30 dezembro, 2011

O Garoto da Bicicleta (Le Gamin au Vélo)

É inegável: enquanto o cinema estadunidense tende a buscar histórias mirabolantes, que exigem produções caríssimas e efeitos especiais, o cinema europeu prefere a simplicidade das relações humanas nada simples. O Garoto de Bicicleta é um filme cheio de camadas, escondidas por trás de uma trama tão cotidiana que somos capazes de nos relacionar com ela quase imediatamente.

Os cineastas e irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne não são muito conhecidos do grande público, mas são figurinhas fáceis nos maiores prêmios internacionais de cinema, incluindo quase meia dúzia de Palmas de Ouro, entre indicações e pêmios, incluindo este. Tiveram algum destaque com seu filme mais famoso, O Silêncio de Lorna, mas contam mais de quinze produções, tendo em comum o mesmo aspecto de histórias cotidianas cheias de interpretações.

Aqui, os irmãos Dardenne contam o caso de Cyril, um garoto abandonado pelo pai em um orfanato, que busca suas duas maiores paixões: o próprio pai, e sua bicicleta. Intermédios do destino unem Cyril, muito bem interpretado por Thomas Doret, e a cabeleireira Samantha - único rosto possivelmente conhecido, já que a atris Cécile de France atuou em Além da Vida, de Clint Eastwood. Samantha é a típica samaritana, de paciência quase sobrehumana. Largado pelo pai, descontente com o orfanato e ainda incapaz de se relacionar com Samantha, Cyril é presa fácil para marginais que o seduzem para o crime.

A bicicleta, tornando-se o único ponto de permanência na vida do garoto, é uma metáfora bem trabalhada dos sentimentos confusos a que uma criança nessas condições está sujeita, e é com esse cuidado que os Dardenne levam a história evitando habilmente clichês que pegariam facilmente cineastas menos desenvoltos. Menos um: o final desnecessariamente vago poderia ser melhor trabalhado.

05 dezembro, 2011

Melancolia (Melancholia)

Lars Von Trier não veio ao mundo do cinema à toa. Um dos autores do Dogma95, o movimento cinematográfico dinamarquês que pregava a simplicidade nas produções - e que foi solenemente ignorado pelos próprios criadores do manifesto - ele gosta de polêmica. E detesta os Estados Unidos. Nunca esteve lá, segundo ele mesmo diz, mas vários de seus filmes são críticas abertas à sociedade estadunidense. Alguns de seus melhores filmes, inclusive, Dogville e Manderlay, são verdadeiros tapas na cara. Dizem que foi ele que, com Os Idiotas, começou a onda de filmes de arte com cenas de sexo explícito. E, para completar, ele faz declarações propositalmente provocativas em grandes eventos - o que o levou a ser expulso de Cannes este ano.

Talvez por isso ele não tenha ganho a Palma de Ouro a que foi indicado, apesar da recepção calorosa da crítica por seu Melancolia. Que não tem nada de polêmico, apesar de ser muito bom. O filme, todos sabem, trata de eventos que acontecem na vida de duas mulheres e do fim do mundo. A sequência inicial é um longo prólogo todo em câmera super-lenta que, apesar de poético e belíssimo, é um tanto cansativo. Lars não gosta de facilitar para seus espectadores. As duas partes seguintes, no entanto, são bem tradicionais - no sentido “cinema independente” da coisa. É bem verdade que, ao contrário de outros dos seus filmes, aqui a câmera sempre tremendo e constantemente perdendo o foco no segmento Justine ficou um tanto artificial.

A produção é muito boa, e cheia de nomes consagrados. Kirsten Dust faz o melhor papel da sua carreira - levou a Palma de Melhor Atriz em Cannes por ele, e divide a tela com Kiefer Sutherland, John Hurt, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling e com Charlotte Gainsbourg, que faz o papel mais fraco do elenco. O tom da fotografia, toda em cores pastéis e quase sempre meio sombreada, anuncia o fim do mundo que está por vir, com a proximidade do planeta Melancolia. É no tratamento quase trivial dado à inexorável destruição da Terra, entretanto, que está a grande qualidade do filme.

Mesmo sendo dos mais tradicionais que Lars Von Trier já fez, ainda assim não é um filme que vá agradar facilmente a todos. Por isso mesmo, entrou em cartaz aqui em circuito bastante restrito, mas felizmente é possível encontrá-lo ainda hoje em sessões cult - que foi o meu caso.