10 março, 2010

Preciosa (Precious)



Só algumas vezes um filme independente atinge um patamar tal que todo mundo começa a falar nele. Ainda menos vezes esse filme rompe a barreira do circuito alternativo e chega às salas comerciais, sem falar em disputar o Oscar e ainda levar algumas estatuetas. Quando isso acontece, temos que assisti-lo. Quase não importa do que o filme trate, só temos que ver como tudo isso aconteceu. No caso de Preciosa, temos que assistir também porque é uma excelente produção.

Ler a sinopse dá a falsa impressão de que vai ser um daqueles dramalhões de superação. Ver o trailer tira um pouco disso, mas ainda assim não é suficiente para atrair todos. É um engano. A qualidade de Preciosa está na coragem de falar abertamente o que muitas outras produções acharam prudente apenas indicar. E por isso essas coisas já aparecem na sinopse e no trailer. Precious é uma adolescente negra, obesa, semianalfabeta, repetidamente agredida pela mãe com palavras e violência física, e pelo pai com estupros. Estamos dentro da cabeça dela, que foge para fantasias sempre que o mundo começa a ficar difícil de suportar – apenas imaginem que ponto é esse na vida de alguém com esse “currículo”.

Lee Daniels dirigiu apenas um outro filme, que ninguém conhece. Geoffrey Fletcher nunca escreveu nada antes que fosse digno de nota no IMDb. Push, o livro que inspirou Preciosa, é o primeiro da autora Sapphire. Esse time de novatos chamou Gabourey Sidibe, atriz também iniciante, para estrelar a produção. Adicionando o roteiro difícil a essa mistura, temos uma receita altamente arriscada. E tudo funciona. Tudo faz você ficar desconfortável na poltrona, mas ainda assim não conseguir levantar nem desgrudar os olhos da tela. Em alguns momentos, temos a impressão de que é na verdade um documentário intimista, o que torna a experiência ainda mais intensa. Os poucos rostos conhecidos que vemos na tela estão tão bem disfarçados nos papéis que nenhum alívio nos trazem.

Não é sempre que essa combinação dá certo. É raro, muito raro, especialmente por ter dado tão certo. Qualquer pequeno deslize resultaria no dramalhão que a sinopse nos leva a acreditar, ou numa peça puramente masoquista fadada a virar fetiche cult. Mas a medida bateu, tudo se encaixa nesse difícil quebra-cabeças. Por isso tudo, Preciosa é um filme mais que necessário.

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