Falar sobre A Dama de Ferro é falar sobre Meryl Streep. O filme basea-se profundamente na personalidade marcante da primeira - e até hoje única - mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra do Reino Unido. E a atuação marcante de Streep é o pilar que sustenta toda a produção. Então, ao invés de falar sobre A Dama de Ferro apenas, resolvi fazer um artigo sobre atuação. O filme ganharia 4,5 estrelas no Parada Crítica, caso estejam curiosos.
Uma produção cinematográfica é um imenso composto, com centenas de partes, e quanto melhor é a mistura de tudo, melhor é o filme. Mas, claro, o aspecto mais marcante do produto final costuma ser a performance dos atores. Dentre os vários ingredientes que compõem um filme, poucos são capazes de sustentar quase sozinhos a história, e a atuação pode ser um deles. É relativamente fácil perceber uma atuação grandiosa como a de Streep no papel de Margaret Tatcher. Meryl Streep é uma grande atriz - 17 nomeações ao Oscar, e 3 estatuetas, não são para qualquer um. A marca de uma boa atuação é a distância que o personagem na tela tem da pessoa real do ator, e de outros papéis que ele já interpretou. A Dama de Ferro de Streep é uma pessoa completamente diferente da Julia Child em Julie&Julia, e diametralmente oposta a Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada, que por sua vez não tem nada a ver com a Donna de Mamma Mia - que, aliás, foi dirigido pela mesma Phyllida Lloyd de A Dama de Ferro. A atriz realmente incorporou as personagens, tornou-os realistas. Não é uma tarefa fácil. O mundo da produção audiovisual está cheio de atores que só sabem fazer um único papel - o Brasil, infelizmente, é marcante nesse sentido nas novelas. Claro que aqui também temos grandes exemplos, muitos inclusive. Wagner Moura talvez seja hoje o mais em voga. Conseguiu com seu Capitão Nascimento uma marca exemplar - e, novamente, é uma pessoa diferente do malandro Boca de Ó, Paí, Ó, do Pedro de Romance e do Zero de O Homem do Futuro. Seu conterrâneo Lázaro Ramos é outro bom exemplo, e podemos citar também Selton Melo, Matheus Natchergaele, Fernanda Montenegro, e muitos outros.
Sem tirar o mérito, grandioso, desses artistas, arrisco dizer que a marca de uma grande interpretação está em fazer dois papéis diferentes na mesma obra. O primeiro grande papel de Edward Norton foi em As Duas Faces de um Crime, fazendo um papel duplo de um jovem atordoado com dupla personalidade. Ele conseguiu retratar duas pessoas, muito diferentes, ao mesmo tempo, uma dentro da outra, em um efeito que fica ainda mais forte com a surpreendente revelação final. É isso que faz um filme basicamente de ação como A Outra Face ser muito interessante. Nicolas Cage e John Travolta fazem cada um o personagem do outro em boa parte do filme. O tempo é curto para que cada personalidade seja marcada antes que sejam trocados os rostos. Como também foi curtíssimo o tempo que Paul Dano teve para criar os irmãos Sunday em Sangue Negro - o primeiro irmão aparece rapidamente no começo do filme apenas.
Agora, numa opinião ainda mais arriscada, ouso dizer que talvez o melhor exemplo de uma dupla atuação seja Christopher Reeve na série Superman. Explicando: ele deu à dualidade Clark Kent/Superman uma sutileza de nuances muito difícil de ser atingida - e o que explica porque, depois dele, nenhum outro Homem de Aço foi tão marcante. Nós sabemos que Kent é o Superman, desde o começo, e ainda assim eles são pessoas diferentes na tela. Não é apenas o óculos - é aqui que os outros atores erram. Reeve mudava tudo ao passar de um para o outro. Dos trejeitos mais identificáveis como o falar com o canto da boca como Kent, à linguagem corporal única de cada personagem. Superman é confiante, consciente de que deve transmitir essa confiança, sabedor do poder e das responsabilidades que possui. Ele adota sempre uma posição ereta, com o peito estufado, anda como alguém com total controle do seu corpo, tem os olhos que emanam bondade e justiça. Clark Kent, ao contrário, é desengonçado, mal acostumado ao seu tamanho, tem os ombros levemente pra frente e as costas levemente curvadas, os olhos tímidos e muitos cacoetes. Por isso, em uma cena marcante no primeiro filme, quando Kent está prestes a se revelar como Superman para Lois Lane, Não há mudança de roupa, nem mesmo o óculos é tirado. De um segundo para outro, Kent torna-se Superman, mas ainda vestido de Kent. Fazer essa marca aparecer dessa forma exige um ator com muita preparação, e muito ensaio. E é apenas isso que torna praticamente crível que o disfarce de um herói possa resumir-se a um par de óculos. Na verdade, o disfarce é transformar-se totalmente em outra pessoa, com linguagem corporal. Isso acontece várias vezes - sempre que Kent deve transformar-se em Superman - mas normalmente a roupa faz essa sutileza se perder. É aí que uma grande atuação fica marcada, quando não são apenas expressões faciais e voz, quando o corpo todo atua, quando a pessoa muda por completo. É nisso que falhou Brandon Routh no último filme, e esse será o grande desafio de Henry Cavill no novo. Se você ainda não viu a quadrilogia original do Superman - ou se viu mas não reparou nessas nuances, recomendo que assista ou reveja, com olhos críticos na atuação de Christopher Reeve. Da próxima vez que você estiver diante de uma atuação grandiosa, certamente vai poder medir melhor a força que o artista colocou no papel.