28 outubro, 2007

Renaissance (Renaissance)




É muito comum que novos estilos, especialmente visuais, quando habilmente aplicados, gerem réplicas no mundo do cinema. À primeira vista, Renaissance pode parecer uma réplica em animação do excepcional Sin City de Robert Rodriguez e Frank Miller. Mas não é. Claro que não ajudam as críticas mundo afora referindo-se ao filme como uma fantástica mistura de quadrinhos com cinema - o que ele também não é. O filme nasceu ainda no século passado, em 1999, quando Rodriguez ainda nem pensava em convencer Miller a filmar sua história em quadrinhos. Naquela época, o diretor francês Christian Volckman já trabalhava na história e no conceito visual da sua produção.

Visualmente, apesar de lembrar muito Sin City, há também duas diferenças básicas: primeiro, este é uma animação, feita com uma técnica excelente de captura de movimentos; segundo, a fotografia utiliza muito mais o preto e branco puro, quase sem escalas de cinza. Esta característica, por si só, já restringe muito o público - e de fato atrai mais os leitores de quadrinhos. A história, nem tanto. Não há nada espetacular na ficção científica, e há muitos clichês.

Assim como Capitão Sky e o Reino do Amanhã, há aqui muito mais preocupação com a fotografia que com o roteiro. Volckman nos apresentou uma possibilidade nova na forma de contar uma história, mas não a utilizou em um bom texto. Muitas vezes previsível e com alguns problemas de ritmo, nem mesmo chega a utilizar o visual a seu favor. O filme não perde sua validade como novidade, mas também não avança além do circuito cult. Pelo menos ele nos mostra que as possibilidades de inovação estilística ainda existem.

20 outubro, 2007

Stardust (Stardust)




O cinema felizmente descobriu a fonte dos quadrinhos alternativos. Aproveitando ou não a onda de adaptações da nona para a sétima arte, os títulos menos conhecidos, aqueles que nem sempre vão parar nas bancas, começam a aparecer nos cinemas. Já tivemos de tudo, desde a melhor proposição já feita para o misterioso Jack o Estripador - sim, a graphic novel "Do Inferno" é considerada a mais provável história do famoso assassino, e já esteve nas telonas - até a melhor transcrição entre as duas linguagens, o excepcional Sin City. Stardust não chega a alfinetar um posto de "melhor", mas merece as suas estrelas.

A história não é muito conhecida aqui no Brasil, mas os fãs do gênero sabem que a sua grife não engana. Neil Gaiman, o autor, faz parte da atual tríade sagrada dos escritores de quadrinhos, junto com Frank Miller, de Sin City e 300, e Alan Moore, de V de Vingança - um caso raro dos que não foram muito bem adaptados, tanto que Moore tirou seu nome dos créditos - e "Do Inferno". Ou seja, a história é certamente muito boa. Para referência, Gaiman é o autor da melhor série longa dos quadrinhos, Sandman.

E o diretor Mattew Vaughn soube aproveitá-la. Iniciante, com apenas outro filme desconhecido no currículo, já podemos ver que tem potencial. A narrativa, com todas as adaptações que normalmente são necessárias à transcrição, utiliza muito bem o tema central dos quadrinhos, e tudo corre na medida. Temos o humor contornando toda a trama, a aventura na dose certa, e a beleza visual muito bem fotografada. Sem falar no ótimo elenco. Tão bom que pode colocar grandes nomes apenas como coadjuvantes, como Peter O'Toole e Rupert Everett - aliás, o time dos príncipes fantasmas é particularmente hilário. O protagonista Charlie Cox foi bem escolhido entre nomes não muito famosos, e conseguiu mostrar um bom serviço ao lado de "gente grande" como Robert DeNiro e Michelle Pfeiffer. Claire Danes mostra também muita desenvoltura no papel da estrela cadente Yvaine.

Muitas vezes um bom filme perde-se porque prolongou demais a história ou fez cortes excessivos. Stardust não padece de nenhum desses problemas. Com suas pouco mais de duas horas, tem o tempo exato para desenvolver a trama, não deixa nós desatados e diverte bastante. Um filme que tem potencial para agradar uma faixa de público maior do que o quadrinho que o inspirou conseguiu - o que pode fazer com que a peça original volte às prateleiras, o que não seria nada ruim. Uma produção que transita bem dos festivais que freqüentou para o circuito comercial, o que por si só já é um bom atestado de qualidade. Para ver sem medo de errar.

13 outubro, 2007

Hairspray (Hairspray)





O gênero dos musicais ficou um bom tempo quase abandonado. Apenas algumas poucas produções se aventuravam, sem muita projeção. Felizmente, resolveram reaproveitar as imensas qualidades da categoria, acrescentando ainda uma boa e renovada utilização das suas características. Podemos citar entre os bons musicais recentes os excelentes Chicago, Moulin Rouge e Dreamgirls, para não estender muito a lista. A mais recente produção consegue também se valer do que há de melhor, acrescentando ainda um ingrediente que os outros utilizaram menos, a comédia. Hairspray, como vários outros, é baseado em um show de sucesso da Broadway, que já tinha sido filmado antes, em 1988. E, como vários outros, faz lá as suas licenças poéticas, quase todas com muita propriedade.

O diretor Adam Shankman começou sua carreira recentemente, dirigindo o bobinho The Wedding Planner, o sensível Um Amor para Relembrar, e os bastante tolos A Casa Caiu e Operação Babá. Desta vez, ele finalmente conseguiu passar uma mensagem importante para qualquer diretor: ele tem estilo. Sua versão é divertida, enérgica, colorida e, claro bastante musical. Algumas escolhas foram essenciais para reunir na medida todos esses pedaços: escolher um homem para interpretar a mãe da protagonista foi uma grande jogada, e escolher John Travolta para isso foi ainda melhor; a novata Nikki Blonksy é ótima, conseguindo atuar muito bem e cantar ainda melhor - novatas gordinhas estão em alta, vejam a excelente Jennifer Hudson de Dreamgirls; Michelle Pfeiffer como a "vilã" foi também uma grande jogada, até porque ela andava meio sumida. Todo o elenco está bem. Para costurar tudo isso, o tratamento dado ao roteiro, e especialmente ao contexto histórico, foi bastante adequado.

Musical com comédia e uma mensagem moralizante pode, sim, funcionar, e Hairspray é prova disso. Sem muito esforço, você vai rir bastante, apreciar as músicas e passar agradáveis minutos na poltrona, e ainda vai querer passar na loja de CDs mais próxima para comprar a trilha sonora. Um filme bom para assistir com a família, ou com a namorada, ou mesmo sozinho. Mas, certamente, um filme para assistir.

07 outubro, 2007

Tropa de Elite




É difícil falar sobre um filme que já foi amplamente comentado. Talvez o maior trunfo de Tropa de Elite seja ter sido vítima de um crime que em certa medida se relaciona com vários outros mostrados na produção. Se o "lançamento" da versão pirata várias semanas antes do oficial foi ou não uma jogada de marketing, já não importa. O fato é que, jogada ou não, o marketing deu certo, e na semana em que ele chega oficialmente aos cinemas, muita gente já viu. Mas ainda assim muitos vão conferir o que agora é chamado de "versão original". E então é também difícil não escapar à comparação com o seu irmão mais velho, Cidade de Deus. Mas apesar de serem o principal cenário as favelas, aqui, não são o foco.

O filme incomoda, e não sabemos o que nele nos deixa mais revoltados, se a rápida visita pela corrupção já intrínseca à polícia, se o triste papel das classes média e alta na manutenção do crime organizado, ou se os métodos desumanos do BOPE. São três tapas na cara, bem dados como os que o Capitão Nascimento aplica àqueles que interroga e aos seus recrutas. Nada é novidade, mas ver tudo tão bem mostrado é como se nunca soubessemos. E tudo como pano de fundo para a história de um único personagem, o Capitão que precisa encontrar um substituto à altura para seu posto na corporação, e assim poder dar a devida atenção à família.

José Padilha aproveita muito bem os cenários, e também os atores. Se as últimas boas produções brasileiras foram a glória de Lázaro Ramos, esta pode ser o início para Wagner Moura. De todas as boas atuações - e também das medianas - do filme, ele sobressai, e não apenas por ser o personagem principal, mas por estar muito bem incorporado no papel. Como já parece ser comum em produções desse gênero, o elenco responsável pelos papéis de traficantes e bandidos sai-se muito bem. O mesmo, infelizmente, não pode ser dito dos jovens que fazem os estudantes, e aí podemos incluir André Ramiro, que poderia ter mostrado um pouco mais de esforço, mesmo no papel difícil que teve.

A pergunta que não quer calar: teria Tropa de Elite feito tanto sucesso se não houvesse acontecido a pirataria precoce? O filme seria o mesmo, possivelmente o espaço nas salas de exibição também, mas os comentários provavelmente ficariam restritos ao público mais afeito ao cinema brasileiro de "não comédia", que ainda não é muito. As cópias não autorizadas atiçaram a curiosidade de todos que souberam do caso, e comentou-se mesmo antes de ter-se visto, já que o enredo foi para as ruas, e mesmo que não viu já sabia. Tenha você visto ou não a versão pirata das ruas, vá ao cinema. Pode não ser exatamente agradável, mas é essencial.