coisa. Um dos vilões sempre teve ciúmes do herói por que seu pai o admira mais que a ele, seu próprio filho? Homem-Aranha de novo. E para completar a mistura, o diretor Martin Campbell, acostumado a filmes onde justamente o ritmo é essencial, como a série James Bond, não soube fazer um bom prato disso tudo.

Em compensação, os efeitos visuais são deslumbrantes. O uniforme de Hal Jordan, a que muitos torceram o nariz quando souberam que seria inteiramente em computação gráfica, é excelente, certamente uma evolução que os criadores dos quadrinhos não pensaram. O planeta dos Lanterna, Oa, é sensacional, e os Guardiões idem. A variedade de seres no planeta é incvrível - alguém mais viu um autobot? Ajuda no deslumbramento a bastante real e humana belíssima Blake Lively, mostrando que pode não ser só um rostinho bonito se se esforçar. Ryan Reinolds, no papel principal, exagera um pouco o tom para mais e para menos, nos dois momentos do personagem. Mas o destaque de atuação vai para o futuro vilão Mark Strong como Sinestro.

Infelizmente, rostos bonitos e CG sozinhos não sustentam um filme, e o resultado final é apenas médio. Acaba não sendo tão interessante, já que a parte da origem não é explorada, nem tão emocionante, já que as descobertas do herói e a batalha final são rápidas demais. Mas como é certo que virá uma segunda parte, esperemos pelo melhor.

17 agosto, 2011

A Árvore da Vida (The Tree of Life)





Terrence Malick filma há quase quarenta anos. Antes disso, formou-se me filosofia em Harvard e dava aulas da matéria no MIT. Apesar do tempo de carreira cinematográfica, tem só cinco longas no currículo. Sua estreia na sétima arte, Terra de Ninguém, espantou de tal maneira a crítica que seu filme seguinte foi ansiosamente aguardado. E assim tem sido desde então, apesar do diretor só lançar uma nova produção a cada 5 a 10 anos. Um novo filme de Malick é, portanto, um evento. Ouvir que sua última obra ganhou a Palma de Ouro em Cannes com elogios rasgados só aumenta a expectativa.

Todas as obras de Malick tem uma forte base em sua formação filosófica. Por isso mesmo, são todos filmes não muito fáceis de assistir, com construção e ritmo que torna frequentes as evasões das salas comerciais por onde passa. A Árvore da Vida é o resultado de uma carreira de quatro décadas, então todos as características do cineasta estão altamente apuradas - o que representa um esforço adicional exigido do público. A história aqui é contada uma parte pelos personagens, e outra, talvez maior, pelas imagens. A edição riquíssima contou com a participação do brasileiro Daniel Rezende, de sucessos nacionais como Cidade de Deus e os dois Tropa de Elite.

O elenco é mínimo - o que reforça a necessidade da história ser contada não apenas pelos personagens. Basicamente temos um pai, uma mãe e dois filhos - há um terceiro, mas que não participa ativamente da trama. A história gira em torno da família e da sua perda, e do vazio que isso deixa no irmão mais velho. Brad Pitt faz o pai, ao mesmo tempo duro e carinhoso, com uma atuação centrada ao extremo, cada expressão cuidadosamente elaborada. A mãe é vivida pela pouco conhecida Jessica Chastain, com uma performance excelente. O filho mais velho, quando criança, coube ao novato Hunter McCracken, que não deve em nada ao seus companheiros mais velhos; Sean Penn dá vida ao filho quando adulto, em uma participação pequena mas cheia de energia.

O filme é lento e não linear. Malick chega a abusar da atenção da audiência ao interromper o primeiro terço da fita com uma sequência de origem do universo e da própria vida - mas não se engane, há um motivo para isso. É o tipo de filme que cinéfilos e críticos amam, mas que o público geral estranha, tamanha é a diferença do estilo do diretor. É uma peça cinematográfica fantástica, em que cada pequeno pedaço tem sua razão de estar lá, mas nada é mastigado. Coloque a cabeça para funcionar e arrisque-se, pois vale a pena.

09 agosto, 2011

Capitão América - O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger)





Em um ponto precisamos tirar o chapéu para a Marvel. Sua estratégia de transformar seus quadrinhos em filmes é bem sucedida, e com o incrível adicional de conseguir amarrar, mesmo com diferentes diretores e produtores envolvidos, várias histórias para o esperado Vingadores. E um bom filme do Capitão América é justamente a peça que faltava antes da chegada do grupo de heróis - tanto que é o próximo lançamento da editora nas telonas. A expectativa com a primeira aventura do herói mais americano de todos provavelmente deixou alguns fãs mais puristas um tanto decepcionados.

É o primeiro filme de um super-herói dos quadrinhos, que será apresentado para um público que sabe pouco ou nada sobre ele. Isso significa, necessariamente, um bom pedaço da fita com formato drama, explicando quem é o personagem, como ele se torna o herói e as origens da sua personalidade. Nada de ação no primeiro terço da fita, e muito pouco no segundo também. Mas a ambientação, nos momentos mais quentes da Segunda Guerra Mundial misturado com o futurismo antecipado típico dos quadrinhos, dá um tom especial a esse começo. Joe Johnston, o diretor, foi escolhido justamente por isso, pela experiência com Rocketeer e O Céu de Outubro. É verdade que um diretor melhor tiraria mais da história, mas Johnston funciona bem.

O elenco conta com estrelas como Hugo Weaving fazendo um vilão levemente mais caricato do que o necessário, e um Tommy Lee Jones totalmente à vontade em seu papel. Stanley Tucci participa do início em uma excelente atuação, e o Capitão tem a companhia da bela e talentosa Hayley Atwell em boa performance. Mas é Chris Evans que espanta. Acostumado a papéis bobos e a filmes baseados em quadrinhos - este é o seu sexto - ele impressiona com a melhor interpretação da sua carreira. Dizem que ele quase implorou para que não usassem um outro ator, parecido e magro, para o início do filme, pois ele achava que os momentos iniciais eram chaves para o públicos e identificar com o personagem. Resolveram com uma computação grárfica espantosa - sim, não houve nem mesmo dublê de corpo, é o próprio Evans emagracido digitalmente. Sua atuação como o rapaz franzino, mas corajoso, encaixou perfeitamente com o Steve Rogers - acredito que mesmo os puristas mais radicais vão admitir isso.

O resultado final é um filme muito bom, capaz de mostrar um personagem já não muito utilizado nos quadrinhos hoje para um público que o conhece muito pouco. Alguns críticos apontaram defeitos como a “doçura” ao apresentar um cenário de guerra poetisado e quase ingênuo - houve um que apontou o Tenente Aldo Raine de Bastardos Inglórios como um Capitão América adaptado aos dias de hoje. Acho bobagem. O personagem foi mostrado como tendo vivido àquela época, e sujeito à imagem que se fazia da guerra então - além de ser mais fiel aos quadrinhos assim.

08 agosto, 2011

Assalto ao Banco Central





Em 2005 o Brasil foi palco de uma operação criminosa única. Mais de 160 milhões de reais em dinheiro vivo foram roubados do Banco Central de Fortaleza, através de um túnel cavado durante três meses ligando uma casa na vizinhança ao cofre do BC. Se alguém tivesse inventado essa história, já poderia valer um filme muito interessante. E os produtores de cinema brasileiros seriam muito desleixados se não transformassem em filme essa impressionante história real.

Sabe-se muito pouco do assalto real, o que dá liberdade para uma história mirabolante quando se pretende fazer ficção usando o fato como base. Nada explica, então, que o filme leve às telas uma operação quase espartana, contando com pouco mais que meia dúzia de bandidos. No momento de conceber o roteiro, havia a opção de tentar uma superprodução brasileira, ou algo mais modesto, com claras consequências de qualidade. Optaram pela segunda opção.

Estruturalmente, o filme é ótimo. Tem um elenco exemplar, contando com talentos do novo cinema nacional como Milhem Cortaz, Gero Camilo, Hermilia Guedes e Vinicius de Oliveira, juntos de nomes de peso como Lima Duarte e Giulia Gam, além de participações especiais do peso de Milton Gonçalves e Antonio Abujamra, todos em atuações bastante competentes. Tem um roteiro bem amarrado, com aqueles detalhes fora de eixo que tornam a história divertida, e tenta fazer um estilo vai e vem no tempo que, embora não tenha ficado excelente, ajudam a manter o ritmo.

Mas, ao que parece, essa história merecia uma superprodução. O defeito da fita é justamente a produção pouco elaborada. Uma pequena aprofundada no roteiro, uma boa dose de outros rostos no bando - sem a necessidade de introduzir características em cada um deles - e já teríamos um filme ainda mais rico e envolvente.

20 julho, 2011

Harry Potter e as Relíquias da Morte - parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2)



Como negócio, a franquia Harry Potter é certamente um dos maiores acertos tanto no mercado editorial quanto no cinematográfico. Basta dizer que a autora J. K. Rowling é hoje uma das pessoas mais ricas da Inglaterra. Dividir a última aventura do bruxo em duas para o lançamento no cinema foi uma tática excelente – sem muito esforço, mais que dobrou o faturamento da parte final da história. Já falando em qualidade de cinema, foi uma série com altos e baixos bem marcados. Tomo a liberdade de iniciar esta crítica com uma revisão rápida dos outros filmes.

O primeiro, a Pedra Filosofal, merece o mérito de ter apresentado o universo a todos aqueles que, como este crítico, não leram os livros. Também deve ser lembrado por ter, de cara, convidado alguns nomes chaves muito bons para o elenco, que se repetiriam ao longo de toda a série. Mas, mesmo lembrando que o público alvo era principalmente crianças na mesma idade dos personagens principais então, não chega a ser um filme excelente, em boa parte por conta das limitações do diretor Chris Columbus, o que faz do segundo, a Câmara Secreta, até um pouco menos empolgante que o primeiro. É exatamente isso que espanta com o Prisioneiro de Azkaban. O salto em qualidade, que vai do cuidado na fotografia à exploração dos atores, é notável, fazendo dele claramente o melhor e, à época, causando uma empolgação com o futuro da série que, infelizmente, não se concretizou por completo. Alfonso Cuarón dirigiu apenas esse, deixando um legado que seus sucessores não foram capazes de honrar. Mike Newel, que dirigiu o seguinte Cálice de Fogo, aparentemente foi chamado apenas para tapar o buraco, já que depois dele David Yates assumiu até o final. Newel até fez um bom trabalho, superando um pouco Columbus, mas claro que não ao ponto em que Cuarón deixou. Mas a bomba caiu com o primeiro dirigido por Yates, a Ordem da Fênix, o mais fraco. Provavelmente por inexperiência, já que antes desse não havia nada de muita qualidade no seu currículo. Faltou praticamente tudo aqui, gerando um filme insosso. Ele se recuperou no seu segundo, o Enigma do Príncipe, que mesmo sendo melhor que o anterior, ainda é médio demais para uma franquia desse porte. Aparentemente, ele estudou bem - ou foi muito bem assessorado - para os dois filmes da parte final, que subiram o tom a ponto de salvar a despedida do bruxo das telonas.

Com os personagens todos já exaustivamente apresentados, e com boa parte da evolução inicial deixada na primeira metade, o derradeiro filme pode começar com o ritmo certo - um dos problemas maiores de Yates. O filme flui bem, apesar de uma certa confusão de resolução no terceiro ato. Um dos problemas - na verdade causado já na origem, no livro - é a quantidade de personagens que participam em pedaços muito curtos. Felizmente, o elenco foi muito bem escolhido, e nomes do porte de John Hurt, David Thewlis, Jim Broadbent, Gary Oldman, Emma Thompson e o novato na série Ciarán Hinds fazem suas pontas com desenvoltura. Emma Thompson, aliás, mal faz uma ponta, aparecendo menos de dois segundos na tela. Uma pena que os jovens atores não tem ainda a experiência para dar um pouco mais do que o diretor consegue extrair. Familiarizados com seus personagens mas sem uma tutela forte, Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint acabam não sendo páreo para Helena Bonham Carter - que numa das cenas iniciais mostra o quanto talento e experiência contam - e Ralph Fiennes. Fazendo uma comparação, o mesmo não aconteceu em Prisioneiro de Azkaban. Radcliffe, sob a batuta de Cuarón, divide a tela com Oldman quase em pé de igualdade.

A história tem algumas falhas aqui e ali, claramente por conta do livro, com algumas escolhas feitas apenas para o óbvio final feliz, que acabam enfraquecendo a trama. A escolha do 3D justamente para esse final foi só para aproveitar o restante de hype sobre a tecnologia. Não assisti em 3D mas, como o filme é bastante sombreado, com a maioria das cenas com pouca iluminação, imagino que os óculos deixem tudo escuro demais. Mas tudo isso, claro, vem de uma análise que ninguém, exceto críticos - ainda que autointitulados - farão. A aventura e a diversão estão garantidas, e as emoções de um final grandioso estão todas lá.