30 setembro, 2007

Deserto Feliz




Mais um filme sobre o retrato de um Brasil não tão pujante e belo quanto o dos cartões postais. Como sempre, focado no nordeste mas, dessa vez, não utilizando o batido tema da seca. A história gira em torno de uma garota de 15 anos que vive com a mãe e o padastro no vilarejo que dá nome ao filme. Em um certo ponto da história ela é estuprada pelo padastro, e a mãe não apenas não toma atitude alguma como nem mesmo se surpreende. Ela então começa a se prostituir, até sair de casa e ir para Recife, onde conhece um jovem alemão que se apaixona por ela e a leva do Brasil.

A trama simples é marcada por muitos supercloses, muito silêncio e muitas cores frias. Há também um leve abuso de cenas com longos takes sem corte em plano linear. Na maior parte das vezes, a cena deveria dizer algo por si só, mas nem sempre acontece. O diretor Paulo Caldas estréia neste filme dirigindo sozinho. Seu primeiro longa-metragem, dividido com Lírio Ferreira, foi o aclamado e premiado Baile Perfumado, que de fato é muito bom. Aqui ele encontrou um bom tema, tinha um bom roteiro, e em várias vezes deixa entrever o filme que poderia ter sido.

O bom elenco - com um destaque merecido para Nash Laila, que interpreta Jéssica, a personagem principal - poderia ser melhor aproveitado, como também o roteiro. A solidão que o filme passa é imensa, e um dos pontos mais favoráveis da produção, que de maneira geral é muito boa. A forma como a história é trabalhada, visual e verbalmente, poderia ser melhor implementada. Pode-se dizer que o diretor teve a faca e o queijo na mão, mas cortou só até a metade.

16 setembro, 2007

O Vigarista do Ano (The Hoax)




Boas histórias têm que ser contadas, mesmo que não sejam verdadeiras. Nada de mais até aí, mas e quando você tem uma história que seria boa demais se fosse verdade, e a vende como se de fato fosse? Esse é o mote de uma das mais incríveis publicações que o mundo jamais viu: a autobiografia do excêntrico milionário Howard Hughes. Para quem não o conhece, ele é o personagem interpretado - muito bem, diga-se de passagem - por Leonadro DiCaprio em O Aviador. Mas aqui a história é sobre outro excêntrico, Clifford Irving, que nos anos 70 foi do inferno ao céu, para voltar logo depois, com uma das maiores mentiras já contadas.

Richard Gere interpreta o notório enganador, que quase levou um milhão de dólares com sua farsa. Não se via uma atuação tão boa de Gere desde Chicago em 2002, bem longe das comédias românticas e dramas melosos que lhe deram fama. Ele aqui dispensa seu charme natural para encarnar Irving em uma atuação notável. Alfred Molina, seu comparsa na trama, está como sempre muito centrado em seu papel, que aqui é de coadjuvante. Molina é um dos raros grandes atores que podem ser escalados para papéis menores e ali sentirem-se confortáveis. À frente da trama está Lasse Hallström, que também dirigiu os ótimos Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador, Regras da Vida e Chocolate - este também com Alfred Molina - entre outros muito bons.

A forma como a mentira se construiu, e a dimensão que ela ganha a cada movimento que Irving é obrigado a fazer para garantir sua credibilidade, são o ponto mais interessante da história. Mas é igualmente interessante a sugestão da forma como o autor foi consumido pelo monstro que ele mesmo criara, às vezes quase acreditando de fato no que dizia, a ponto de alucinar sobre alguns acontecimentos que legitimariam a farsa que começou. E é interessante, também, notar a fragilidade que uma personalidade tão forte como era a de Hughes pode ganhar face à sua extravagância - a suposta maior autoridade sobre o milionário, o último jornalista a conseguir entrevistá-lo, parabenizou Irving pelo excelente trabalho, garantindo que via claramente nas palavras o próprio Howard.

E tudo isso interligado a um dos maiores escândalos políticos norte-americanos, o caso Watergate. Enquanto uma mentira ganhava vida, outra era escondida nos não tão indevassáveis arquivos do governo. A nova onda de filmes baseados em fatos reais - ou contando histórias de personalidades - tem gerado frutos muito bons. Este é um deles.

08 setembro, 2007

O Grande Chefe (Direktøren for det hele)




Lars Von Trier é um diretor que gosta de simplicidade. Suas produções têm como marca evitar a maioria das assim chamadas "perfumarias", como efeitos especiais, edição de som e afins. Ele chegou a fundar um movimento cinematográfico chamado Dogma95, em que o mote básico era o que nosso Glauber Rocha já fazia por necessidade, uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Apenas uma das suas produções seguiu à risca as regras do Dogma, mas foi o suficiente para alçá-lo à fama. Desde então, ele já ganhou uma Palma de Ouro - depois de ser indicado várias vezes - e lançou dois filmes da sua trilogia sobre os Estados Unidos, sem nunca ter posto os pés lá. Ele também inventou uma técnica de filmagem chamada Automavision, em que a câmera é controlada por um computador, que decide os ângulos e movimentos. Além de simples, Von Trier é também estranho.

Sua mais recente produção é algo que se pode chamar de comédia para refletir - apesar do próprio diretor avisar que suas reflexões são inválidas. A história de um dono de uma empresa de tecnologia que, por medo de tornar-se impopular, inventa um grande chefe, que nunca está presente mas toma todas as decisões, e se vê obrigado a contratar um ator para representar o papel do tal chefe para concretizar a venda da empresa com um intransigente islandês que só aceita negociar com o dono, é típica do diretor. Seu humor, como seus filmes, não é para todos.

As variações quase absurdas na luz e na captação do som - algo como uma maneira de Von Trier provar que dispensa as perfumarias - dão ao filme um aspecto de quase realidade. Os diálogos estranhos - o ator que interpreta o chefe não chega a ser devidamente brifado sobre o que o personagem que interpreta fez ou disse no passado - têm um quê de pastelão, mas, no conjunto, é um dos filmes mais "palatáveis" do cineasta dinamarquês. Para assistir com a mente aberta.

07 setembro, 2007

A Hora do Rush 3 (Rush Hour 3)




Filmes de ação com artes marciais que são também comédias são uma criação chinesa, que abusava da criatividade - e das chamadas "lutas com fios", aquelas em que os personagens voam - para produzir um cinema popular que não desafiasse as regras rígidas do comunismo. Jackie Chan, depois de ser dublê e parceiro de Bruce Lee, foi quem praticamente inventou o gênero nos anos 80, e também quem praticamente fez com que ele sobrevivesse até chamar a atenção de Hollywood. Provavelmente o sucesso que a combinação faz hoje não foi esperado. Como também uma terceira continuação para o despretensioso A Hora do Rush.

Chan parece ter encontrado em Brett Ratner o parceiro perfeito como diretor, e o mesmo se aplica a Chris Tucker na frente das câmeras. Desde o primeiro filme, há algo no ritmo desses três que outras produções do gênero - algumas inclusive com o mesmo Jackie Chan - não conseguem alcançar. Apesar do tema parecer meio batido, eles conseguem fazer com que o filme funcione muito bem.

As cenas rápidas têm o timing perfeito da comédia, e as risadas se sucedem com facilidade. O roteiro não chega a ser muito bem trabalhado quanto à história em si, que é um tanto confusa e termina sem explicar muito. Mas nesse caso isso realmente não importa. A diversão é garantida pelas pequenas cenas cm muito bom humor. Chineses que falam francês - em uma impagável cena em que uma freira serve de intérprete, obrigando os protagonistas a camuflarem seus palavrões -, uma recepção nada calorosa na França e a excelente abertura em que Tucker, dançando como Michael Jackson, tenta organizar o trânsito de Los Angeles são alguns dos bons momentos do filme. Como de praxe nas produções em que Chan participa, erros de gravação e pequenos acidentes nas coreografias mantém as gargalhadas até os créditos. Programa leve para o feriado.

01 setembro, 2007

Paranóia (Disturbia)



O segmento adolescente é, tipicamente, o mais rentável de quase todos os segmentos comerciais. No cinema, é esse público que mais enche as cifras das bilheterias. Então é normal que, vez por outra, surja um filme feito sob medida para eles. Paranóia é um deles, feito quase que apenas para a garotada. Estrelado pelo adolescente que é, aparentemente, a grande cartada da vez, Shia LeBeouf - que vimos recentemente em Transformers e um pouco antes em Constantine - e dirigido por D.J. Caruso, dos bons Roubando Vidas e Tudo Por Dinheiro.

A primeira sequência, que mostra o motivo das atitudes que levam o jovem Kale a ser sentenciado a três meses de prisão domiciliar, é chocante, e muito bem feita. O resto do filme é também bem produzido, mas não vai além dos clichês de um suspense adolescente. Uma boa dose de "american way of life", incluindo a paranóia do título.

Como um exercício, tanto para o diretor Caruso quanto para LeBeouf, é um filme eficiente. Com orçamento baixo para os padrões hollywoodianos, a fita diverte bem. Claro que, para o público alvo, deve parecer muito melhor. Afinal de contas, o mote principal é interessante. Parece que, além de ser a bola da vez, LeBeouf também foi escolhido para debutar os novos belos rostos do cinema norte-americano. Depois de Megan Fox, seu par agora é a também bela Sarah Roemer. E em breve veremos o jovem astro novamente em um filme que certamente levará muitas pessoas às salas: o longamente aguardado quarto filme do Indiana Jones.