26 outubro, 2011

Remake, Versão, Reboot



O cinema sempre soube se reciclar. Personagens famosos aparecem às vezes em dezenas de filmes, e vez por outra somos surpreendidos ao saber que aquele filme que adoramos é uma versão, ou torcemos o nariz quando ouvimos que o próximo lançamento é um remake. Há pouco tempo as pessoas da minha geração ficaram chocadas ao saber que Karate Kid seria refilmado, dirigido por Will Smith e tendo seu filho como personagem principal, Jackie Chan como Sr. Miyagi, e ambientado na China. Por mais que vários críticos tenham dito que, no fim das contas, o filme é bom, não tive ainda coragem de assistir. Como provavelmente não terei de ver o remake de Footloose. E espero sinceramente que todos os boatos sobre OldBoy sejam mentira. Vez por outra também lemos que tal franquia sofrerá um reboot. E há histórias que tem múltiplas versões. Por mais que cada um signifique algo diferente, no entendimento geral quase sempre o que é filtrado é que o filme em questão é uma cópia. Vamos tentar aqui esclarecer um pouco esses sobrenomes.




Começando do começo. A origem de um roteiro, por si só, já elimina algumas dúvidas. A literatura e o teatro são as grandes fontes do cinema, com os quadrinhos cada vez mais fortes e as séries de TV ora em alta, ora em baixa. Se um roteiro surge de uma história que já foi contada antes, em qualquer meio que seja, ele já nasce versão, mesmo que seja o primeiro a chegar às telonas. Foi assim lá em 1971, quando Mel Stuart transformou em filme o livro de Roald Dahl – que também fez o roteiro do filme. Tivemos assim a primeira versão de A Fantástica Fábrica de Chocolate - Willy Wonka & the Chocolate Factory, no original. 34 anos depois, Tim Burton fez um novo filme, com a mesma história. Mas ele não usou o roteiro da versão de 1971. John August escreveu um novo roteiro, a partir do livro de Dahl. Embora tenha sido chamado de remake, A Fantástica Fábrica de Chocolate de Burton é na verdade uma outra versão – tanto que o nome original é também outro, Charlie and the Chocolate Factory. Os mesmos personagens, a mesma história, mas diferenças cruciais em diálogos e pontos chave da trama. Filmes diferentes com a mesma origem, temos uma versão, e não um remake. Pelo que tenho ouvido e visto, é o que vai acontecer com Os Homens Que Não Amavam As Mulheres - o livro é ótimo, o filme sueco é bem fraco, esperanças em alta para a versão de David Fincher. O mesmo acontece quando há uma história sem uma fonte clara, que está aberta para várias vertentes - caso dos contos de fadas e personagens como Robin Hood, Rei Arthur e Merlin. Cineastas diversos fizeram filmes diversos, cada um com uma história diferente.


Mas a história pode nascer já no cinema, como King Kong. Merian C. Cooper e Edgar Wallace deram a ideia para James Creelman e Ruth Rose escrever, e Copper e Ernest B. Schoedsack dirigiram, em 1933, a história original de um gorila gigante levado a Nova York. E aí a coisa complica um pouco. Em 1976, Lorenzo Semple Jr. pegou o roteiro original e atualizou a história, que foi então dirigida por John Guillermin. A trama principal estava lá, mas  a ação acontecia no presente – no caso, o presente em 1976 – e com isso várias mudanças drásticas foram feitas ao roteiro, que resultou em um filme péssimo com um King Kong que mais parecia a Monga, a mulher macaco dos circos e parques de diversão de qualidade duvidosa. Felizmente Peter Jackson se reuniu à sua parceira criativa Fran Walsh e à Phillipa Boyens para a excelente versão de 2005, que pegou o roteiro original de Creelman e Rose, inclusive usando cenas que o original de 1933 decidiu cortar, e fez basicamente o mesmo filme com tecnologia moderna. Três filmes, um roteiro: é o remake. Os exemplos mais comuns disso são as versões norte-americanas de sucessos de outros países, como O Chamado, Deixa Ela Entrar, A Casa do Lago, Dança Comigo, entre outros.


Temos o caso de reboot – que pode ser traduzido como reiniciar, algo que usuários mais antigos de computador conhecem bem. Neste caso, é literalmente começar de novo, do zero, como se as produções anteriores não tivessem existido - e por isso mesmo normalmente é feito com filmes baseados em livros, quadrinhos ou séries. Imagine que você tem um personagem de quadrinhos muito bacana, faça dois filmes bastante bons com o Tim Burton comandando, e no terceiro decidem passar o bastão para algum infeliz que jamais deveria ser admitido perto de um set de filmagem. Não contente em estragar o terceiro filme do Batman, Joel Shumacher achou que podia se superar e fez o quarto - que figura entre os piores filmes já feitos em várias listas. Não dava para continuar. Então foi preciso “resetar” tudo, e felizmente chamaram o Christopher Nolan, que fez um ótimo trabalho. Então o X-Men First Class é um reboot? Não. Neste caso, é simplesmente uma outra história, ambientada em outro tempo, feito com personagens que já estiveram na telona. Ao contrário do próximo Spider-Man, que é uma mistura. Ao mesmo tempo em que conta a história toda de novo e muda algumas coisas, ele também foca em uma fase da vida do personagem que os três primeiros não abordaram. Na prática, é um reboot, com a adição da mudança de época.

Agora, não se espante se aquele filme que você adora não for original, ou o original. Além dos que já citei aqui, segure-se na cadeira para a lista:
  • A Mosca - David Cronenberg refilmou um clássico do terror, que aqui no Brasil recebeu o nome de A Mosca da Cabeça Branca - é, vai entender.
  • 13 Fantasmas - A versão original é de 1960, mas a história é basicamente a mesma. Imagine os efeitos especiais. Ou melhor, procure na internet por algumas cenas, é imperdível.
  • Scarface - Brian DePalma fez um excelente filme de outro excelente filme. Lembra do milionário maluco e aviador Haward Hughes? Então, ele produziu o filme do seu xará Howard Hawks em 1932.
  • Insônia - Pois é, até o Christopher Nolan fez o seu remake, no caso de um filme norueguês.
  • O Preço de Um Resgate - O original é de 1956.
  • A Identidade Bourne - Feito para a TV em 1988, com o esquisitão Richard Chamberlain - é, aquele da série de filmes imitando Indiana Jones.
  • Onze Homens e Um Segredo - feito pela Rat Pack na década de 1960. As sequências já são obra de Soderbergh.
  • Por Um Punhado de Dólares - Esta é uma história interessante. Akira Kurosawa fez seu Yojimbo baseado em um conto de Dashiell Hammett chamado Red Harvest. Kurosawa ambientou no Japão medieval, com samurais. Sérgio Leone, anos depois, usou o mesmo conto e o filme de Kurosawa para o mais conhecido Spaguetti Western, e também o filme que colocou na cabeça de todos a imagem do Clint Eastwood cowboy.
  • Os Infiltrados - Ótimo remake de Martin Scorcese de um filme de Hong Kong.
  • Sete Homens e Um Destino - Kurosawa fez o original, também com samurais no Japão medieval, John Sturges refilmou no velho oeste em 1960, virou série de TV em 1998.
  • Mens@gem Pra Você - Refilmagem do simpático A Loja da Esquina, de 1940. Detalhe curioso: a loja da Meg Ryan no remake tem o mesmo nome do filme original, A Shop Around The Corner.
  • True Lies - O original da comédia de espião é um filme francês de 1991 chamado La Totale!
  • Violência Gratuita - Outra história interessante. Mickael Haneke escreveu e dirigiu as duas versões, uma em 1997 e outra em 2007 - esta última nos EUA.
  • Fogo Contra Fogo - a mesma coisa do Violência Gratuita, mas feito pelo Michael Mann. A justificativa para a segunda versão é mais do que válida: a primeira vez que Al Pacino e Robert DeNiro contracenaram.

A lista é grande. Bem grande. Juntando remakes e versões inclui A Princesinha, Caminhando Nas Nuvens, Um Crime Perfeito, Alfie, A Marca da Pantera, Cidade dos Anjos, Os Safados, Uma Saída de Mestre, O Campeão, A Pequena Loja dos Horrores, Vanilla Sky, Flubber, 60 Segundos, Eu Sou A Lenda e tantos outros que não daria para citar todos. Visite o IMdB e consulte o link “connections” de um filme para saber se ele já teve outra versão.

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