17 fevereiro, 2012

O Artista (The Artist)

Estamos tão acostumados com algumas tecnologias que muitas vezes elas se tornam transparentes para nós. É por isso que casos como o de O Artista, que nos lembra que a arte não precisa depender de tecnologia, são tão marcantes. O cinema já tem mais de 100 anos e, assim como a música, bons filmes de então tendem a continuar bons filmes hoje, tal como as ótimas comédias de Charles Chaplin. Pois Michael Hazanavicius resolver abandonar, em grande parte, duas das maiores revoluções tecnológicas do cinema desde sempre: o som, que começou a ser usado em 1927, e a cor, de 1935. Abandonou também a hoje quase universal proporção widescreen, filmando no clássico 1,33:1 - a proporção das hoje antigas TVs de tubo. Lendo uma descrição assim, muita gente já deve pensar que é um filme chato, pseudo-artístico e pedante. Enganam-se. O Artista é uma peça muito cuidadosa, feita para mostrar justamente o que disse no começo do parágrafo: arte não precisa depender de tecnologia.

O diretor francês talvez seja conhecido por seus dois filmes satirizando a série James Bond, com o agente OSS 117 - que, aliás, usou a mesma dupla de protagonistas, Jean Dujardin e Bérénice Bejo. Hazanavicius preocupou-se em, além de não usar o som, a cor, e a proporção, de também evitar outras técnicas atuais, e abusar da estética dos filmes antigos. Não há uso de zoom, há pouco movimento de câmera, muitos cortes com íris, e a fotografia quase sempre em foco infinito.

E há a atuação, talvez o ponto mais trabalhado para não apenas mimetizar a estética antiga, mas também para mostrar a transição dos personagens. o francês Jean Dujardin começa a fita fazendo jus ao seu papel de galã dos filmes mudos. Suas expressões são exgeradas, feitas para marcar bem o sentimento do personagem quando a fala não poderia fazer isso. Sobrancelhas sempre arqueando-se, lábios em grandes sorrisos ou comprimidos de preocupação, corpo sempre em movimento, quase sempre com a frente voltada para os espectadores. A argentina Bérénice Bejo também começa assim, mas como depois assume o posto de estrela dos novos filmes falados, torna-se mais sutil. Até um ponto em que ambos já não precisam mais do exagero para transmitir ao público suas emoções. É um trabalho difícil, de sutilezas não percebidas, que merece a indicação recebida para a dupla principal. Some-se a esse excelente trabalho um elenco de apoio exemplar, que inclui John Goodman, James Cromwell e Penelope Ann Miller, e temos um belo conjunto.

É impressionante como em poucos minutos o filme vence em nós o estranhamento de um filme mudo e preto e branco, e nos envolve completamente. Falantes de inglês aproveitarão um pouco mais a fita, lendo os lábios nos diálogos que não são transcritos em cartela, e também lendo-as no inglês original - as cartelas são rápidas e a legenda em português nem sempre está bem visível. O que o diretor conseguiu aqui não é um trabalho simples. A preocupação com os detalhes de edição, montagem e enquadramentos é primorosa. Hazanavicius fez uma bela homenagem ao cinema clássico, que merece ser vista.

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