27 novembro, 2011

Assalto em Dose Dupla (Flypaper)

O cinema como diversão pura pode surpreender às vezes. Quando entrei na sala para assistir Assalto em Dose Dupla - mais um exemplo de péssima tradução de título, apesar do original Flypaper dar realmente um pouco de trabalho para gerar um título com o mesmo sentido em português - sabia muito pouco do filme, além de que era uma comédia, envolvia um assalto (dã) e que dava a entender que haveria uma parte romântica envolvida - esta última parte mostrou-se incorreta, mas sem prejuízo.

Tivesse eu olhado para a ficha técnica, talvez pudesse ter esperado até mais. Roteirizado pela dupla que criou os personagens do excelente Se Beber Não Case, Jon Lucas e Scott Moore - perdoem-lhes pelo fiasco do segundo, não foram eles os responsáveis - e dirigido por Rob Minkoff, que tem em seu currículo a estrela maior da co-direção de O Rei Leão. O filme segue um bocado o esquema de Se Beber, com ritmo alucinante, nonsense, personagens ótimamente cômicos e uma história que só se revela totalmente na última cena.

O elenco cheio de rostos conhecidos para nomes nem tanto. Patrick Dempsey estrela a série Grey’s Anatomy, e faz um ótimo papel como o gênio com TOC que está mais interessado em resolver as charadas da situação do que em se proteger. Ashley Judd, uma grande atriz que infelizmente não tem muito espaço, faz um involuntário par romântico com Dempsey. Tim Blake Nelson, com sua cara irreparavelmente cômica, faz um dos assantaltes caipiras com uma atuação sensacional.

Típico filme de entre-temporadas, não vai fazer muito barulho e provavelmente não será lembrado por muito tempo. Não é tão engraçado nem tão inesperado como Se Beber Não Case, nem é uma das melhores comédias dos últimos tempos. Mas o ritmo acelerado, as constantes mudanças de situação e a absoluta falta de sentido garantem boas risadas. Para diversão pura e simples, e para quem quer fugir dos adolescentes em filas para a saga dos vampiros e lobisomens, é uma boa pedida.



24 novembro, 2011

A Pele que Habito (La Piel Que Habito)

Quem acompanha a carreira de Pedro Almodóvar sabe reconhecer um dos seus filmes com poucos minutos de uma cena aleatória. O mais famoso diretor espanhol tem uma queda para o nonsente, mistura humor com drama com facilidade, gosta de cores fortes, realmente saturadas, na tela, e muitas vezes coloca pedaços autobiográficos nos seus roteiros. Pois nem o mais fanático seguidor conseguiria reconhecer facilmente A Pele Que Habito como uma das suas obras. Provavelmente numa tentativa de experimentar algo novo, Almodóval fez seu filme mais sombrio - tanto em tema quanto em fotografia.

A história é um tanto perturbadora, e o formato não linear escolhido pelo diretor tenta torná-la ainda mais dramática. É difícil classificar o filme, que pende do drama ao suspense, mas sem realmente se prender a nenhum deles. As idas e voltas na linha do tempo não são suficientes para prender a grande surpresa do filme por muito tempo, e com isso o choque que poderia ser muito grande acaba sendo apenas uma breve constatação.

Antonio Banderas, antigo parceiro de Almodóvar, volta a trabalhar com o diretor depois de mais de duas décadas. Ao contrário do personagem nerd-boboca de Ata-me, Banderas aqui faz o médico Robert, com a desenvoltura que os anos de carreira lhe conferem - mas ainda um tanto exagerado para um suspense que não acontece. Elena Ayala, que também já trabalhou com o diretor, faz um bom papel, mas o destaque vai para a veterana Marisa Paredes que, adivinhem, também já esteve sob a batuta de Pedro. Na pele da única personagem que sabe de tudo o que acontece, ela parece ser também a única atriz que conseguiu colocar algum senso no que estava fazendo.

A experiência é sempre louvável, e um diretor do porte de Almodóvar, ainda que em terreno desconhecido, sabe o que faz. É possível ver a qualidade dos diálogos, dos ângulos de câmera, mesmo da fotografia. Mas algo na produção não convence. Mesmo com todos os elementos parecendo conspirar a favor, faltou a magia que costumamos buscar nos filmes do espanhol.

05 novembro, 2011

Contágio (Contagion)




O que os filmes Eu Sou a Lenda, Ensaio Sobre a Cegueira e Epidemia tem em comum? Todos falam de uma doença misteriosa que abateu-se sobre grande parte da humanidade em pouco tempo, causando caos, revoltas, perda da humanidade e, em um dos casos, vampiros zumbis. É um tema batido, parte do velho medo humano do apocalipse, que volta e meia aparece - os citados são apenas uma parte deles, os que lembrei assim de pronto. Apenas um, baseado na obra sensacional de Saramago, é de fato um bom filme. E agora um grande diretor, Steve Soderbergh, resolve arriscar o mesmo caminho.

A fórmula parecia promissora. Além de Soderbergh, um elenco repleto de grandes nomes. Matt Damon, Gwineth Paltrow, Laurence Fishburne, Jude Law, Kate Winslet, Eliot Gould, Marion Cotillard, são tantas estrelas que não há tempo na tela para todas. E, ainda assim, o filme se perde. O roteiro, assinado por Scott Burns - o mesmo de O Desinformante e Ultimato Bourne - parece ser a peça que não se encaixa na equação.

As atuações boas da maior parte do elenco não são suficiente para segurar a história. O começo é bom, com tensão e ritmo, e várias tramas paralelas conseguindo amarrar umas às outras. Tudo segue rápido e coerente, até o ponto em que, aparentemente, Burns não soube mais o que contar. Então o ritmo se perde completamente, as histórias se tornam fios soltos, e nenhuma resolução se apresenta. Há, em alguns momentos, indícios de que o ponto chave seria as consequências do desespero sobre a sociedade; em outros, parece ser uma crítica à forma como os poderes governamentais gerem situações como essa; há mesmo um início de drama familiar. E nada evolui, ao ponto de o final ser uma decepcionante e desnecessária volta ao começo.

É decepcionante ver tantos talentos desperdiçados. Houve até uma ação de divulgação muito interessante com o nome do filme sendo formado por bactérias de verdade em uma placa. O trailer chamava atenção - apesar de lembrar aqueles filmes citados no primeiro parágrafo. Mas nem mesmo Soderbergh, nem mesmo um elenco com mais estatuetas e indicações que os caracteres no nome do filme foi capaz de salvar Contágio.

01 novembro, 2011

O Palhaço - por Adelino Neto

Às vezes um amigo seu assiste a um filme que você quer muito ver antes de você. Às vezes esse amigo tem também um senso crítico aguçado para a sétima arte. Às vezes você faz uma oferta sem pensar muito, e depois tem que cumprir. Sem mais delongas, é com orgulho que o Parada Crítica apresenta seu primeiro post de convidado, com a crítica de O Palhaço por Adelino Neto:



Eu acredito muito em dom. E quando um dom é reforçado por estudo e trabalho duro, essa pessoa acaba se tornando um gênio. Eu estou falando do ator, diretor e roteirista Selton Mello. Não que eu o considere um gênio, mas é notório o seu dom. E já que ouvi e li por aí sobre o seu excessivo comprometimento com o trabalho, é apenas uma questão de tempo para poder afirmá-lo como gênio.

Já vi várias séries e filmes protagonizados pelo ator. Dentre eles, Lavoura Arcaica e Cheiro do ralo são os meus preferidos. Atuações que eu o senti mais “dentro” do personagem. E até o momento, havia visto apenas um filme que ele escreveu e dirigiu. O curta-metragem Quando o Tempo Cair. Ali eu percebi uma veia mais, digamos, poética e intimista. Com a pretensão de ser despretensioso. Trocadilho pode, Arnaldo? No seu currículo, se não me engano, ele escreveu e dirigiu mais dois longas e alguns vídeo-clipes.

Mas eu estou fazendo esse preâmbulo todo apenas para dizer que no fim de semana eu finalmente assisti seu último longa-metragem, O Palhaço. Fui ao cinema sabendo que assistiria algo bom. Mas, vi bem mais do que isso. Vi uma obra madura, de um cara que, atrás das telonas, nem é tão maduro assim.

O filme, escrito, dirigido e protagonizado pelo próprio Selton, narra as aventuras da trupe de um pequeno circo, que leva o nome de Esperança, pelo interior de Minas Gerais. Inclusive por Passos, cidade natal do Diretor. A responsabilidade de gerir a empresa está nas mãos, melhor, nas costas do filho do dono do circo, Selton, que luta contras suas inseguranças, angústias e dúvidas. Um triste palhaço que nasceu no circo e tem a responsabilidade de cuidar do mesmo. De resolver todos os problemas técnicos e logísticos da empresa sem uma participação ativa do pai, dono do circo e dupla de “palhaçada” no picadeiro, o sempre excelente Paulo José.

A fotografia impressiona por mostrar a beleza de um cenário que, a olho nu, as pessoas nem reparariam: morros, campos, canaviais e pequenas cidades interioranas. O figurino, maquiagem e direção de arte são outros pontos que merecem destaque. Junto com o texto timidamente cômico e dramático, e, claro, a impecável atuação de todo o elenco.

Palmas para a sacada genial de homenagear artistas que estavam desaparecidos do grande público e que deram um verdadeiro show: Jorge Loredo, mais conhecido como Zé Bonitinho, Luiz Alves Pereira Neto, o famoso Ferrugem, Moacir Franco, Teuda Bara e o próprio Paulo José.

O Palhaço passa a sensação de simplicidade, apesar dos detalhes complexos. Fato que só os bons roteiros conseguem. A leveza e o intimismo parecem a de um filme despretensioso. Mas, não se engane. Se você entrar na sala com o intuito de apenas se entreter, ótimo. Sairá da sessão leve, tranquilo e feliz. Nada de mais. Mas, se por acaso decidir se envolver com o personagem, ou com os personagens, prepare-se. Você se surpreenderá.
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Adelino Neto é Diretor de Criação e sócio da FCS Bem Pensado, de Cuiabá, além de cineasta inconformado, prestes a iniciar seu primeiro curta-metragem.