31 dezembro, 2007

A Bússola de Ouro (The Golden Compass)




O homem e geral, e o cinema em particular, parecem ter uma certa fixação pelo 3. É quase inacreditável a recorrência do número em diferentes usos, sempre no sentido de três coisas formando uma outra, maior. A adaptação cinematográfica da série Fronteiras do Universo, de Philip Pullman, foi anunciada como a maior trilogia do cinema desde Senhor dos Anéis. Os livros em que se baseia, assim como os de Tolkien, são fartos de descrições fantásticas e relações profundas. Pullman tem uma vertente um pouco mais metafísica, unindo pitadas de conhecimento científico a simbologias religiosas. O mundo que é base da aventura tem uma interessante peculiaridade: cada pessoa possui um animal que lhe faz companhia constante, compartilhando emoções e até sensações físicas; como apresentado pelo autor, é como uma alma, externa à pessoa, chamada daemon. Além dessa, várias outras referências místicas do gênero estão presentes.

A produção teve uma história longa, com trocas de diretores e roteiros, até que Chris Weitz ficou com os dois. Ele foi um dos roteiristas de Formiguinhaz, o segundo longa de animação de um grande estúdio, e escreveu e dirigiu o simpático Um Grande Garoto. Infelizmente não cheguei a ler o livro em que o filme se baseia antes de assisti-lo - um erro, admito. Mas não é difícil perceber que vários cortes e exclusões foram necessários para que a história coubesse nas curtas quase duas horas da versão final. Havia, certamente, muito a se falar - e isso aparece nos vários níveis em que a história entra de relance em certos momentos.

O que a produtora poupou no roteiro, utilizou no resto. A produção é excelente, a utilização dos efeitos especiais é ótima, e o elenco é grandioso. Uma pena utilizarem tão pouco - pelo menos nessa primeira parte - de nomes como Christopher Lee e Eva Green. Mas é um prazer conhecer Dakota Blue Richards, a garotinha que protagoniza a fita e mostra muita desenvoltura na sua primeira atuação no cinema.

A sensação de que poderia ser algo mais é inevitável. Não são poucos os momentos em que vemos uma história complexa e profunda aparecer na superfície, para logo depois mergulhar novamente. Algo fez com que a New Line não quisesse apostar alto nesse filme - talvez o fiasco Eragon a pouco mais de um ano - mas, aparentemente, há aqui algo que vale muito a pena ser contado da maneira certa. Não há ainda rumores da produção da segunda parte, A Faca Sutil. Esperemos que uma revisão seja feita e que não apenas continuem a trilogia, mas também que explorem nas duas partes que faltam o que esta deixou a desejar.

30 dezembro, 2007

Santos e Demônios (A Guide to Recognizing Your Saints)




Vez por outra no cinema somos surpreendidos por um nome desconhecido e uma história envolvente. O filme Santos e Demônios é a estréia na direção de Dito Montiel, que assina também o roteiro e o livro em que se baseou, sua autobiografia. A história em si não é tão desconhecida: o rapaz que mora em um bairro pobre de Nova York e consegue escapar do círculo vicioso que já estava preparado para ele.

O que impressiona é como Montiel filma. Suas imagens, fortes sem precisar chocar, e a sua montagem são dignas de um cineasta experiente. O filme interpõe muito bem o pensamento do jovem Dito, ainda em Astoria e sonhando para sair, com o do personagem já maduro, que retorna para tentar cuidar do pai - e retomar a linha do seu passado. É muito fácil concordar com a vontade do autor de se livrar daquele ambiente hostil e nocivo, ainda que nele estejam suas raízes e que haja aspectos positivos. Quando todos vão contra o desejo de ir embora, sentimos a empatia habilmente trabalhada pelo novato diretor, que tem ainda a sensibilidade de dizer apenas o mínimo necessário, apenas o que nos fará compreender a história.

A produção foi muito bem ancorada com um excelente elenco. O jovem Shia LaBeouf, o astro do momento, representa o jovem Dito, e não deixa nada a dever para o experiente e eficiente Robert Downey Jr no mesmo papel, como adulto. Chazz Palminteri e Diane West são coadjuvantes no papel dos pais, e ajudam o jovem astro a conduzir sua atuação na medida. Outros rostos conhecidos aparecem, mas o brilho do filme está nesses quatro.

Uma boa surpresa, é como podemos chamar Santos e Demônios. Uma excelente estréia de Dito Montiel, mostrando boa mão no roteiro e na direção, e manipulando muito bem o estilo "filme de bairro de Nova York". Há na película momentos realmente soberbos, como quando os personagens se apresentam falando não apenas os nomes, mas também dando um resumo da sua personalidade - e indiretamente dizendo como isso afeta o personagem principal. Pena que a tradução do nome perca um pouco essa característica, da busca do personagem pelo que havia de bom nas raízes que abandonou. O diretor novato já tem uma nova produção em andamento, com estréia prevista para 2008. Vale conferir se a qualidade que mostrou aqui se mantém e, quem sabe, colocá-lo como candidato a um posto entre os melhores diretores da nova geração.

26 dezembro, 2007

O Sobrevivente (Rescue Dawn)




Werner Herzog é um dos maiores cineastas vivos. Sua importância supera Spielberg, Scorcese e mesmo Copolla. Seu currículo possui 54 produções, sendo que em 44 delas assina também o roteiro. Tem um apreço especial por histórias reais, e é nelas que estão suas obras mais conhecidas, como a de Kaspar Hauser e, recentemente, do homem-urso Timoty Treadwell. É sabidamente o único diretor que foi capaz de controlar o explosivo ator Klaus Kinski, que foi também um dos melhores amigos de Herzog e fonte de um documentário do diretor. Uma apresentação dessas faz com que assistir a um filme dele seja, por si só, um acontecimento.

O Sobrevivente é, como bem gosta o alemão, uma história real, de um piloto alemão naturalizado norte-americano que cai na sua primeira missão na guerra do Vietnã, e é capturado. Herzog tem a habilidade de nos colocar na pele dos seus protagonistas, e aqui ela é usada com primazia. Em diversos momentos no filme temos rápidas incursões em primeira pessoa, mostrando como o soldado Dieter Dengler vê o ambiente hostil em que está perdido. Também passamos vários minutos sem ouvir uma palavra inteligível - ou seja, os diálogos na língua vietnamita não são legendados, e o personagem principal nada fala. Essa combinação nos transporta muito facilmente para a floresta tropical que é cenário do filme, e cria uma empatia única com o protagonista.

Alguém capaz de trabalhar seguidamente com Kinski só pode ser um bom diretor de atores, e Herzog demonstra isso a cada cena no filme. O tenente retratado por Christian Bale é ousado e bem humorado, mesmo nos momentos mais difíceis. Bale é experiente em estar perdido no meio de uma guerra. Um dos seus primeiros filmes, ainda criança, foi o excelente Império do Sol de Spielberg. Aqui ele contracena com Steve Zahn, que demonstra uma excelente atuação, finalmente saindo das comédias bobinhas em que costuma atuar. E é preciso também elogiar Jeremy Davies no papel do perturbado Gene. Alguns dos soldados vietnamitas estão tão bem retratados que quase sentimos que são reais.

Infelizmente, como muito do bom cinema, Herzog não é para todos. A sua utilização da linguagem cinematográfica espanta muitos - especialmente aqueles mais afeitos a piadas escatológicas, efeitos especiais e roteiros óbvios. Ao contrário dos nomes a quem o comparei no primeiro parágrafo, ele filma muito pouco para a massa, e seus filmes são sempre densos. Para quem tem algum apreço pelo cinema como arte, todos os títulos do diretor são obrigatórios, e este não é diferente.

20 dezembro, 2007

Bee Movie - A História de uma Abelha (Bee Movie)



O começo do século XXI marca a passagem das animações computadorizadas para um novo patamar na indústria de cinema. Antes os nomes famosos restringiam-se às vozes dublando os personagens; agora, grandes personalidades do cinema aventuram-se na era digital. Já tivemos produções em 3D dirigidas por gente de peso como Robert Zemeckis e Luc Besson. A equipe da Aardvark Animation deixou seus bonecos de stop motion para filmar no computador. Bee Movie avança um pequeno passo, colocando o famoso comediante Jerry Seinfeld não apenas dublando o personagem principal, mas também escrevendo e produzindo. A própria idéia do filme saiu de Seinfeld, numa conversa informal com Steven Spielberg e depois de longas insistências de Jeffrey Katzenberg - presidente da Dreamworks Animation - para que aquele participasse de um filme de animação.

O comediante de Nova York conta a história de uma abelha recém formada que descobre que os humanos lucram com o mel que aqueles insetos produzem, e decide processar toda a humanidade por isso. Em meio às tradicionais confusões esperadas de uma animação e às piadas com referências diversas, a fita caminha bem. Era de se esperar um humor um pouco diferente de quem assina o roteiro. Seinfeld, aparentemente, ficou receoso de caprichar tanto no seu habitat e tornar o filme inapropriado para o seu público principal, as crianças.

Há o aspecto levemente inusitado de transformar o filme em uma história de tribunal, a boa utilização das características próprias das abelhas, e a animação sempre bela e fluída, mas já não é um roteiro que encante - é preciso lembrar que este ano tivemos a obra-prima Ratatouille. Passada a primeira fase do 3D, estamos em um interlúdio - como o que o cinema já passou sempre que uma nova tecnologia era apresentada - e o estúdio de Spielberg, que antes concorria nariz a nariz com a Pixar, agora está bem atrás, fazendo apenas o "feijão com arroz". Simpático e divertido, sim, mas faltou aquela pitada de algo mais que Jerry Seinfeld poderia acrescentar.

15 dezembro, 2007

Across the Universe (Across the Universe)




A própria idéia já é de certa forma genial: um musical utilizando canções e referências dos Beatles. E como ninguém pensou nisso antes? Bem, ninguém tinha, e Julie Taymor pensou. A diretora conhecida pelo excelente Frida concebeu a história, e nos presenteou com uma peça audiovisual memorável. Mais do que simplesmente utilizar as músicas, o filme é repleto de outros pontos de contato, desde o nome dos personagens até pequenos gestos - como alguém lendo o jornal enquanto ouve-se A Day In The Life em versão instrumental ao fundo, e a garota que entra pela janela do banheiro. Tudo isso mesclado com a história de um rapaz de Liverpool que se aventura nos Estados Unidos, bem a tempo de acompanhar a loucura dos anos 60.

O único rosto mais ou menos conhecido entre o elenco principal é Evan Rachel Wood, que protagonizou o forte Aos Treze. Todos os demais são atores que até então só fizeram pontas ou filmes para a TV. Essa escolha deve-se não apenas pela composição do clima do filme, como também para poder aproveitar um talento que nem todos os atores possuem. As canções - como agora já é padrão - são cantadas pelos próprios atores. Neste, com um tempero a mais: boa parte das músicas foram gravadas em cena, e não em estúdio. Apesar de não ser a voz mais bonita, o inglês Jim Sturgess é o tom de Across the Universe, com seu sotaque e timbre rouco.

E o que poderia ser uma colcha de retalhos sem muito nexo foi muito bem costurado por Taymor, em um roteiro que aproveita com primor a vasta fonte de inspiração que escolheu. A história flui bem, utiliza corretamente os momentos históricos reais e, apesar da psicodelia na metade da fita - até ela bem encaixada - não se perde. A duração é quase perfeita, o final acontece no momento certo, do jeito certo.

Quem conhece bem os Beatles vai se deliciar com a maneira como a própria história da banda é mesclada à do filme. Quem só conhece um pouco vai acompanhar com prazer as eternas músicas muito bem executadas. E quem não conhece - alguém? - tem uma ótima oportunidade para ser apresentado. Infelizmente o próprio gênero do filme vai espantar muitos, além do fato da sua distribuição no Brasil ter ficado restrita às poucas salas com vertente mais alternativa. Se você é um dos privilegiados que podem assisti-lo no cinema, não perca.

08 dezembro, 2007

Conduta de Risco (Michael Clayton)




Tony Gilroy é conhecido no meio cinematográfico como o roteirista da trilogia Bourne e do intenso Advogado do Diabo, entre outros. Sua estréia na direção acontece com um roteiro inédito de sua própria autoria, que conta a história de Michael Clayton - o título original - um advogado cujo trabalho é controlar crises e livrar os poderosos clientes do grande escritório onde trabalha. Como sempre em trabalhos assim, sua consciência será testada, em uma história que lembra um pouco o caso real que inspirou o filme Erin Brockovich - cujo diretor, Steven Soderbergh, é um dos produtores deste.

Apesar do tema envolver intimamente advogados e causas processuais, não há quase nada de linguajar jurídico e nem uma cena de tribunal sequer. A vantagem de ser um roteirista experiente está a favor de Gilroy, que mantém a história no foco exato - os questionamentos que os episódios recentes causarão ao personagem principal, e as escolhas que fará a partir disso. A fotografia cinzenta e levemente texturizada combina perfeitamente com o clima do roteiro.

Gilroy mostra-se confortável atrás das câmeras, e revela-se um excelente diretor de atores. Tom Wilkinson está excelente como o advogado que resolve mudar de lado, e Tilda Swinton é bastante competente ao interpretar uma executiva da poderosa companhia produtora de defensivos agrícolas que Wilkinson deveria defender. Mas os holofotes estão, como não poderia ser diferente, sobre George Clooney, no papel principal. Quando fez suas primeiras incursões fora da série E.R. - Plantão Médico no Brasil - chegou-se a considerar que seria mais um dos muitos que não conseguem fazer a carreira afastar-se do papel que os tornou famosos. Clooney fez seu caminho lentamente e, especialmente, fez os amigos certos. A série "Onze Homens" marcou definitivamente o afastamento da sua imagem do pediatra da série, e agora seu Michael Clayton é a coroação da sua maturidade artística. Sua atuação sóbria, sem deixar escapar para o "charme de galã" que normalmente usa, é o melhor do filme.

Não é um dos melhores filmes da temporada, nem um que agrade a muitos, mas é uma bela estréia na direção, que mostra um bom potencial, o suficiente para acompanharmos a carreira do agora diretor Tony Gilroy em suas próximas produções - uma já engatada, inclusive. Quem imagina que vai assistir a um suspense dos bons pode se decepcionar - e o trailer leva de certa maneira a essa impressão. Não é também um filme obrigatório. Os que possuem mais opções de filmes para assistir no cinema podem deixar este para o DVD.

02 dezembro, 2007

Eu e as Mulheres (In the Land of Women)




Filmes bobinhos sempre existiram, e têm o seu lugar. Com seus roteiros cheios de fórmulas e quase sempre ambientados em apartamentos ou nos subúrbios norte-americanos, são aqueles filmes que poderíamos perfeitamente passar sem, mas que preenchem bem aquela hora e meia em que você não tem nada para fazer e quer descansar inclusive a cabeça. Eu e as Mulheres cai em cheio no perfil. O primeiro trabalho como diretor de Jon Kasdan, que também assina o roteiro, é apenas um exercício.

Sem grandes pretensões, a história do jovem roteirista de pornô light que é deixado pela namorada até que nem é tão bobinho quanto parece. Aborda - superficialmente, claro - assuntos que poderiam ir bem mais fundo, mas inteligentemente mantém-se apenas no drama leve. Os personagens foram um tanto além na estereotipização, e há algum exagero no misto de maturidade e sensibilidade do personagem principal, mas de certo modo funciona. Poderiam ter utilizado mais e melhor a pequena e esperta Paige, e evitado um ou outro beijo gratuito.

A marca principal de filmes assim é que tudo sempre acaba bem no final, e aqui não é diferente. Nada de grandes histórias ou aprendizados, nem surpresas. O papel desse tipo de produção, além de exercitar atores, diretores e equipe de produção, é dar ao público um tempinho para esquecerem de tudo, mostrando muito pouco.

01 dezembro, 2007

A Lenda de Beowulf (Beowulf)




Robert Zemeckis foi o primeiro dos bons diretores já conhecidos a aventurar-se no universo das animações em 3D. Em 2004 ele estreou a animação O Expresso Polar, que apresentava uma requintada técnica de animação por captura de movimentos reais, além de usar atores de verdade - no caso, Tom Hanks, em diversos papéis. O filme chamou pouca atenção, mas a técnica foi aplaudida - e utilizada novamente no ótimo A Casa Monstro, que Zemeckis produziu. Agora o diretor de De Volta para o Futuro, Forrest Gump, Contato e Náufrago, para citar alguns dos seus maiores sucessos, volta à animação para trazer às telas uma versão do épico inglês Beowulf.

A história é mais antigo poema escrito em língua moderna - o inglês - datando de mais ou menos 1500 anos. É um marco na literatura pelo estilo da história, pelo uso intenso de aliteração, e foi a inspiração de diversos outros textos, incluindo o Senhor dos Anéis de Tolkien. Não é a primeira vez que ele é filmado. A primeira é uma animação em "tradicional 2D" de 1981 que se chamou Grendel Grendel Grendel. A segunda, uma bobíssima adaptação ambientada em um futuro estranho e estrelada pelo highlander Christopher Lambert. A terceira, lançada a apenas dois anos, é uma desconhecida versão canadense, com ninguém menos que o Rei Leônidas Gerard Butler no papel principal. A versão de Zemeckis tem a vantagem de ter o escritor de quadrinhos Neil Gaiman como um dos roteiristas, e o fato de ter sido feito em uma ultra realista animação por computador, usando novamente atores de verdade.

A modelagem está soberba. Há mesmo alguns momentos em que podemos confundir com uma cena filmada, inclusive em alguns closes - que normalmente mostrariam a excessiva perfeição dos modelos, causando a impressão de algo irreal. A técnica dos movimentos, que parecia ter progredido muito em A Casa Monstro, aqui aparentemente deu um passo atrás. Em alguns momentos o filme é bastante fluído, com ótimas expressões corporais, mas na maior parte do tempo guarda aquela certa dureza das primeiras animações por computador. O tempo curto da fita para uma história tão longa e complexa causa algumas confusões em certos trechos - mas é preciso ressaltar que, da forma em que está, não suportaríamos um tempo muito além do utilizado. Fica bastante claro que o roteiro ficou limitado às capacidades técnicas da animação, apesar do patamar alto que foi perseguido.

Provavelmente teríamos um filme bem melhor se ele fosse feito filmando os atores reais e utilizando a computação gráfica para os efeitos especiais. Mas o Beowulf de Zemeckis deve ser reverenciado não pela qualidade cinematográfica, que deixa um pouco a desejar, mas pela quebra de paradigmas que pode ter iniciado. Muito do que acontece no filme é inédito na animação para o grande público e, repetindo, a modelagem está fantástica. Por hora, funciona melhor como uma curiosidade que como exemplo de um filme excelente.