06 abril, 2010

Chico Xavier




Biografias são peças difíceis de serem criadas. Há pouco espaço para se falar da vida de personalidades sempre interessantes o suficientes para merecerem uma. Cinebiografias, assim, são ainda mais complexas, pois o espaço é sensivelmente menor. Por isso, quando bem feita, resulta em um filmaço, partindo para o lado oposto com praticamente qualquer deslize. Nesse tipo de história, escrita ou filmada, faz-se concessões e cortes, mas sempre visando dar um retrato mais ou menos fiel da pessoa, normalmente cobrindo aspectos que poucos conhecem. Foi assim com a história de Ray Charles, que mostra o conflito entre o sucesso na carreira e desabamento pessoal pelas drogas; com João Estrella e a mistura do rapaz bem educado e carismático com o tráfico; Charles Chaplin, entre o seu cinema, suas mulheres e sua figura política. Nos bons exemplos, sempre há algum aspecto não muito engrandecedor mostrado.

O filme sobre Chico Xavier não vai por esse caminho. Sofre do problema das cinebiografias ruins, que é passar um retrato caricato da personalidade mostrada. Faz a péssima opção pelo maniqueismo nada disfarçado, mostrando uma pessoa que parece uma princesa saída de um roteiro ruim recusado pela Disney, com sua candidez e bondade inimagináveis. E basta uma pesquisa rápida para sabermos que nem mesmo Chico Xavier foi assim. Deixaram convenientemente de lado, por exemplo, pedaços do início da "carreira" de Chico em que ele participava com outros médiuns de sessões que mais lembravam um show de ilusionismo, com truques que incluiam jogos de luz e espelhos e fumaça, o que impressionava facilmente as comunidades carentes que eles também convenientemente escolhiam para estar. Ao contrário do que possa parecer, abordar momentos como esse não tiram a dignidade do retratado. Ao contrário, possivelmente mostrando mais humanidade consegue-se criar uma ligação ainda mais forte com o sentimento que se quer despertar nos espectadores.

Como peça cinematográfica, à exceção dos deslizes de roteiro, é um bom filme. A opção de pontuar a história com a entrevista de Chico no programa Pinga Fogo, por exemplo, é excelente. Há algumas atuações muito boas, como a do menininho que faz Chico criança, e Luís Melo como seu pai. Angelo Antônio e Nelson Xavier preocupam-se muito em não torná-lo muito caricato quando, na verdade, ele era - o que fica em claro nas ótimas cenas reais do programa mostradas ao final. Algumas participações femininas muito boas foram infelizmente pouco utilizadas.

O filme foi feito não para prestar uma homenagem a Chico Xavier, mas sim para perpetuar a aura mística que sua vida criou - ou seja, pouco mais que truques para uma comunidade carente um pouco maior. Havia mais a se falar dele e, repetindo, coisas que provavelmente ajudariam a torná-lo uma figura ainda mais interessante. Afinal, ele escreveu mais de 400 livros. Se foram ou não ditados a ele, não importa, é uma produção mais vasta do que a maior parte da população brasileira vai ler em toda a vida. Optar pela tendenciosa forma de mostrá-lo como um santo só nos afasta do homem extraordinário que ele certamente foi.

2 comentários:

Anônimo disse...

Achei interessante a crítica e me interessei pela passagem que diz: "Deixaram convenientemente de lado, por exemplo, pedaços do início da "carreira" de Chico em que ele participava com outros médiuns de sessões que mais lembravam um show de ilusionismo, com truques que incluiam jogos de luz e espelhos e fumaça..."

Gostaria de saber qual a fonte desta informação sobre o início da carreira dele.
Carlos Silva

Tiago Mota disse...

Carlos, há diversas fontes, livros e reportagens que falam sobre a carreira de Chico Xavier. Mas, para uma fonte mais clara - e bem fácil de achar - a reportagem de capa da Superinteressante deste mês fala disso.